Notícias

Carla Cabral

“Da forma como estava, existia um verdadeiro loteamento da praia”

publicado: 24/07/2023 09h32, última modificação: 24/07/2023 09h32
Promotora não descarta a possibilidade de que disciplinamento similar seja aplicado à orla do Bessa, Penha e Seixas
Iara Nárdia Germano_F. EVANDRO (4).JPG

Foto: Evandro Pereira

por Taty Valéria*

No último dia 14 de julho, o Ministério Público da Paraíba e o município de João Pessoa celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para disciplinar passeios e atividades comerciais, esportivas e artístico-culturais na faixa da orla marítima de João Pessoa, especificamente nos trechos das praias do Cabo Branco e de Tambaú.

O TAC foi proposto pela 43ª promotora de Justiça de João Pessoa, Cláudia Cabral Cavalcante, que atua em defesa do meio ambiente e do patrimônio social. Em entrevista ao Jornal A União, a promotora explicou os principais termos do TAC e reforçou que não há espaço para uma reversão dos termos do acordo, tendo em vista a proteção do meio ambiente.

A entrevista

No dia 18 de julho, a Associação de Microempresários da Orla Marítima de João Pessoa (Ameomar) se reuniu para elaborar uma contraproposta ao TAC. Uma das críticas diz respeito à atividade turística na região e uma provável onda de desemprego causada pela queda na atividade de bares e restaurantes. Qual o posicionamento do MP em relação a isso? Há espaço para alguma readequação do TAC?

A partir de uma denúncia de um morador da região, se instaurou um inquérito civil e a Promotoria iniciou a apuração dos principais problemas da área. Foram feitas audiências com representantes do poder público municipal para definição de todos os pontos que mereceriam atenção do poder público e que foram consignados nesse termo de compromisso. O TAC foi previamente ajustado, discutido, assinado e publicado. A partir de sua publicação, já começam a contar os prazos estabelecidos no documento. Algumas dessas medidas, o município terá que implementar de imediato, outras em até 60 dias e o projeto final, em até 180 dias. O TAC está sacramentado e não há espaço para mudanças relativas ao que foi assinado, porque ele foi ajustado a partir de estudos técnicos, em toda a verificação da situação, e previamente acordado com base na legislação municipal, estadual, código de conduta e normas técnicas.

Existe a possibilidade desse ordenamento ocorrer em outras praias urbanas, a exemplo da orla do Bessa, Seixas, Penha?

Cada orla da capital possui sua particularidade: localização, em relação ao meio ambiente, zoneamento de área residencial, de área turística e área mista, então, sim, existe sim essa possibilidade, mas tudo precisa ser previamente estudado e analisado.

Existem prazos e condições a serem cumpridos pela Prefeitura Municipal de João Pessoa. Qual a medida do MP, caso a prefeitura não cumpra com o acordo em sua totalidade?

No Termo de Ajustamento de Conduta existem as cláusulas relativas ao não cumprimento do TAC. Dentre elas, a imposição de multa, a execução do título em juízo. Cada situação tem seu prazo específico. A multa é a mesma para o descumprimento de qualquer cláusula.

De acordo com o TAC, o descumprimento das obrigações de fazer e não-fazer assumidas no termo pelo município implicará a imposição de multa de R$ 10 mil por cada violação, somada à multa diária de R$ 1 mil até a efetiva regularização, limitada ao montante de R$ 100 mil. O Ministério Público da Paraíba irá fiscalizar o cumprimento do TAC e adotar as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis, sempre que necessário.

De acordo com o que ficou estabelecido no TAC quais são as regras para o horário de funcionamento dos quiosques da orla de Tambaú e Cabo Branco.

Alteração do horário de funcionamento dos quiosques (5h até 00h). Os comerciantes terão um prazo de 19h ininterruptas de funcionamento. Hoje, os contratos de trabalho possuem 6h diretas ou 8h, com horário de descanso de 2h. Então, esses comerciantes têm à disposição 19h para ajustar seus trabalhadores em turnos, e os que possuem carteira assinada precisam cumprir as regras estabelecidas na CLT. Não existe porquê se falar em desemprego. O encerramento deverá ser até às 23h para expediente com música.

No Largo de Tambaú uma das características é a presença de artistas que se apresentam naquele espaço. Com a assinatura do TAC e todo esse disciplinamento como ficam as regras para esse tipo de atividade?

Artistas de rua podem continuar se apresentando normalmente, e o município vai regulamentar a questão do Largo, porque aquela área será preservada. Mas, o artista de rua tem o direito dele de se apresentar na rua, desde que cumpras as condições que são impostas para aquela atividade.

No anúncio do TAC, o prefeito Cícero Lucena citou que a produção de lixo em excesso na orla gerava problemas para moradores e pedestres. Com o TAC como serão geridos os resíduos sólidos que serão produzidos na orla?

Catadores de recicláveis serão incluídos nesse gerenciamento de resíduos sólidos e no seu recolhimento. Haverá uma política institucional para inseri-los nisso, nesse trabalho de combate à poluição dos resíduos sólidos e líquidos que sobram dessa atividades da orla.

Devido à situação econômica no país, após a pandemia de Covid-19 a cidade tem presenciado um aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade e rua na orla. Como essa questão será gerida pelo TAC?

A situação de pessoas em situação de vulnerabilidade na orla é uma questão muito sensível. No TAC, estabelecemos uma cláusula a respeito de uma comissão que deve ser criada no município. Será uma comissão intersetorial envolvendo diversos setores da Prefeitura de João Pessoa para que seja estabelecida uma ação de recolhimento e acolhimento desses moradores com dignidade e respeito, incluindo, a localização de familiares e a disponibilidade de toda uma estrutura para que eles não voltem a viver em situação de rua. Não queremos apenas afastar essas pessoas da orla. Nós temos uma preocupação real com sua dignidade e daí ter a necessidade de envolver outros setores da prefeitura voltados para o desenvolvimento humano e social do município. O prazo para que essa ação tenha início é de 60 dias

Um dos termos trazidos pelo TAC que, inclusive, foi elogiado pelos proprietários de quiosques foi o da Regularização do Título de Permissão de Uso. Como ele vai funcionar?

Regularização do Título de Permissão de Uso para os quiosques, barracas e ilhas do local é uma questão bem pertinente. Ali nós estamos tratando de ambiente e área pública, área de proteção da União, do Estado e do Município, com gerenciamento do município. Por ser uma área pública, através da lei, o município concede um título de permissão de uso, onde a prefeitura gerencia a atividade. Eles terão esse título porque saem da situação de irregularidade (hoje eles não tem nada). Esse título de permissão possui condicionantes, entre elas, o combate à poluição sonora e regras de reordenamento. A cada ano, e de acordo com a conveniência e o interesse público, poderá ser renovada por até cinco anos. Isso permite financiamentos bancários, parcerias público privadas, e é um instrumento legal.

A orla atrai muitos praticantes de atividades físicas. O TAC traz algumas regras para a manutenção desses espaços. Foi identificado algum tipo de dano ambiental na área?

O que ocorre é que as quadras foram construídas, de forma ilegal e sem licenciamento, inclusive, com alçapões com concreto para guardar material e equipamento na areia da praia, e esse dano ambiental é enorme. O município está realizando um levantamento para disciplinar a regulamentação e o uso das quadras esportivas na orla. Muitas daquelas quadras foram delimitadas e demarcadas, inclusive, com destruição de matas de restinga. Então, o município irá designar os locais que essas quadras ficarão, mas sem esse dano ambiental. As quadras estão à disposição de todos. Quem tiver seu professor ou treinador pode sim fazer uso das quadras, mas sendo responsável por levar e trazer equipamentos individuais.

Como ficará a atividade dos vendedores ambulantes após a assinatura do TAC?

A prefeitura já possui esse cadastro prévio e lida com esses ambulantes, então essa regra vai servir para que eles fiquem dentro do reordenamento. A fiscalização pela Vigilância Sanitária para comerciantes da areia da praia serve, especialmente, para os que comercializam comidas na praia. Esses trabalhadores vão precisar se cadastrar e irão usar um crachá para que o turista identifique que ele está dentro do regulamento. Isso dá segurança de higiene, mas também dá segurança ambiental.

Outro tipo de comércio que se estabeleceu na orla é o de aluguel de itens esportivos e brinquedos. Como ficará essa atividade?

O TAC prevê a proibição de aluguel de patins, bicicletas e triciclos dentro da orla. Os comerciantes vão poder alugar patins, bicicletas e triciclos, mas, eles não vão poder fazer da praia um ponto de comercialização particular. Aquele é um ambiente público e precisa estar livre de qualquer obstáculo para o usuário fazer uso do espaço.

Uma das principais reclamações da população é da falta de espaços na areia da praia devido a quase totalidade da orla de Cabo Branco e Tambaú tomadas por guarda-sois. Como ficará essa questão após o TAC?

Da forma como está hoje, existe um verdadeiro loteamento da praia com aluguel de mesas, cadeiras e sombrinhas imensas. Algumas empresas se instalaram ali sem autorização e quando o dia amanhece, eles já loteiam a área, independente de já ter clientes. Então, o turista ou o morador local chega, tenta colocar sua cadeira e, um determinado local e não pode porque já está sendo utilizado e se colocar na frente é reclamado. A área é pública! A faixa de areia é um bem da União. A prefeitura vai reordenar qual será a empresa responsável por esse aluguel, através de edital. A empresa terá um ponto na areia, onde não será permitido desmatamento, e poderá disponibilizar três conjuntos de guarda-sol, mesa e cadeira para que o usuário veja que ali ele pode alugar e, conforme a demanda, fazer a instalação. Da mesma forma, os quiosques também poderão disponibilizar esse serviço, mas repito, de acordo com a demanda.

O reordenamento impacta todas as atividades na orla, inclusive, o Réveillon. Como ficará o uso da areia da praia e funcionamento dos quiosques durante a festa?

O réveillon está previsto no TAC como exceção de horário e de uso de tenda. A prefeitura irá estabelecer onde serão ordenadas as barracas de prestação de serviço para que funcionem durante aquela festividade e para que o usuário tenha acesso a uma festa organizada. Bares e restaurantes terão que se dirigir ao município e verificar a disponibilidade do licenciamento para aquela atividade. Os quiosques também poderão realizar festas no réveillon, mas respeitando o uso apenas do seu espaço.

*Entrevista publicada originalmente na edição impressa de 23 de julho de 2023.