Por aclamação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou, ontem, parecer em que classifica como inconstitucional e ilegal o projeto de lei que equipara ao crime de homicídio o aborto após 22 semanas de gestação, inclusive em casos de estupro e outras hipóteses previstas em lei. O texto acaba por propor a vítimas de violência sexual uma pena superior àquela aplicada aos estupradores.
Os advogados destacam o “total rechaço e repúdio” ao PL e pedem seu arquivamento, se opondo a “qualquer proposta legislativa que limite a norma penal vigente”. O parecer será encaminhado à presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Além disso, no documento, a entidade indica ainda que, caso o PL avance, o tema deve ser levado ao Supremo Tribunal Federal, para reparar “possíveis danos aos direitos de meninas e mulheres”.
“As vítimas de estupros, meninas e mulheres, não precisam de clemência, mas de respeito do Estado! Reservemos o cárcere aos seus violadores!”, frisa o documento.
Segundo a OAB, a criminalização proposta configura “gravíssima violação aos direitos humanos de mulheres e meninas duramente conquistados ao longo da história, atentando flagrantemente contra a valores do estado democrático de direito e violando preceitos da Constituição Federal e de Tratados e Convenções internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado brasileiro”.
O documento foi elaborado por uma comissão formada por cinco conselheiras federais da OAB: Silvia Virginia Silva de Souza (SP), Ana Cláudia Pirajá Bandeira (PR), Aurilene Uchôa de Brito (AP), Katianne Wirna Rodrigues Cruz Aragão (CE) e Helcinkia Albuquerque dos Santos (AC). Em 41 páginas, o grupo traça um histórico da criminalização do aborto no Brasil, faz observações sobre saúde pública e aponta violação a princípios constitucionais.
Proposta legislativa equipara ao crime de homicídio o aborto após 22 semanas de gestação, inclusive em casos de estupro e outras hipóteses previstas em lei
A comissão destacou, por exemplo, que o aborto é uma realidade social, pontuando como projetos de leis de cunhos religiosos “inviabilizam a unidade de pensamento sobre a complexa questão”, mesmo em um Estado laico. Segundo as advogadas, limitar o tempo de gestação para o aborto legal não é uma questão do direito penal.
“O Projeto de Lei, ao sugerir a limitação temporal acima de 22 semanas de gestação para o exercício da norma penal permissiva (aborto sentimental), e ao impor a pena de homicídio àquela menina ou mulher estuprada que, dentre as opções de ser presa pelo crime de aborto, ou gerar um filho do estuprador, optou em realizar o aborto, remonta-nos à Idade Média, e se assemelha ao banimento da mulher vítima de estupro”, indica o parecer.
Segundo as conselheiras, obrigar vítimas a manter uma gravidez decorrente de estupro ou que represente grave risco à vida da gestante (outra hipótese de aborto legal) implica em “tratamento desumano, degradante, equivalente à tortura”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de junho de 2024.