por Joel Cavalcanti*
Depois de ter sido exibido na Mostra de Cinema de São Paulo e antes de sua estreia em circuito nacional, o público paraibano terá a chance de acompanhar A viagem de Pedro, quinto longa de ficção da diretora Laís Bodanzky. A sessão ocorrerá na sala 9 do Cinépolis, no Manaíra Shopping, em João Pessoa, logo após as solenidades oficiais de abertura, que tem início às 19h30. Quatro anos após lançar Como Nossos Pais, a diretora de Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade e As melhores coisas do mundo apresenta o filme que conta sobre a travessia do ex-imperador do Brasil, fugindo humilhado do país, nove anos após proclamar a independência.
Passado em 1831, o Dom Pedro de Bodanzky (vivido por Cauã Reymond, também produtor da obra) é um homem em fragilidade física, emocional e sexual que passa meses em uma fragata rumo à Europa, onde pretende travar uma guerra com seu irmão que usurpou seu reino em Portugal. Ao lado de almirantes, ajudantes de cozinha e ex-escravos libertos, A viagem de Pedro é um longa de desenvolvimento de um personagem que busca um lugar e uma pátria, buscando a si mesmo.
A produção é a mais ambiciosa da carreira de Bodanzky, que está em João Pessoa com a atriz Rita Wainer. Confira a seguir uma entrevista com a cineasta paulistana.
A entrevista
Você se considera uma cineasta do filme médio. A viagem de Pedro é o seu filme de maior produção, o roteiro se centra em 80% de suas cenas ambientadas dentro de uma embarcação, contando com delírios de Pedro, flashbacks e pensamentos em alemão. Esse é, ainda assim, um filme médio tanto quanto os seus anteriores?
O cinema que eu faço, por mais que sejam filmes diferentes, tem um público mais focado. Ele não é o blockbuster, com uma característica de leque de espectadores. A viagem de Pedro tem esse perfil, apesar de ser um filme diferente dos meus filmes anteriores, ele se encaixa em um filme médio. Apesar de ele ser um filme histórico, a abordagem como foi feito o roteiro com o que você elencou na pergunta, torna ele inesperado, digamos assim. O que eu tenho escutado é que as pessoas vão com uma expectativa e recebem outro filme. Ele é, de fato, um filme de autor, no sentido que tem uma proposta minha, um olhar para a personagem por uma versão minha. Não é um filme onde se encontram todos os fatos históricos para quem está estudando sobre esse momento ou vai prestar um vestibular e precisa saber... esse filme não traz essa informação. Ele não é um filme aberto nesse sentido. Ele é um filme mais fechado, caracterizando um filme médio. Mas ele é também um filme que se comunica. Apesar de ter uma narrativa diferenciada, introspectiva – a gente entra na cabeça da personagem –, mesmo assim existe um fio condutor que o espectador consegue acompanhar. Não é um filme, digamos assim, “cabeça”, que uma pessoa que não entende do assunto não vai ser capaz de entender. Esse é um filme para qualquer pessoa. É um filme para todos os gêneros, para todas as classes sociais. Para todas as idades eu não diria, mas para quase todas elas (risos).
Você costuma realizar muitas pesquisas para as suas produções e criação dos roteiros. O quanto você teve que mudar de seu processo para criar esse filme sobre uma história sobre a qual não se tem muitas informações. A questão da fragilidade psíquica e sexual de D. Pedro está em um contexto completamente ficcional ou está descrito na historiografia?
Esse filme teve uma pesquisa diferente dos anteriores, em que eu tive que focar muito nos registros porque o meu público especialista são os próprios historiadores, com quem eu também conversei. Mas isso não era o suficiente. Eu não conheço tanto as outras pessoas, os outros pontos de vista, principalmente das pessoas pretas. De quem eram esses serviçais? Quem eram os escravizados? Esse era um universo que o D. Pedro frequentava e gostava de estar lá, muitas vezes até preferia. Então, tinha que retratar essas personagens com intimidade. Achar esses registros não foi simples, mas achei. Sobre a questão do desequilíbrio emocional e sexual, isso está documentado por ele mesmo, aliás de próprio punho em cartas que ele escrevia para Domitila. Ele mesmo assumia as questões que ele estava passando, mas os livros de história relatam o quanto ele vivia uma crise emocional gigantesca, principalmente após a morte da Leopoldina. Ele estava fragilizado com o próprio corpo. Inseguro com o seu corpo e sua mente.
Os seus filmes não são assim tão fáceis de se determinar o gênero com muita precisão, e eu lembro imediatamente de Chega de Saudade quando me vem esta pergunta: A viagem de Pedro segue essa mesma proposta, ou o fato de ser um filme histórico referenda melhor o seu gênero?
Eu não sei te responder essa classificação do filme. É o momento que a gente se encontra, quando os jornalistas vão assistir, o primeiro público vai assistir e vamos observar espontaneamente como vão se referir a esse filme. É um filme de época, sem dúvida nenhuma. Eu gosto de falar que o diretor de fotografia, quando a gente estava filmando, com o rigor que a gente queria trazer a sensação de estar lá naquele barco de verdade naquela época, em 1831, era como se a gente estivesse fazendo um documentário de época. Como as pessoas vão se referir, eu não sei. Ele é um filme histórico também, mas não só.
O que você acha desse momento de apresentar um longa-metragem em mostras e festivais? É algo que você realiza com prazer ou é mais uma obrigação com a produção?
Essa fase de levar o filme em mostras e em festivais, antes de entrar em circuito comercial, é algo importante e estratégico, justamente para dar um aperitivo, mostrar um pouco do que se trata, para que se crie o interesse e o debate. É justamente por isso que gosto muito porque é o meu primeiro contato com o público de verdade. Por mais que no processo eu faça sessões para ver como as pessoas estão entendendo, nunca é uma sessão numa sala de cinema realmente, com um público grande e com distanciamento do processo de criação. Essa etapa para mim é muito curiosa e muito importante para eu poder entender se o filme chegou aonde eu imaginava que ele poderia chegar. Muitas vezes a gente se surpreende e descobre novas facetas que o filme traz e que durante o processo a gente não tinha tanta consciência, e outras se confirmam. É um momento que, claro, a gente fica à flor da pele. É tudo uma grande novidade e, sim, eu gosto bastante.
Você virá a João Pessoa com a Rita Wainer, artista plástica que nunca havia atuado como atriz. É um hábito seu apostar em atores e atrizes estreantes ou com uma carreira cinematográfica pouco reconhecida, como Rodrigo Santoro (Bicho de Sete Cabeças) e Fiuk (As melhores coisas do mundo). É nesse contexto que acontece o convite a Rita, e por que você segue por esse caminho?
A maneira que eu enxerguei a Domitila, uma mulher muito forte para aquela época, eu a traduzi para os tempos de hoje na postura da Rita Wainer, não na vida pessoal, mas a figura que ela empresta da pessoa jurídica dela, que aparece nas redes sociais dela e nos seus trabalhos. Ela tem uma postura e uma atitude que era a minha leitura da Domitila. Então, eu resolvi me aproximar dela e entender o quanto ela aceitaria esse desafio. Quando ela veio, foi como eu imaginava. Contribuindo para a construção dessa personagem, tanto na escrita das cenas, no próprio figurino, no olhar que a gente queria dar a essa personagem. Foi um grande encontro. A Rita se tornou uma grande amiga minha e ela é uma artista plena, pulsante. Muitas coisas que estão lá no filme foi ela quem trouxe. Eu gosto dessa troca. O meu objetivo não é revelar atores. Não tenho essa pretensão. Meu objetivo é achar a melhor forma de trazer para a tela aquela personagem. E, pra mim, Domitila é Rita Wainer.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 09 de dezembro de 2021