Na primeira semana de agosto, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) considerou legal o chamado “habite-se” do Oceânica Cabo Branco, empreendimento da construtora Oceânica — alvo de ação do Ministério Público da Paraíba (MPPB) —, no bairro Cabo Branco, em João Pessoa. Segundo um dos desembargadores que avaliaram o caso, os 84 cm construídos além do permitido pela chamada “Lei do Gabarito” não geraria nenhum dano ambiental. E, de fato, essa não seria a questão. O problema é que a decisão, a primeira colegiada em benefício de construções consideradas irregulares, pelo MPPB, por altura acima do permitido pode abrir precedentes para casos similares. E aí sim corremos o risco de sofrer as consequências.
É o que aponta o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Paraíba (CAU-PB), o arquiteto e urbanista Ricardo Vidal. “Em casos como os que têm gerado debate recente, nos quais o limite de altura é ultrapassado por poucos centímetros, dificilmente há impacto ambiental adicional relevante. A questão passa a ser, sobretudo, jurídica, pelo risco de se criar precedentes que fragilizem a aplicação da lei”, explica Vidal. Segundo ele, se o descumprimento tornar-se mais expressivo ou forem liberadas construções significativamente mais altas, podem ocorrer impactos urbanísticos e ambientais, como alterações no microclima, perda de ventilação e mudanças na paisagem.
João Pessoa é destaque, desde os anos 1990, entre as capitais pela chamada Lei do Gabarito, dispositivo dentro do Plano Diretor da cidade que estabelece alturas escalonadas para prédios em até 500 m de distância a partir do preamar, entre alturas que variam de 12,9 m a 35 m.
Cabedelo também tem sua Lei do Gabarito, que prevê o mesmo limite, com variações de 12,9 m a 30 m. As leis dialogam com a Constituição Estadual, de 1989, que, no artigo 229, determina de interesse ecológico toda a faixa de 150 m de praias do território paraibano desde o preamar.
Se, no momento de sua aprovação, essas leis geraram polêmicas, hoje, elas tornaram-se um ativo para a capital e Região Metropolitana, chamando a atenção pelo cuidado com a orla. No entanto, mais casos irregulares têm sido denunciados e investigados.
No início deste mês, veio a público o caso do empreendimento Vivere Home Design, da construtora Dimensional, no bairro de Camboinha, em Cabedelo. A empresa é alvo de ação civil pública, pelo MPPB, em razão da construção acima do permitido: 1,52 m no bloco A; 2,95 m no bloco B; e 3,41 m no bloco C. A ação, proposta pelo promotor Francisco Formiga, pede o embargo total da obra, a suspensão de qualquer licença pela prefeitura da cidade e a demolição das áreas excedentes. Na cidade de Cabedelo, além desse caso, pelo menos, mais três outros de desrespeito à Lei do Gabarito foram alvo de investigação ou ação pública movida pelo MPPB no mês junho.
Em João Pessoa, os casos mais comuns acontecem na orla do Cabo Branco e de Manaíra. Desde o ano passado, segundo informações do MPPB, pelo menos, quatro prédios na capital são ou foram alvos de inquérito ou ação na Justiça por terem sido construídos acima do gabarito, como foi o caso da Oceânica. “O desrespeito à lei de restrição do gabarito dos edifícios na faixa de 500 m da costa paraibana é muito grave. Os casos estão se repetindo, abrindo precedentes e criando jurisprudência. É um perigo, não somente para a cidade de João Pessoa e, sim, para todos os municípios da orla paraibana”, salienta o engenheiro civil Antonio Almeida, convidado, à época, para a elaboração do Plano Diretor da capital.
“O que é grave é a Justiça contrariar o arrazoado de um descumprimento da lei e dar ganho de causa ao infrator. Se o órgão licenciador concede licença fraudulenta, fica claro que é caso para inquérito, punição do ou dos responsáveis, até com a demissão e prisão. Porém, no geral, trata-se de uma tática usada comumente pelo infrator: a do fato consumado. Qualquer lei sem poder de polícia em sua fiscalização se torna inócua”, acrescenta o engenheiro civil.
Sindicato sugere tolerância zero aos excessos
Segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa (Sinduscon-JP), de fato, ao longo dos anos da vigência da legislação, foi aplicada certa tolerância em relação à altura dos prédios na orla, por parte das empresas e dos próprios órgãos de controle. “Não é que não se está cumprindo a lei, ou que as pessoas estão querendo flexibilizar. Mas, se você pegar na orla, eu duvido que tenha um prédio com 12,9 m. Um vai ter 12,4 m; outro, 12,5 m; outro, talvez, 13,3 m. Porque é uma coisa manual, a referência é a calçada. Se você pegar um canto, ele vai dar um pouco maior, um pouco menor”, exemplifica o presidente do sindicato, Ozaes Mangueira. “A gente quer uma forma de isso não mais acontecer, para que haja uma tolerância zero, mas há a necessidade de uma transição. Não é justo penalizar empresas se, antes delas, passaram várias”.
A saída também estaria no aprimoramento da fiscalização. “Seria bom que pudéssemos, antes de realizar as duas últimas concretagens, ter uma fiscalização. Quer dizer, o sindicato das empresas está pedindo para serem fiscalizadas todas as obras, para ver, realmente, como elas estão, se vão ultrapassar ou se vão atingir esses 12,9 m. Então, dessa forma, conseguiríamos fazer uma coisa que tenha tolerância zero”, argumenta Ozaes.
Resposta das construtoras
Em resposta ao nosso contato, a construtora Oceânica, do empreendimento Oceânica Cabo Branco, informou não comentará decisões judiciais. A reportagem tentou contactar a construtora Dimensional, do prédio Vivere Home Design, por telefone e WhatsApp, mas não conseguiu retorno até o fechamento desta edição.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de agosto de 2025.
Errata: A imagem atribuída ao empreendimento Oceânica Cabo Branco, publicada na edição do último domingo (17), nesta página, corresponde erroneamente a um prédio do Setai Grupo GP, que não é mencionado na reportagem. Pelo equívoco, pedimos desculpas.