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Jornalista e escritora lança “O Brasil Ainda tem Cura”, edição revisada e atualizada do seu primeiro livro, de 2015

ENTREVISTA - Rachel Sheherazade: “Manifestações contra a democracia devem acabar por inanição”

publicado: 11/12/2022 00h00, última modificação: 12/12/2022 11h27
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- Foto: Foto: Gabriel Barbosa

tags: Rachel Sheherazade , ENTREVISTA

por Lucilene Meireles*

Conhecida por criticar os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) no passado, a jornalista Rachel Sheherazade declarou abertamente, em suas redes sociais, na campanha eleitoral de 2022, apoio ao então candidato Lula. Em entrevista ao Jornal A União, ela fala sobre seu livro “O Brasil ainda tem cura”, no qual apresenta uma reflexão sobre o futuro do país. A ex-apresentadora fala de suas expectativas para 2023, quando o Brasil terá um novo presidente.

Em relação ao atual, Jair Bolsonaro, ela afirma que ele flerta com o autoritarismo e que “foi o político que melhor encarnou a demonização das esquerdas”. Em sua opinião, o comportamento de Bolsonaro é “incivilizado e misógino” e, conforme acrescentou, ele não se portou com o decoro que o cargo exige.

Rachel Sheherazade também observou a realidade do jornalismo brasileiro, com a falta de independência editorial, principalmente quando o cenário envolve os poderes político e econômico. Sobre o assédio moral que sofreu no SBT, emissora do apresentador Sílvio Santos, ela frisou que o processo está em curso, mas aproveitou a oportunidade para falar às mulheres o que fazer ao passar por essa situação. A ex-apresentadora disse ainda que a expectativa para o próximo governo é de mudanças, principalmente no campo social, mas constatou que isso não depende só do Governo. O respeito às diferenças e o abraço às semelhanças podem contribuir para que o Brasil seja um país melhor para todos.

A entrevista


No seu livro “O Brasil ainda tem cura” você traz uma visão reformulada sobre o futuro do país. Qual a sua intenção ao lançar a publicação?
Meu livro é um chamamento à reflexão e à ação. Com ele, me propus a lançar luzes sobre problemas sociais e políticos que acompanham o Brasil, alguns deles, desde o início da colonização. Além disso, baseada em estudos históricos, sociológicos, políticos e jurídicos, apresentei soluções realizáveis, que estão ao alcance do leitor e são da responsabilidade de cada brasileiro, individualmente. 
 
Que cenário político você acha que podemos esperar em 2023?
Pelos exemplos de manifestações de cunho antidemocrático que vêm acontecendo nas estradas e em frente aos quartéis, acredito que teremos um ano ainda de enfrentamento e não aceitação do resultado das urnas. Mas, esse movimento deve arrefecer e fenecer por inanição de possibilidades e razão. Além disso, o novo governante tem problemas muito mais graves a solucionar. É preciso, por exemplo, reaquecer a economia estagnada que Paulo Guedes nos legou, e retomar o fomento de novos empregos formais, sem falar no socorro social que o Estado deve prestar aos cidadãos que mais padeceram e que mais perderam durante o governo Bolsonaro. 
 
Enquanto foi apresentadora de um telejornal, você sempre fez críticas ao PT. Porém, neste ano, durante a campanha eleitoral, você declarou apoio ao então candidato Lula. O que te fez mudar de opinião?
Minhas críticas nunca foram exclusivas ao PT, mas atingiam políticos e partidos diversos. Acontece que o PT era governo, e, portanto, o centro das decisões políticas. Natural que o partido no governo receba a maior parte das críticas, pois é dele a caneta, nele estão todos os holofotes. Quanto à minha oposição a Jair Bolsonaro, essa data de muito tempo, meses antes do pleito de 2018. Naquela ocasião, mesmo antes do primeiro turno, fui a primeira jornalista a aderir publicamente ao movimento Ele Não. Desde então, venho enfrentando forte perseguição do atual governo, inclusive tendo sido incluída nas chamadas “listas negras”. Chegou ao ponto de um empresário patrocinador do governo pedir minha cabeça na empresa em que trabalhava. Neste ano, fora do jornalismo televisivo, resolvi declarar meu voto a Lula, não porque o candidato representa o petismo, mas pelas pautas sociais que ele defende e que, neste momento, acredito, sejam prioridade absoluta. Ora, corríamos o risco de uma reeleição do atual presidente Bolsonaro. Diante daquela que eu considerei uma grave ameaça à democracia - a reeleição - o caminho natural foi votar e declarar meu voto ao candidato do PT. 

Pelo social
“Está na hora de estender a mão protetora do Estado aos desvalidos. E espero que tenhamos um movimento de reconciliação entre os brasileiros, respeitando as diferenças”

Assim como você, outros ex-críticos do presidente eleito Lula anunciaram o voto no petista, entre eles, o jurista Miguel Reale Júnior e o ex-ministro Joaquim Barbosa que foi, inclusive, relator de uma ação penal movida pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra os petistas. Ainda assim, vimos que o resultado foi apertado. O que você apontaria como fator preponderante para que os eleitores ainda acreditem no governo do atual presidente?
O movimento antipetista foi muito forte e ainda é. Bolsonaro foi o político que melhor encarnou a demonização das esquerdas. E, pelo visto, esse apelo ainda funciona para muita gente. 
 
Você fez algumas críticas ao governo Bolsonaro e, num de seus posts, afirmou que as eleições 2022 são uma continuidade da democracia. Sua frase, pouco antes das eleições foi “Domingo, você pode votar mais uma vez ou pela última vez. A escolha é sua. Entre a democracia e o autoritarismo, eu escolhi a democracia!”. Você acha que houve algum resquício de democracia no governo do atual presidente Jair Bolsonaro?
Foi um governo que durante todo seu tempo flertou abertamente com o autoritarismo. E mesmo derrotado nas urnas, o atual governante ainda não reconhece a vitória do seu oponente numa clara demonstração de descontentamento com as regras democráticas. Com a democracia não se brinca. Melhor não pagar pra ver.  
 
O tratamento que algumas repórteres receberam do presidente Jair Bolsonaro foi um dos motivos de suas críticas contra ele. Que avaliação você faz desse tipo de comportamento de um líder que deveria ser exemplo?
Respeito é a base de qualquer relacionamento. Não importa se você é um presidente da República ou um repórter ou uma camareira… Desde os primeiros dias de mandato, o  presidente não se portou com decoro que o cargo exige e destratou jornalistas, principalmente as mulheres. Seu comportamento incivilizado e misógino estimulou seus seguidores a igualmente agredirem a imprensa e o que vimos foram episódios lamentáveis e nunca antes vistos na relação da sociedade com os jornalistas.

Pelas críticas que fez à então presidente Dilma Rousseff , que esteve na Presidência entre 2011 e 2016, você e sua família receberam ameaças de militantes e foi preciso acionar escolta policial após receber ameaças diretas. Como se sentiu vivendo esse tipo de situação? 
Assustada. Todos os extremos são perigosos - seja à esquerda, seja à direita. 
 
Em uma entrevista, você afirmou que gosta de fazer o jornalismo transformador. Como vê a forma como é feito o jornalismo atualmente nas emissoras brasileiras? 
Lamento que ainda tenhamos pouca independência editorial quando entram em jogo o poder político e o poder econômico. Em muitos casos, a última palavra não é a informação.  
 
Saindo um pouco da política, você atuou como apresentadora de telejornal no SBT, teve problemas na emissora e foi demitida por e-mail. O proprietário do SBT, Sílvio Santos, foi condenado a lhe pagar R$ 500 mil em indenização por assédio moral durante o Troféu Imprensa, quando ele teria dito que você não havia sido contratada para “dar opinião”. Como você se sentiu e como você se portou diante disso? 
O processo ainda está em andamento. 

Sofrer assédio moral no trabalho é uma realidade na vida das mulheres atualmente? Que orientação daria àquelas que sofrem esse tipo de violência? 
Primeiro que recolham provas do assédio: materiais e testemunhais. Em seguida, se a empresa for séria e comprometida com boas práticas, é preciso comunicar aos Recursos Humanos para que tomem as providências. Se nada for feito, o recurso final é a Justiça. 
 
Você faz comentários políticos em seu canal no YouTube “rachelsheherazadeopiniao”, que tem mais de 80 mil inscritos. O que te levou a criar esse espaço virtual? E como é a receptividade e participação do público?
Não tenho alimentado o canal, que criei em 2019, mas espero reativá-lo em breve, já que meus seguidores me relatam sentir falta das minhas opiniões. Pode ser um projeto para 2023. 
 
Que mudanças você acredita que o Brasil terá a partir de janeiro quando o presidente eleito Lula assumir a Presidência do país?
As mudanças que espero são principalmente no campo social. Está na hora de estender a mão protetora do Estado sobre os desvalidos. É preciso cuidar da fome, dos desempregados por conta da má gestão da pandemia, dos órfãos da Covid, é preciso fazer justiça pelas vítimas da pandemia, levando, aos tribunais, os responsáveis pela omissão de socorro, o atraso na compra das vacinas... Em seguida - e isso não depende só do governo -, espero que tenhamos um movimento de reconciliação entre os brasileiros que acabaram se dividindo com a polarização política. É preciso voltar a respeitar as diferenças e abraçar as semelhanças. 

*Entrevista publicada originalmente na edição impressa de 11 de dezembro de 2022.