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Lídia Moura: “Os direitos das mulheres vão estar no currículo escolar”

publicado: 07/03/2023 12h06, última modificação: 07/03/2023 12h06
Titular da pasta destacou que meta também é expandir a Patrulha Maria da Penha para todos os municípios paraibanos
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- Foto: Roberto Guedes

por Lucilene Meireles*

No mês em que se lembra o Dia Internacional da Mulher, ainda há muito a ser feito para, de fato, comemorar. Embora existam progressos em prol delas, as mulheres ainda sofrem violência, e o pior, dentro de casa, lugar que deveria ser o mais seguro. Em entrevista ao Jornal A União, a secretária de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Lídia Moura, comenta sobre o que tem sido feito por elas e elenca algumas conquistas, a exemplo da criminalização da violência contra a mulher, o direito à educação e os serviços voltados às mulheres trans. Lídia Moura destaca a busca por soluções para o problema e ressalta os programas de governo previstos para a segunda gestão. Lembra que serão mantidos os que vêm dando certo, como o Programa Integrado Patrulha Maria da Penha. A secretária cita a rede de acolhimento e proteção no estado e aborda a questão do preconceito racial. A gestora comenta sobre suas perspectivas em relação às políticas voltadas para as mulheres e população LGBTQIAPN+. Quanto ao futuro político, disse que ainda é cedo, mas não descarta a possibilidade de concorrer a algum cargo político.

A entrevista

Março é o mês em que é lembrado o Dia Internacional da Mulher. Como a senhora avalia esta data?
O 8 de Março é uma data muito importante e emblemática porque surge a partir de uma jornada de manifestações pela igualdade e direitos civis que incluíam mobilizações contra os altos preços dos alimentos, o desemprego, por mais condições de vida e o direito ao voto. É uma data que significa uma luta por garantia de direitos, que incluem também os direitos das mulheres, o enfrentamento às violências e a todo o modelo de sociedade em que as mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classe.

Mesmo com uma conjuntura de violência e luta por direitos, o que as mulheres têm para comemorar?
Apesar disso, estamos vivendo muitas conquistas. Toda a legislação e a estrutura de serviços para o enfrentamento à violência decorrem das lutas das mulheres. A carta das Mulheres aos Constituintes, de 1987, é um dos mais belos documentos da história brasileira. Decorrem dessa intervenção conquistas como a plena igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal; estabilidade para a mulher gestante, licença paternidade, plena igualdade para os filhos, não importando o vínculo existente entre os pais.

Que outros progressos foram conquistados por meio dessas lutas?
O ensino da história da África e da cultura afro-brasileira obrigatório desde a educação básica; educação como direito de todos e dever do Estado; criminalização de quaisquer atos que envolvam agressões físicas, psicológicas, sexuais à mulher, fora e dentro do lar; foi eliminada a expressão mulher honesta e foi proposta a criação de Sistema Único de Saúde, com serviços públicos de saúde e assistência médica integrada, submetendo-se os serviços privados às diretrizes e ao controle do Estado. Temos muito que comemorar e avançar.

Atualmente, quais as pautas que considera mais urgentes para as mulheres?
O mundo, e de modo destacado o Brasil, ainda precisa atuar contra a guerra permanente instalada contra as mulheres. Um bom começo é trabalhar para a consolidação de direitos e passar a considerar as violências contra as mulheres como questão de saúde e segurança pública e também crimes de lesa humanidade, já que são cometidos de forma generalizada e de modo sistemático em razão da condição do ser mulher – gênero feminino. Evidente, deve andar junto a isso o enfrentamento ao racismo, à LGBTFobia e também ações permanentes que garantam às mulheres o acesso à riqueza do mundo. A violência, a exclusão, a redução da participação das mulheres nos espaços de poder, a violência política de gênero, tudo isso são fatores que ampliam as desigualdades.

Como encontrar soluções para essas questões?
É necessário promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e econômicas. Há que se adotar garantias para o efetivo fortalecimento das economias, com as mulheres nesse planejamento, compondo esses espaços, por meio do impulsionamento dos negócios, da melhoria da qualidade de vida de mulheres e crianças, atuando assim para um desenvolvimento sustentável, que considere a diversidade humana. É vergonhoso, mas até salários, as mulheres recebem, em média, 30% menos que os homens, muitas vezes nas mesmas funções.

Quais os novos programas previstos para esta segunda gestão?
Nós vamos continuar essa política que vem dando certo, com programas premiados como o Programa Integrado Patrulha Maria da Penha. O governador determinou que ele deve ser estendido a todas as cidades da Paraíba. Estamos completando 100 municípios e vamos trabalhar para fazer a cobertura em todo o estado. Há um estudo para ampliar e interiorizar essa política com casas de acolhida em outras cidades; ampliar o acesso das mulheres a emprego e renda por meio de cursos profissionalizantes que já acontecem, mas podemos aperfeiçoar; temos a discussão de ampliar o Empreender Mulher, que teve um aumento de 400% na primeira gestão. Temos a intenção que essa linha de crédito chegue às mulheres indígenas agora em março, chegou às quilombolas e tem que ser ampliado. Que possa, cada vez mais, atender as mulheres em situação de violência e de vulnerabilidade

O Programa Integrado Patrulha Maria da Penha tem sido bem sucedido?
O governador João Azevêdo tem um olhar atento e comprometido, tanto que temos o Programa Integrado Patrulha Maria da Penha já em 60 municípios e sendo ampliado para mais 40 cidades da região do Brejo. Não há feminicídios registrados dentre as mulheres acompanhadas pelo programa, o que significa que é muito eficaz. O maior desafio é garantir a denúncia por parte das mulheres e da sociedade como um todo. Em geral, as mulheres que buscam ajuda, evitam o feminicídio, que é o ápice dessa violência.

Quais as ações específicas realizadas e previstas sobre o preconceito racial?
Nós mantemos nossa visão para garantir as ações interseccionais que contemplem a questão de gênero, raça e classe. Para isso temos uma Gerência Executiva de Equidade Racial (GEER), que atua diretamente na orientação, apoio, acompanhamento e execução de políticas públicas para população negra, comunidades tradicionais - quilombolas, indígenas, ciganas e de religião de matriz africana e afro indígena - atuando de forma intersetorial, interseccional e transversal por meio de diversas secretarias e órgãos de governo. Na questão das mulheres, trabalhamos com ações de enfrentamento ao racismo e de fortalecimento à autonomia econômica, além de capacitações profissionalizantes.
n Assim como as mulheres pretas, as que integram a sigla LGBTQIAPN+ amargam o preconceito, a discriminação e a violência. Quais os planos para ampliar a proteção a essas mulheres e a melhorar o acesso delas às políticas sociais e emprego?
Estamos atuando na articulação do funcionamento da política pública LGBTQIAPN+, de acordo com as diretrizes do plano de governo estadual, sempre voltada para promoção do bem-estar, cidadania, dignidade e melhorias da população beneficiada. A implantação da Casa de Acolhida Cristalina Soares de Farias (Cris Nagô) para pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Mulheres Trans, Homens Trans, Queer, Intersexo, Assexuais, Pansexuais, Não-binários e mais (LGBTQIAPN+) na Paraíba, com capacidade de acolher até 25 pessoas simultaneamente por um período de até 120 dias. É mais um mecanismo de proteção, sendo o primeiro do Brasil implantado com recursos próprios do governo. Os casos atendidos são encaminhados pelos Centros Estaduais de Referência dos Direitos de LGBTQIAPN+ de João Pessoa e Campina Grande, que funcionam com atendimento psicossocial.

Que outras ações serão implementadas?
Há um outro desafio nesse novo momento que é garantir que o processo de educação seja ampliado para que noções dos direitos das mulheres estejam no currículo da rede estadual de ensino, modificando todo esse processo de violência naturalizado. Na medida em que cheguem informações para os estudantes, gestores, professores, tende a melhorar essa situação criando o letramento sobre os direitos das mulheres. Há uma série de outros programas e projetos sendo desenvolvidos pela equipe da secretaria, e o que nós temos de mais importante é o gestor maior, o governador do estado da Paraíba, comprometido com a vida das mulheres, um incentivador, uma pessoa que nos instiga todos os dias a termos a visão de que a vida das mulheres importa e que nós devemos envolver todo o governo no processo.

Qual a estrutura disponibilizada pelo Governo do Estado para mulheres que sofrem algum tipo de preconceito ou violência? E quais as orientações para essas vítimas?
As Casas-Abrigos, Centros de Referência da Mulher, Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres, Brigadas, Rondas e Patrulhas Maria da Penha e um conjunto de leis necessárias, a exemplo da Lei Maria da Penha, aquelas contra a dignidade sexual – importunação sexual, assédio, estupro e outros, tipificados no Código Penal – tudo ajudou para melhoria da vida das mulheres e o enfrentamento às violências. No entanto, a violência contra as mulheres é de uma complexidade tal que também o seu enfrentamento exige complexa engenharia de ações articuladas. Nenhum ente dará conta sozinho, apenas o caminho de redes fortalecidas será capaz de responder. Nem a mulher sozinha, nem o Estado, nem a sociedade civil. Temos que andar juntas. O melhor caminho e a minha orientação é denunciar e buscar os serviços de proteção.

Sobre seu futuro político, a senhora pretende concorrer a algum cargo nas próximas eleições?
O processo eleitoral está muito longe. Acabamos de passar por um e, no momento, não tenho essa perspectiva. Estou numa tarefa que muito me honra. Sou muito grata ao governador pela oportunidade de desenvolver uma política para as mulheres, para a população LGBT, como também na luta de combate ao racismo e a intolerância religiosa. No momento, estou focada nesta tarefa que precisamos complementar com uma série de ações e políticas que estamos fazendo de modo a consegui o objetivo. Temos um desafio muito bonito para este ano que é criar o Memorial da Diáspora e dos Povos Originários. Evidente que, como dirigente partidária, nós temos que fazer o partido avançar, ter uma intervenção político-partidária e vamos construir chapas para a disputa municipal, mas não necessariamente que seja eu. Até o momento, não temos essa discussão, mas eu não tenho essa ambição pessoal. (...) Mas, se em algum momento essa tarefa me for confiada, não há problema.

Em 2022, segundo dados do Núcleo de Análise Criminal de Estatística (Nace), da Secretaria de Segurança, foram assassinadas, na Paraíba, 85 mulheres. Destes casos, 24 estariam sob investigação como feminicídio. Por mês, a média foi de sete mulheres mortas. Como avalia esses números?
Estudos mostram que a violência é tão perversa que gera, na mulher, o medo de sofrer nova violência ou violência ainda maior. Mesmo com toda a legislação e proteção, serviços e políticas públicas, as mulheres são agredidas e mortas, em geral, por motivação banal. Ciúme, fim de relacionamento, até uma comida preparada de modo diverso do que o machista quer pode ser um fator para a agressão. Também o lar, que é o lugar mais seguro para todas as pessoas, para as mulheres submetidas às violências é o menos seguro. A dependência financeira, a naturalização da violência e da dominação aos olhos da sociedade, sistemas familiares que cobram resiliência e submissão, a falta de acesso à riqueza, a renda são fatores que dificultam. É doloroso também aceitar que uma relação que foi de amor tenha se transformado em tortura, horror e morte.

*Entrevista publicada originalmente na edição impressa de 5 de março de 2023.