Desenvolver a economia, trazer a sensação de pertencimento, preservar a história e a dignidade. Estes são os principais resultados de um projeto de turismo, criado em 2016, que hoje envolve toda a comunidade do Porto do Capim, em João Pessoa. Com o nome “Vivenciando o Porto do Capim”, os passeios turísticos pela região, que custam a partir de R$ 35, são conduzidos pelo coletivo de jovens Garças do Sanhauá.
“Podem acreditar no turismo que ele é transformador e vem transformando a história da comunidade do Porto do Capim”, afirma Rayssa Holanda, uma das líderes do coletivo, que idealizou o projeto junto com a irmã, Rossana Holanda.
Ela contou que, além dos jovens que organizam os passeios, o projeto envolve cerca de 10 comerciantes da região e acaba tendo impacto em toda a comunidade. Além de melhorar a renda das pessoas, ela acredita que a vivência também é uma forma de comunicar contra o preconceito que muitas pessoas têm, ao achar que o Porto do Capim é uma comunidade pobre e violenta, ignorando a riqueza história e cultural do ambiente e da população ribeirinha que vive ali.
“O turismo convencional só vem até lá em cima, não desce a ladeira, e pior ainda é passar a linha férrea”, afirmou se referindo à linha de trem que separa a comunidade do Centro Histórico de João Pessoa.
A energia criativa dos jovens pode fluir para a colaboração, participação, preservação e inclusão
Regina Amorim
Para a gestora de Turismo e Economia Criativa do Sebrae, Regina Amorim, o projeto é de grande importância para dar visibilidade e sustentabilidade ao lugar pela sua abrangência econômica, social, cultural e ambiental. “O empreendedorismo é uma alternativa para o desenvolvimento econômico e social de qualquer território”, comentou.
“A energia criativa dos jovens empreendedores pode fluir em direção à colaboração, participação, preservação e inclusão, gerando oportunidades de negócios e transformando vidas”, completou.
Turismo que empodera
Durante a vivência, guiada pelos jovens do coletivo, o visitante ouve não só sobre a importância histórica das ruas e prédios da área a partir dos quais a cidade de João Pessoa nasceu, em 1585, mas também um pouco sobre as histórias das famílias que ocupam o local há gerações.
Durante o passeio, há pausas estratégicas para que os visitantes possam experimentar cocadas, água saborizada, dindim e, dependendo do horário, também um almoço com opções de feijoada e marisco. Algumas das guloseimas precisam ser pagas na hora, enquanto outras estão incluídas no valor do passeio. O coletivo repassa os pagamentos para cada comerciante e fica com o excedente para manter as despesas da sede.
“Repare esses pés de coco. Fui eu que plantei. Olha a altura que eles estão”. É apontando para os frutos do seu trabalho que a agricultora Maria de Lourdes Silva mede a passagem do tempo. Atualmente com 68 anos, ela chegou no Porto do Capim, em João Pessoa, aos 15, e desde então dedica-se à agricultura e pesca. “Foram 12 anos só na pesca. Pescava de noite e trabalhava de dia na agricultura, e assim eu comprei o terreno e fiz essa casa, aí fiquei indo pro sítio e vindo pra cá”.
O sítio citado por Dona Lourdes, na verdade, é uma pequena ilha no Rio Sanhauá, onde desenvolve seu trabalho com agricultura. Ela conta que começou plantando cana-de-açúcar e abastecia todos os vendedores de caldo de cana da região. “Aí a maré salgou a terra, a cana estava dando salgada, eu mudei para coqueiro”, disse.
A rotina diária de Dona Lourdes envolvia remar até a ilha, onde costumava passar mais tempo do que na própria casa, e trabalhar lavoura, mas um problema de saúde a forçou a desacelerar. “No começo do ano, adoeci do joelho, aí não trabalhei quase nada, está tudo lá e ainda nem fui colher”, contou.
Como uma fonte de renda alternativa, ela produz cocadas, com os cocos que ela mesma planta e colhe. Os doces são vendidos principalmente para turistas que participam do projeto Vivenciando o Porto do Capim, e lhe garantem uma renda extra entre R$ 200 e R$ 300 mensais.
“É um outro olhar, principalmente para mim. Como estudante de arquitetura a gente tem muita aula de campo aqui, pelo Centro Histórico e pelas ruas do Porto do Capim. Só que o nosso esquema normalmente era passar pela rua e olhar os prédios. A gente não tinha essa perspectiva das pessoas, de saber quem mora aqui”, comentou a estudante Lara Siqueira. Os estudantes universitários, aliás, são uma parte significativa do público dos passeios, de acordo com Rayssa Holanda.
“Está sendo muito rico, principalmente pra quebrar esse estigma da comunidade que ela [Rayssa] tinha falado antes, de que não pode entrar, que é perigoso. Está sendo muito legal conhecer um pouco mais”, completou Lara.
Já a professora do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Viviane Costa, acompanhou um grupo de indígenas da comunidade Sagi Trabanda no passeio. À reportagem, ela explicou que a comunidade potiguar tem uma situação parecida, ficando marginalizada em uma área turística. “Por isso que é ‘trabanda’, é a outra banda do Sagi”, afirmou. Com a vivência, ela espera que a comunidade, na qual desenvolve um trabalho no IFRN, se inspire com algumas práticas para enriquecer o turismo da região.
Em 2023, o projeto Vivenciando o Porto do Capim ficou no Top 10 da Expo Favela Innovation Paraíba e atrai para o Porto cerca de 1,2 mil turistas ao ano.
Serviço
As visitas ao Porto do Capim ocorrem por demanda e podem ser agendadas pelo WhatsApp (83) 98884-7660. O preço dos pacotes varia de acordo com os serviços oferecidos, sendo a partir de R$ 35 para os passeios mais simples. Vivências que incluem almoço ou passeio de canoa custam mais.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de maio de 2024.