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nas escolas estaduais

Governo investe em robótica e alunos ganham prêmios

publicado: 29/09/2025 08h32, última modificação: 29/09/2025 08h32
De 2019 a 2025, foram aplicados R$ 40 milhões em kits e laboratórios
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A equipe da Ecit Monsenhor Pedro Anísio, em João Pessoa, já ganhou várias competições | Foto: Roberto Guedes

por Lilian Viana*

Há quem diga que o futuro já chegou, mas, na Paraíba, ele se constrói peça por peça, fio por fio, dentro das salas de aula. Onde antes só havia carteiras, quadros e giz, hoje brilham kits de robótica, computadores e laboratórios capazes de transformar a imaginação dos estudantes em movimento, luz e inovação.

A robótica, que um dia parecia distante, restrita a universidades ou centros de pesquisa, tornou-se uma oportunidade de mudança de vida e de intercâmbio internacional para jovens da rede pública.

A chegada dessa transformação não foi por acaso. Desde 2019, o Governo do Estado da Paraíba tem ampliado seus investimentos em ciência, tecnologia e inovação, enxergando na robótica um instrumento estratégico para democratizar oportunidades. De 2019 a 2025, foram aplicados mais de R$ 700 milhões em projetos ligados à área, sendo R$ 40 milhões apenas para a entrega de kits e laboratórios de robótica às escolas públicas. “Em 2024, foram entregues 240 laboratórios a unidades de ensino em tempo integral, e já contabilizamos mais de oito mil itens distribuídos para 527 escolas, entre computadores e kits”, detalhou Fagner Ribeiro, coordenador de Robótica da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia e representante estadual da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR).

Segundo Fagner, a Paraíba vem se consolidando como um verdadeiro celeiro de talentos. “O diferencial do estado está na combinação entre investimento, formações sistemáticas para professores e um ecossistema de competições que garante continuidade. Essa engrenagem gera resultados: nossos alunos participam da Olimpíada Brasileira de Robótica, da Competição Paraibana e até da RoboCup, que reúne estudantes do mundo inteiro”, destaca.

Esses investimentos já se refletem em conquistas expressivas. Em abril deste ano, por exemplo, uma equipe da Escola Cidadã Integral Técnica (Ecit) Monsenhor Pedro Anísio, no Bairro dos Ipês, em João Pessoa, representou o Brasil na RoboCupJunior Super-Regional Américas, nos Estados Unidos, sendo a única escola pública brasileira a participar do evento e, recentemente, foi premiada, novamente, na Olimpíada Brasileira de Robótica, etapa estadual, na modalidade Simulação da OBR.

A escola também garantiu três premiações, no início deste mês, na International Tournament of Robots, realizado no Chile: o primeiro e o segundo lugar na modalidade Dança Avançada; o segundo lugar em Viagem ao Centro da Terra, uma prova de alta complexidade, que envolve a navegação de robôs por labirintos; e a primeira colocação na competição de Cabo de Guerra, além de assegurar o segundo lugar em Resgate de Alto Risco, uma das categorias mais desafiadoras da competição.

Projeto de vida

Na Escola Cidadã Integral Técnica (Ecit) Monsenhor Pedro Anísio, em João Pessoa, a rotina escolar ganhou novos contornos desde a chegada dos kits de robótica. Hoje, entre cabos, sensores e motores, alunos e professores transformam o aprendizado em desafios concretos e descobertas que, muitas vezes, ultrapassam os muros da escola.

O professor Crismarkes Ferreira, com formação em Tecnologia da Informação e em Tecnologias Educacionais, lembra que tudo começou em 2023, com apenas três alunos. “Hoje, já são cerca de 30! O diferencial da nossa escola é o tempo de dedicação deles. A robótica aqui não é só uma aula na semana, é um projeto de vida. Os meninos treinam à tarde, à noite, nos fins de semana. É uma entrega que transforma”, complementa. Para ele, a grande virada é perceber que a programação deixa de ser algo distante. “Hoje, temos alunos que dominam três ou quatro linguagens e já chegam prontos ao Ensino Superior”, complementa com um sorriso de “canto a canto”.

O colega de equipe, professor Heronides Anísio — com formação em Tecnologia da Informação, Matemática Computacional e Ciência de Dados — reforça que o crescimento é mútuo. “Eu ensino a técnica de construção, mas eles sempre trazem novidades, inovações. Não sou só eu ajudando, é um processo de aprendizado conjunto. Crescemos juntos todos os dias”, disse.

Já a diretora Miriam Bisognini emociona-se ao lembrar como os estudantes já transformaram a realidade da escola. “Nós não tínhamos cabeamento de internet, e foram os próprios alunos que fizeram. Cabo por cabo, eles montaram tudo. A robótica exige disciplina, persistência e dedicação. Muitos passam mais tempo na escola do que em casa, mas isso tem refletido também em melhorias nas demais disciplinas”, conta.

Para ela, o projeto vai além da técnica: “Os alunos que viajam para competições precisam estar com boas notas em todas as matérias. Fazemos questão dessa integração com a BNCC, porque a robótica ensina, mas também depende do português, da matemática, da interpretação. É um esforço coletivo”.

O reflexo desse esforço é visto nos corredores da escola. João Pedro, 16 anos, já coleciona viagens e títulos. “Já fui duas vezes para São Paulo e duas para o Chile. Também participei da RoboCup nos Estados Unidos. É pressão, mas também união. A gente aprende muito, faz amigos e percebe que pode chegar longe. Quero seguir no curso de Desenvolvimento de Software, na UEPB, para continuar esse caminho”, planeja.

A colega Rany Luane, 17 anos, também comemora as oportunidades. “Entrei em 2024 e nunca imaginei sair do país. Hoje, já fui ao Chile e aos Estados Unidos só por causa da robótica. Às vezes, nem acredito. Pretendo seguir em Exatas, em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. A cada dia, aprendemos algo novo”, comemora.

Projeto Limite do Visível abre as portas para universitários

Se nas escolas de tempo integral a robótica já se consolidou como ferramenta pedagógica e transformadora, no Ensino Superior a Paraíba também colhe frutos de um investimento inédito. Criado em 2023, o Projeto Limite do Visível é hoje uma das principais portas de entrada para que universitários possam desenvolver pesquisas, participar de competições internacionais e se preparar para o mercado de tecnologia com dedicação exclusiva.

O programa concede bolsas de estudo a jovens em cursos ligados à inovação, permitindo que eles não precisem conciliar a vida acadêmica com empregos de meio período. Com isso, ganham tempo e estrutura para se dedicar integralmente a pesquisas, prototipagem e participação em eventos de ciência e robótica. É uma ponte entre a escola, a universidade e o mercado de trabalho. A estratégia, inclusive, já trouxe resultados. Recentemente, equipes apoiadas pelo programa conquistaram três troféus inéditos no International Tournament of Robots, realizado no Chile, além de destaque em hackathons, maratonas de programação.

O estudante Luan Laurentino, de 19 anos, hoje no quarto período de Desenvolvimento de Sistemas na UEPB, é um dos beneficiados. Ele conheceu o projeto ainda na escola, por meio de professores da Ecit José Guedes Cavalcanti, em Cabedelo, onde participou de competições de robótica. “O valor da bolsa me ajuda muito em não precisar trabalhar, assim posso focar totalmente nos estudos e na pesquisa. Sem esse apoio, talvez eu tivesse que parar ou desacelerar a faculdade. O projeto mudou minha vida”, contou.

Luan lembra que uma das experiências mais marcantes foi participar de um hackathon internacional, ao lado de colegas que não conhecia. “Foi desafiador, mas aprendemos a nos comunicar, a trabalhar em equipe, a desenvolver um projeto do zero. Essa convivência é o que mais levo comigo”, disse. O estudante também destaca o aprendizado proporcionado pelas viagens custeadas pelo programa. “Conhecer novas culturas, outras formas de trabalhar com tecnologia, ampliou minha visão de futuro. Hoje, quero seguir na área de automação de máquinas e mecânica industrial. É algo que nasceu na escola com a robótica, mas que o projeto ajudou a amadurecer”, ressalta.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de setembro de 2025.