As mães atípicas da Paraíba terão incentivos para empreender a partir de uma nova política pública. Sancionada em 24 de setembro passado, a Lei Estadual nº 13.928 estabelece três diretrizes para impulsionar a vida econômica dessas mulheres e de suas famílias: capacitação e formação, crédito e apoio técnico.
O público-alvo da política pública é definido como, “toda mãe que possui um filho com deficiência ou com transtornos do desenvolvimento”. É o caso da confeiteira Emmily Thais dos Santos Silva, de 26 anos. Ela e o marido vendem bolos para sustentar financeiramente a família.
“Tenho duas meninas com autismo. Uma com cinco e a outra com três anos”, disse. Ela trabalhava como operadora de caixa em um supermercado, quando a primeira filha recebeu o diagnóstico ainda com um ano de idade. Para cuidar melhor da criança, Emmily demitiu-se.
“Era quase 12 horas de serviço o dia todo. Aí, resolvi empreender por ter uma flexibilidade maior de horário, conseguir cuidar e trabalhar ao mesmo tempo, suprir e acolher”, contou. Há cerca de um ano, o seu marido tomou a mesma decisão. Luan abriu mão do emprego de açougueiro no supermercado onde o casal se conheceu.
No começo dessa jornada agridoce, Emmily fazia doces para o marido vender na hora do almoço, no trabalho. A ideia deu certo. Tanto que, para se preparar melhor, ela fez um curso pela internet.
De acordo com o Portal do Empreendedor, 1.814 mulheres, na Paraíba, são microempreendedoras individuais (MEIs) na atividade Fabricação de Produtos de Padaria e Confeitaria com Predominância de Produção Própria. No total, 92,6 mil mulheres estão registradas como MEIs no estado. Emmily, entretanto, engrossa o bolo de empreendedoras na informalidade.
Sonho de crescimento
A confeiteira quer solucionar duas situações limitadores do seu empreendimento: comprar um refrigerador e um veículo — para se livrar da dependência de aplicativos de transporte. A concessão de crédito facilitado (juros baixo e prazo longo para pagamento), como prevê a Política Estadual de Incentivo ao Empreendedorismo de Mães Atípicas, poderia fermentar esse sonho.
“[O crédito] ajudaria muito, porque a gente ampliaria o negócio. A gente faz tudo manual ainda, não conseguimos ter um equipamento de alto custo para perder menos tempo na produção”, lamentou.
Mesmo sem assessoramento técnico e de gestão, Emmily e o marido lançam estratégias para alcançar novos clientes. Nas tardes de sábado, o “festival de fatias” promovido pelo casal oferece diferentes sabores e cores de bolos numa calçada de Nova Mangabeira. Certos de seu potencial, eles mantêm-se firmes no propósito de dar uma vida digna às filhas.
Famílias chefiadas por mulheres no estado
A nova política pública paraibana será um ingrediente decisivo para o empreendedorismo, visto que o estado é uma das 11 Unidades da Federação em que a maioria das famílias é chefiada por mulheres.
A comerciante Lindervânia dos Santos, de 38 anos, é uma das 709 mil mulheres residentes na Paraíba nessa condição. Os dados são do Censo Demográfico 2022.Vânia, como é conhecida, chegou a ter um ponto comercial perto de casa, mas não conseguiu mantê-lo por dois motivos: falta de tempo para cuidar dos três filhos e de um botijão de gás extra para o comércio. “Eu abria a partir da quarta. Mesmo assim, já era correria para mim. Tinha que dar conta de tudo sozinha: terapia, levar para escola, essas coisas”, contou Lindervânia, mãe solo de Raony, de sete anos, diagnosticado dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), e outras duas crianças.
Hoje, ela vende açaí, pastel, batata frita, mousse, bijuterias e cosméticos em casa mesmo. A venda desses produtos e o benefício social de seu filho compõem a renda familiar habitual. Eventualmente, Lindervânia ainda consegue fazer faxinas e trabalhar como manicure. “É muito difícil. O filho que é especial tem uma seletividade enorme alimentar. Hoje mesmo, eu vendi uns açaís. Já mandei meu filho ali, ele comprou salsicha, leite, massa e assim a gente vai se virando”, desabafou.
Apesar de tudo, Vânia espera uma oportunidade para retomar o seu ponto comercial fixo perto de casa. “Tenho muita vontade de abrir de novo, comprar uma tenda, botar minhas coisinhas, sabe?”, expôs.
A lei que determina a nova política pública define que a primeira diretriz, capacitação e formação, deve ser executada por meio de cursos e oficinas de capacitação em gestão de negócios, finanças, marketing e áreas correlatas. A segunda diretriz, o acesso ao crédito, determina que as condições de financiamento devem ser facilitadas. Conforme a terceira diretriz, o apoio técnico deve ser materializado por meio de mentorias e consultorias, inclusive com o objetivo de construir de planos de negócios para cada mãe.
A política pública é de autoria da deputada estadual Francisca Motta (REP). “A presente proposta de lei visa reconhecer e valorizar o papel das mães atípicas, que, muitas vezes, enfrentam desafios significativos para conciliar a maternidade com suas aspirações profissionais. Ao promover a inclusão e o empreendedorismo, o Estado da Paraíba poderá contribuir para a autonomia dessas mulheres, incentivando o desenvolvimento econômico e a equidade social”, justificou a autora em decreto legislativo, em fevereiro deste ano.
Os efeitos práticos devem vir com a regulamentação, segundo prevê a própria lei. Isso significa que o governo do Estado deve publicar um decreto com detalhes sobre a nova política pública, como os critérios de acesso e a secretária responsável. A equipe de reportagem tentou contato telefônico com a Consultoria de Assuntos Legislativos da Casa Civil para saber qual a previsão de regulamentação, mas as ligações telefônicas não foram atendidas.
Programa
O terceiro setor já produziu experiências exitosas no estímulo ao empreendedorismo de famílias atípicas. Exemplo disso é o programa Empreenda da Aliada Social para Inclusão e Diversidade (ASID) Brasil.
Na iniciativa, a organização social oferece aceleração de negócios às famílias alvo. Depois desse processo, os novos empreendedores passam a fazer parte de uma comunidade de empreendedores que estão em diferentes fases de sua jornada. Dessa forma, a comunidade converte-se em uma ambiente de trocas de experiências e fértil para negócios entre os membros.
Desde 2019, o programa de aceleração de negócios atendeu a 871 pessoas no Brasil. A metodologia do programa foi finalista do 12o Prêmio BB de Tecnologia Social, em 2024.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de Outubro de 2025.