Elemento importante da cultura afro-brasileira, ontem (20), bem como há 10 anos de história do Arrastão do Maracastelo, o maracatu foi destaque nas celebrações do Dia da Consciência Negra em João Pessoa. Na efeméride que enaltece a memória de Zumbi dos Palmares e dá visibilidade à luta antirracista, o 10º Arrastão da Consciência Negra Maracastelo marca, com a manifestação cultural, a culminância das oficinas de maracatu, que integram o projeto de pontos de cultura na Política Nacional Aldir Blanc (Pnab). A concentração e a saída aconteceram no Centro de Convivência da Pessoa Idosa, no Castelo Branco.
Com instrumentos de percussão e corte real, o evento reuniu aproximadamente 110 pessoas nas ruas do bairro Castelo Branco. Fundadora do grupo, a mestra Angela Gaeta conta que o evento foi um dos primeiros criados pelo Maracastelo. “Tem como proposta enaltecer, celebrar a contribuição do povo negro para a sociedade brasileira, para a cultura como um todo. É um evento no qual também recebemos integrantes da nação que nos ‘amadrinha’, que é a Nação Estrela Brilhante, do Recife, fundada em 1906”.
Neste ano, a ialorixá e matriarca do maracatu Dona Santa foi homenageada. “Uma rainha de maracatu, uma liderança espiritual e religiosa muito forte, ela articulou-se politicamente e trouxe muitos olhares da sociedade, para um movimento que estava restrito às populações periféricas”, explica Angela. Segundo a mestra, Dona Santa é uma inspiração não só para as rainhas, mas para os maracatuzeiros de maneira geral.
O maracatu sempre foi símbolo de resistência negra. Angela destaca o caráter de ancestralidade da manifestação cultural. “Olhando para essa história, conseguimos ter uma percepção mais aprofundada. Então a gente gosta de fazer essa celebração, honrando aqueles que lutaram muito para que o maracatu permanecesse vivo, sendo transmitido para as novas gerações”, avalia.
A relação com a música e a experiência em família enriquecem a celebração da data. O professor Leandro França aproximou-se do grupo por causa do filho Pedro, que toca bateria desde os cinco anos de idade e acabou sendo convidado para aprender a tocar a caixa e se unir ao Maracastelo. “Como eu acompanhava ele nas oficinas, às vezes, eu ficava auxiliando, tocando algum instrumento, acabei me integrando. Fui acolhido também dessa forma, e aí, eu e meu filho, acho que nós estamos fazendo um ano de Maracastelo agora”, conta.
Tendo participado também da oficina, Leandro relata que aprendizado, além da parte musical, partilha, e colaboração marcaram a vivência junto ao grupo. “O Maracastelo é interessante porque a diretoria visa trazer também a questão da abordagem histórica. E, ainda mais por eu ser negro, ter esse cuidado e poder fazer parte de um grupo que é diverso e abraça todo mundo de uma forma bem acolhedora, acho que é uma coisa muito importante e salutar”, opina.
Leandro conta que compartilhar essa experiência com o seu filho é um ponto alto da celebração. “Ele abraçou, e ele ama isso aqui. É um sentimento de alegria poder valorizar nossa cultura numa data como esta, que deve ser lembrada, estar junto a um movimento popular. Não é somente tocar caixa ou qualquer outro instrumento; tem a relação do fabricar as peças, do pintar e preparar tudo aquilo que vai ser apresentado, estar ali com as mãos e o pensamento no coletivo”, expressa.
“Auto dos Orixás” tem palco no Centro de JP
Ainda na toada dos eventos celebratórios do Dia Nacional da Consciência Negra, o Ponto de Cem Réis foi palco de uma encenação do “Auto dos Orixás”, em sua 15a edição. Realizado pelo Ponto de Cultura Ateliê Multicultural Elioenai Gomes, o maior espetáculo cenográfico de afirmação da ancestralidade negra em João Pessoa celebra a cultura e a espiritualidade dos orixás, buscando fomentar a resistência ao racismo e a valorização de elementos da cultura popular.
Com o tema “A Retomada: celebrando a nossa humanidade/unidade”, a edição de 2025 refletiu sobre a interconexão dos elementos que compõem a Terra e a humanidade. “Nós somos parte, partículas de cada elemento; não se concebe vida sem eles. Nessa edição, os orixás representaram os quatro elementos e alguns braços dessa rede se apresentaram mostrando como a teia forma a unidade”, destacou o artista multivisual e idealizador do espetáculo, Nai Gomes.
Mais de 120 pessoas estiveram envolvidas na realização: além das equipes de direção e produção, o espetáculo contou com elenco atuante em sete núcleos artísticos, nas áreas de dança, teatro, música e percussão.
Diretora do espetáculo, a atriz e coreógrafa Fernanda Ferreira destaca que o propósito deste ano foi o de dar continuidade ao trabalho já iniciado. “Queremos tornar o espetáculo cada vez mais acessível e compreensível para um público leigo, que não pertence às religiões de matriz africana”. Fernanda Ferreira ressalta também que o projeto assume o compromisso social de fortalecer a população negra, indígena e periférica da cidade, reconhecendo seu valor e importância.
Marco na agenda cultural da capital paraibana, o evento contou com programação com Feira Preta, Roda de Capoeira e apresentações musicais de Afro Sesi Egbê e do Grupo Raízes. A edição de 2025 do “Auto dos Orixás” foi dedicada à Mãe Rita Preta, uma das maiores referências religiosas e culturais da Paraíba.
Líder espiritual e ativista, Mãe Rita foi uma das fundadoras da Federação dos Cultos Africanistas da Paraíba (Fecap), contribuindo ativamente para a organização e a defesa das religiões de matriz africana no estado e enfrentando a intolerância religiosa com firmeza e serenidade. Sua casa sempre foi um território seguro para quem buscava apoio e dignidade.
Reconhecida por preservar práticas antigas, a Guardiã do “quarto da Jurema” recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), uma conquista histórica, por ser a primeira sacerdotisa negra das religiões afro-brasileiras a receber tal honraria na instituição.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de novembro de 2025.