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Uberização

STF julga consequências da terceirização de serviço

publicado: 26/02/2024 09h17, última modificação: 26/02/2024 09h17
Falta de regulamentação exclui milhões de brasileiros da Previdência Social
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Trabalhadores por aplicativo estão completamente descobertos em caso de aposentadoria ou afastamento por doença ou acidente - Foto: Marcos Russo

por Joel Cavalcanti*

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar se a análise do vínculo empregatício entre motoristas e entregadores por aplicativos, em um caso específico envolvendo a empresa Uber, terá repercussão geral, ou seja, se a decisão poderá ser aplicada a todas as ações relativas à “Uberização” na Justiça.

Na esteira da sentença sobre a falta de regulamentação do serviço está a exclusão de milhões de brasileiros ao Sistema de Seguridade Social e o aumento do rombo nas contas da Previdência.

O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.446.336 tem o ministro Edson Fachin como relator e está disponível para votação em plenário virtual por parte dos ministros até o dia 1º de março.

De forma recorrente, o STF tem seguido o entendimento que autoriza formas alternativas de prestação de serviços, com base no julgamento sobre terceirização de trabalhadores, de 2020, entrando em embates frontais com a Justiça do Trabalho, que vem desrespeitando a jurisprudência da mais alta corte do país.

Regulamentação

Enquanto o Governo Federal vem encontrando dificuldades de chegar a um consenso e cumprir a promessa de regulamentar o setor, os trabalhadores por aplicativo ficam completamente descobertos em caso de aposentadoria, desemprego e afastamentos por doença ou acidentes. “Quem não contribui à Previdência não tem direitos previdenciários. Essa é a realidade do brasileiro atualmente”, afirma a advogada especialista em Direito Previdenciário, Maria Eunice Cabral.

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Se essas pessoas não estão em dia com a Previdência, elas não têm direitos previdenciários - Maria Eunice Cabral / Foto: Reprodução/Redes sociais

“Existe a possibilidade do Benefício de Prestação Continuada para a pessoa portadora de deficiência, mas um acidente de carro, por exemplo, não abrange o BPC. Se essas pessoas não estão em dia com a Previdência Social, elas não têm direitos previdenciários”, complementa a advogada.

Uma solução jurídica que não formalize a questão previdenciária de 1,5 milhão de pessoas trabalhando por meio de plataformas digitais, segundo dados do IBGE de 2022, leva ainda ao asfixiamento do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

Aplicativos defendem uma nova legislação

Segundo dados do Ministério da Previdência do final de 2023, o RGPS registrou um déficit de R$ 290,3 bilhões em doze meses. As alternativas procuradas pelos trabalhadores por aplicativo costumam ser o cadastramento como Microempreendedor Individual (MEI). “O MEI vai abordar os benefícios iniciais para essas pessoas porque ele consegue entrar no bolso desse trabalhador. Ele é válido para benefícios por incapacidade em caso de acidentes, para uma mãe que venha a engravidar e receber salário-maternidade, e ainda para seguridade da família em caso de morte do trabalhador”, cita Maria Eunice.

Os aplicativos, por sua vez, não pagam o INSS de entregadores e motoristas, mas já demonstraram que defendem uma nova legislação que contemple o recolhimento para a Previdência. O entrave está no valor da alíquota.

“O que existe hoje é quase como uma prestação de serviço como pessoa física, então quase nunca esse motorista vai virar um microempreendedor individual por conta de sua atividade. Essa é uma possibilidade legal, mas que não é instruída pela empresa”, pondera.

Apesar de ser a opção preferida pelo trabalhador que busca alguma segurança previdenciária, segundo a especialista o MEI não possibilita a aposentadoria por tempo de contribuição, limitando-se a aposentadoria por idade, que é de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, sendo cobrados de ambos 15 anos de contribuição. Mas é a minoria dos trabalhadores de aplicativo que busca formalização através do MEI.

Profissionais autônomos e sem direito trabalhista

Enquanto um empregado contratado via CLT tem deduzido de 7,5% a 14% de seus vencimentos para o INSS, o MEI paga somente 5% do salário mínimo. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) estimou em R$ 600 bilhões o déficit gerado pelo regime do MEI para os próximos 35 anos.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em documento enviado aos ministros do STF alertou que o aumento da “pejotização” no Brasil causaria um desfalque no caixa da Previdência Social.

Considerados como trabalhadores autônomos e sem direitos trabalhistas básicos, os motoristas e entregadores possuem pleitos diversos e não querem abrir mão da flexibilidade que o trabalho proporciona. Eles também pleiteiam por regras mais claras e transparentes sobre a suspensão de suas atividades nas plataformas. E a orientação da advogada Maria Eunice Cabral, porém, é direta e aponta para o que deve ser prioritário para a luta desses trabalhadores. “Formalize a sua Previdência Social. Não tem outra solução. Se você vier a fazer uma única contribuição à Previdência e vier a sofrer um acidente de qualquer natureza, você está dispensado de qualquer carência de pagamento”.

A decisão do STF sobre a repercussão geral da análise do vínculo empregatício entre motoristas e entregadores por aplicativos ainda não representará a solução final para o problema. Todavia, o resultado do julgamento vai apontar para onde as relações de trabalho no país estão caminhando. “O motorista por aplicativo precisa de um cuidado específico da legislação e, por isso, a torcida é para que haja a comprovação de vínculo de trabalho e ter todos os seus direitos resguardados”, concluiu Maria Eunice Cabral.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 25 de fevereiro de 2024.