Cerca de sete mil ciganos moram na Paraíba, distribuídos em mais de 20 municípios, de acordo com dados da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh). A cidade de Sousa, no Sertão, concentra a maior comunidade cigana do estado e da América Latina: são aproximadamente 600 famílias, ou duas mil pessoas, que vivem em quatro ranchos. Para promover e proteger os direitos dessas populações, o Governo Estadual coordena duas propostas de execução em médio e longo prazo, que envolvem ações em segurança alimentar, geração de renda e habitação, entre outras áreas.
A primeira iniciativa é o Plano de Igualdade Racial, lançado em novembro de 2021. A proposta abrange todos os ciganos da Paraíba, além de outros grupos historicamente discriminados, como negros, quilombolas, indígenas e povos de religiões de matrizes africanas. Já o segundo projeto trata-se do Plano de Desenvolvimento para Comunidade Cigana de Sousa, lançado em 2022 e desenvolvido em parceria com a prefeitura local, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e o Ministério Público Federal (MPF).
Segundo a secretária de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Lídia Moura, a Semdh é responsável por gerenciar as políticas relacionadas aos dois planos. A pasta identifica as necessidades dessas populações e aciona outros órgãos, como a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (Sedh). Uma das ações realizadas em toda a Paraíba foi a inclusão das comunidades ciganas como beneficiárias do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o que garante a segurança alimentar e a inserção das mulheres no Programa de Dignidade Menstrual — que oferta, gratuitamente, absorventes e coletores menstruais a pessoas de baixa renda.
Já a geração de renda é garantida, por exemplo, por meio do Empreender Mulher. O programa oferta crédito qualificado às empreendedoras das comunidades de Sousa, de Condado e de outros municípios, conforme explica Lídia. “A gente vai ao território, escuta, orienta e organiza essas mulheres e providencia a documentação. Elas recebem um incentivo em dinheiro, por CPF, e têm um ano de carência. Depois de um ano, começam a pagar parcelado em 24 meses. Assim, a gente estimula essas mulheres, que têm pequenas produções locais, como bordado, crochê e até bolos”, esclarece a secretária.
Outra área que demanda a atenção do governo é a Educação. Nesse sentido, Lídia Moura ressalta a promoção anual do Seminário de Educação para os Povos Ciganos no Espaço Escolar, em parceria com a Sedh e a Secretaria de Estado da Educação (SEE). “Nós levamos essa formação para que os povos ciganos se reconheçam, compreendam a sua própria cultura, sejam valorizados, e a gente possa mitigar os preconceitos e as exclusões que comumente acontecem”, declara. Já no âmbito da Cultura, destacam-se o Edital Paraíba Cigana, que destinou, neste ano, R$ 800 mil a 20 projetos culturais individuais e a 35 projetos coletivos; e o Festival Janinhar, organizado em Sousa, durante o mês de maio, pela Semdh, pela Secretaria de Cultura (Secult) e pela prefeitura sousense.
O conjunto das ações governamentais e o canal aberto com os gestores públicos transformaram a realidade das populações atendidas. É o que conta Francisco Vidal Pereira, mais conhecido como Nestor Cigano, líder de uma das comunidades ciganas de Sousa. “A comunidade era totalmente abandonada, e a gente vivia um descaso muito grande, mas, graças a Deus, vieram casas para cá e muitas pessoas têm renda e segurança alimentar. E nós devemos tudo à secretária Lídia Moura, porque ela é quem faz a intermediação com todos. Às vezes, quando a gente liga, ela está viajando ou está ocupada, mas, mesmo assim, nos atende”, relata.
Estado legitima direitos a moradia e território
As casas a que Nestor Cigano se refere são as 65 unidades habitacionais construídas pela Companhia Estadual de Habitação Popular (Cehap), por meio do Programa Parceiros da Habitação (PPH). Dessas residências, 15 foram entregues em julho deste ano. A política está ligada ao Plano de Desenvolvimento para Comunidade Cigana de Sousa e foi desenvolvida após um diagnóstico feito pela Semdh. “Nós identificamos um problema histórico nas comunidades de Sousa, que eram aquelas casas de taipa, sem segurança e sem saúde, onde havia crianças adoecidas e que a Defesa Civil avaliava que podiam cair. Então, elas foram substituídas”, aponta Lídia.
A conquista da moradia remete a outra luta importante para os povos ciganos: o direito ao território. E o MPF é um ator importante na busca pela regularização fundiária das comunidades sousenses. Nesse sentido, foi ajuizada uma ação civil pública, de usucapião coletivo, para que a área seja registrada em nome da comunidade cigana local. O processo é acompanhado pelo procurador da República Anderson Danillo Pereira Lima e tramita na 8a Vara Federal de Sousa, estando na fase de alegações finais.
Segundo o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, a intervenção do órgão junto aos ciganos segue uma reivindicação desse grupo social. “O MPF atua na luta das comunidades tradicionais pelo seu território há algum tempo, e nós tínhamos uma perspectiva de que as comunidades ciganas, por serem nômades, não tinham esse pleito. Mas nos surpreendemos com essas pessoas dizendo: ‘Nós queremos nosso espaço, o problema é que somos expulsos cotidianamente em cada cidade’. A partir desse depoimento, nós entendemos que é necessário atuar para que os povos ciganos tenham um espaço para chamar de seu”, defende.
A garantia de direitos para as populações ciganas também está ligada ao reconhecimento de sua importância para a história do estado — pensamento que guia as ações do Executivo estadual. “Nosso governo não compreende essas comunidades como um problema, mas como um patrimônio da Paraíba. Há registros formais da Coroa Portuguesa mandando ciganos para o estado desde 1677, mas nós acreditamos que eles tenham chegado antes. Isso que significa que esses povos ajudaram na construção da identidade do nosso estado. Portanto, temos trabalhado com esse olhar de que eles são parte de nossa cultura e de nossa história — e as soluções para os seus problemas são apontadas por eles mesmos, em políticas públicas construídas a partir da escuta”, afirma Lídia Moura.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa 10 de novembro de 2024.