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Esperança no Espaço

Projeto inspira egressos do sistema prisional na PB

publicado: 06/10/2025 08h29, última modificação: 06/10/2025 08h29
Reintegração social aposta na astronomia para gerar oportunidades
Esperança no espaço © DIvulgação_Secom PB.jfif

Com o telescópio, é possível observar objetos situados a até 30 milhões de anos-luz da Terra | Foto: Divulgação/Secom-PB

por Maria Beatriz Oliveira*

Estrelas, planetas, constelações e a Lua — tudo ao alcance do olhar, sem grades no caminho. É isso que os detentos da Cadeia Pública de Esperança podem contemplar ao olharem o universo nos telescópios que eles mesmos construíram enquanto estavam cumprindo pena. A iniciativa faz parte do projeto de ressocialização Esperança no Espaço, que busca oferecer aos egressos do sistema prisional não apenas novas habilidades, mas também a possibilidade de ocupar um novo espaço na sociedade.

Foi o projeto Esperança no Espaço, criado por Lindemberg Gonçalves, diretor da Cadeia Pública de Esperança, no interior da Paraíba, que transformou a trajetória de Fábio Costa, morador de Sossêgo. Durante o cumprimento da pena, ele aprendeu a fabricar telescópios e, após deixar a prisão, tornou-se microempreendedor. Hoje, a confecção e a venda dos equipamentos garantem parte da sua renda mensal.

Durante a pandemia, Lindemberg encontrou uma forma de realizar um sonho de infância: observar os astros. Para isso, decidiu fabricar em casa seu próprio telescópio. Ao comentar no trabalho que havia conseguido construir o equipamento do zero, ouviu de um dos detentos a pergunta: “Você pode fazer um para mim quando eu sair da prisão?”. A resposta de Lindemberg foi imediata: não faria sozinho, fariam juntos — e ali mesmo, dentro da cadeia. Assim começava a nascer o projeto.

“O diretor, seu Lindemberg, teve a ideia de criar algo que ajudasse a gente, que estava privado de liberdade. Ele sempre gostou de Astronomia e queria ter um telescópio, mas não tinha condição de comprar. Então, juntou umas peças, começou a montar e chamou a gente para participar, para ocupar a mente dentro daquele ambiente”, contou Fábio, quem fez o pedido ao diretor.

Para Lindemberg, a iniciativa une dever profissional e vocação pessoal.

“Ressocializar é nada mais que cumprir a lei, que determina recuperar as pessoas e devolvê-las à sociedade. Mas, falando como ser humano, é também dar a oportunidade para quem errou encontrar caminhos melhores. É um ato de cidadania. Como policial penal e amante da Astronomia, eu digo que, por meio do Esperança no Espaço, me tornei duplamente realizado”, afirmou.

Na prática, o projeto não apenas conecta a profissão do diretor à sua paixão pela Astronomia, mas também envolve toda a cidade de Esperança. Isso porque a maior parte dos materiais usados na construção dos instrumentos de observação espacial é arrecadada e doada pela própria comunidade.

Os telescópios são construídos a partir de materiais simples, como sobras de madeira da indústria moveleira, tubos de PVC de 150 mm, cabos de vassoura, raios de bicicleta e canos de PVC comuns. Além desses itens reaproveitados, são adquiridos o laser, os espelhos e as lentes oculares.

Com eles, é possível observar objetos situados a até 30 milhões de anos-luz da Terra, além de quase todos os planetas do sistema solar, galáxias, aglomerados globulares, aglomerados abertos e nebulosas.

Programa será expandido para outras unidades

Com o apoio da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) e da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior da Paraíba (Secties), o projeto está em fase de expansão e deve ser levado para outras unidades prisionais do estado.

“Queremos também contemplar outros setores da sociedade, como escolas e universidades. Nosso sonho é que um dia surja um cientista oriundo do Esperança no Espaço, seja ele um estudante ou um reeducando”, destacou Lindemberg Gonçalves, gestor da Cadeia Pública de Esperança.

Além do trabalho manual, cujo resultado é doado a escolas públicas da região, o projeto também abriu espaço para que os detentos aprendessem sobre algo que antes parecia distante: o universo.

“Aprendemos a construir o telescópio, mas também mergulhei no estudo da Astronomia, muito mesmo. O diretor Lindemberg é uma pessoa muito humana, ele me ensinou muita coisa, principalmente como observar da forma correta. Ele sempre trazia professores, por meio da Seap. Na cadeia, tínhamos uma sala de aula, assistíamos a vídeos sobre Astronomia para estarmos sempre atualizados”, relatou Fábio.

Para João Alves, secretária de Administração Penitenciária da Paraíba, o projeto é um exemplo de sucesso. “É uma iniciativa das mais simbólicas na política de reinserção social de pessoas em privação de liberdade. Quem imaginaria pessoas em cumprimento de pena fabricando potentes telescópios? Esse projeto, por sua inovação, conquistou prêmio nacional da rede Globo de televisão. O idealizador, Lindemberg, percorre a Paraíba realizando eventos de observação com os telescópios e, assim, multiplica a possibilidade de mais pessoas terem conhecimento sobre a Astronomia. Muitos estudantes estão despertando interesse em visualizar os astros. A Seap contribui com a democratização do ensino da Astronomia. Nossa gratidão ao governador João Azevêdo que tem proporcionado avanços nas ações direcionadas a quem, mesmo recluso, investe em si, busca estudar, se capacitar, visualizando a liberdade, a conquista de espaço no mercado de trabalho, e em cursos de nível superior, após passagem pelo Enem PPL e Encceja PPL”, declarou Alves.

Empreendendo

Para Fábio, continuar produzindo telescópios após cumprir a pena foi a forma encontrada para garantir renda em um momento em que conquistar um emprego formal não é tarefa fácil.

“Quando a gente sai do sistema prisional, são poucas as pessoas que estendem a mão e oferecem uma oportunidade. O projeto Esperança no Espaço veio justamente para me dar uma vida fora da prisão, dar uma chance para quem realmente quer seguir em frente, quer algo melhor para si mesmo”, afirmou.

Além de concluir sua pena como astrônomo amador, Fábio aproveitou o período na prisão para investir nos estudos e alcançar o Ensino Superior. “Realizei o Enem ainda dentro do sistema prisional, com o apoio da Seap e da equipe da Cadeia de Esperança, que organizaram toda a minha inscrição. Em seguida, cursei uma faculdade na modalidade EAD e me formei em Gestão Pública. Saí de lá com um diploma em mãos, o que fez toda a diferença para mim”, destaca.

Hoje, além da produção dos instrumentos de observação espacial, ele também conquistou um emprego fixo na cidade onde vive. Mesmo assim, segue confeccionando telescópios como forma de complementar a renda e aposta neles como seu futuro profissional.

“Assim que saí, os telescópios foram minha principal fonte de renda. Hoje, junto a produção com meu trabalho. Meus clientes são pessoas apaixonadas por Astronomia que nunca tiveram chance de observar o universo e percebem que é mais viável encomendar um artesanal do que comprar um industrializado, que é caro e inacessível para a maioria. Já vendi para várias cidades da Paraíba e também para o Rio Grande do Norte. Em média, levo de uma a duas semanas para fabricar cada telescópio”, detalhou.

De acordo com ele, a experiência vivida dentro da prisão transformou-se em aprendizado e em uma nova perspectiva de vida.

“É uma área que está crescendo e é gratificante produzir algo que ajuda pessoas, especialmente jovens que talvez nunca tenham condições de ter um telescópio próprio. Eu mesmo só vi um telescópio pela primeira vez dentro da prisão. Mas ali eu não estava enxergando apenas o espaço: estava enxergando um futuro melhor, não só para mim, mas para meus colegas reeducandos”, concluiu.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de Outubro de 2025.