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Luiz Carlos Vasconcelos fala de arte, de cinema e de censura no Brasil

publicado: 07/10/2019 11h14, última modificação: 07/10/2019 12h56
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tags: teatro paraibano , Luiz Carlos Vasconcelos

por Rammom Monte*

Luiz Carlos Vasconcelos fala sobre a situação das artes no Brasil, o cinema nacional e a resistência à perseguição

 

Ele já foi médico, taxista, Dom e até Lampião. Há mais de 40 anos, dá vida a um palhaço. Já brilhou na televisão, no teatro e nas telonas do cinema. Já se emocionou e, por inúmeras vezes, nos fez emocionar. O ator paraibano Luiz Carlos Vanconcelos é o entrevistado da semana do jornal A União. No papo, ele falou sobre cultura, a atual situação do cinema brasileiro, e principalmente do retrocesso e perseguição cultural proporcionados pelo atual governo federal. Confira:


A entrevista: 


Vamos começar sobre os trabalhos. Recentemente você teve uma participação na novela A Dona do Pedaço, da Rede Globo, e está também no elenco de Marighella. Além disto, o que tem mais vindo por aí?

- Têm alguns filmes que vão entrar ainda. Tem “Filho de boi”, que é um filme que está fazendo festivais aí fora, mas que ainda não estreou no Brasil, do Haroldo Borges; foi rodado acho que em 2016, e passou por uns percalços. Foi reeditado várias vezes, mas estou muito curioso para ver. O trabalho de preparação é de Fátima Toledo e o pessoal da Bahia, que tem vários filmes premiados. Tem um curta de um brasileiro que estuda cinema em Nova Iorque, que a gente filmou no começo deste ano em Manaus, chamado “Entre dois céus”. Um curta bem bonito sobre a imigração venezuelana. Em teatro, tem o “Suassuna – Auto do Reino do Sol”, que está circulando. Em dezembro, a gente faz várias cidades de São Paulo, pelo Sesc, eu acho. Estou dirigindo uma companhia de São Paulo, La Mínima, que é uma companhia de palhaços, que era do Domingos Montagner com Fernando Sampaio. Comecei agora, foi lá que eu estava. Com espetáculo de rua, sketch de palhaços... Trabalho com eles uma semana, eles ficam um mês fazendo o que a gente combina e volto em outubro, e assim vamos até dezembro. Tem o “Jardins do Baobá”, que é o meu projeto mais recente aqui em João Pessoa, que estreou sábado (21), no Dia da Árvore, e que deve seguir com a programação. Toda lua cheia deve ter alguma programação lá no jardim, alguns cursos de filosofia, no território do Centro (Cultural Piollin), que estão acontecendo coisas mais nesta área da contemplação, estudo da estética, beleza.

Estou completando 41 anos como palhaço e tenho todas as turnês que eu fiz, como “Silêncio Total”, na fronteira da Paraíba, 12 ou 13 cidades pequenas. Umbuzeiro, Orobó... todo este material filmado está estocado, precisando ser editado e aí estou concorrendo ao Itaú Cultural para poder, talvez, transformar isto. Editar este material filmado e ao mesmo tempo reunir meus textos com toda minha experiência como palhaço em uma publicação.

 
E espetáculo do Palhaço Xuxu (palhaço criado por Luiz Carlos)? Tem algum programado?

- Tem. Tem a abertura do Verão de Conde, dia 10 de janeiro. Acabei de bater o martelo com eles para fazer a abertura. Fiz no ano passado, não a abertura, eles me chamaram, mas não podia. Foi muito bom, aí me chamaram para abrir este ano. E tem apresentações também que a gente vai fazer no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas ainda estamos fechando isto. Mais para o fim do ano, novembro ou dezembro. Para cá só o Conde. Talvez eu marque alguma coisa lá para o Jardins do Baobá, fazer uma apresentação, atrair a criançada para lá.

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São 41 anos como o Xuxu? Ou teve algum outro nome?

- Com o nome de Xuxu, comecei em 1978, na Caravana Cultural Piollin, pelo interior. Foi aí que a gente batizou o palhaço de Xuxu. Aí eu não pude mexer mais no nome.


Você falou do Jardins do Baobá, que teve a abertura recente. Como está a situação do Piollin? Está bem?

- Está numa fase bem interessante, uma nova equipe. Este ano foi solicitado currículo de pessoas que quisessem trabalhar nas várias áreas que estão lá e se selecionou uma equipe muito bacana. Então, está se fazendo um trabalho bem bonito lá. Há muitas peculiaridades hoje. Com a maioria das escolas em tempo integral, cria-se um certo impedimento da criança que estudava no Ensino Regular em um turno e no outro ia para a Piollin, muitos não estão podendo ir. Então, estão sendo feitas algumas ações nas próprias escolas. Ou seja, está tendo que se adequar a esta nova realidade do Ensino Regular.

Mas está todo mundo muito empolgado com o que está acontecendo lá. Capoeira, circo... e eu como estou metido lá, com a questão do cultivo, da construção da praça. A gente tem um hectare e meio ali, então é subutilizado enquanto horta, planta, ornamental. A Bica está agora com a reforma usando aquele estacionamento, que é área da Piollin; foi cedido para fazer o estacionamento para a nova Bica e tem tudo para ter a barraquinha ali, o excedente ser comercializado com quem frequenta o parque. Estamos nesta ação devagarzinho. Está vivo. Eu tenho um hobby de trazer árvores de onde eu vou para plantar lá na Piollin. Eu cuido oficialmente de uma Sumuaúma, que é a maior árvore amazônica, 60 metros, um mogno que eu trouxe, outras árvores que eu trouxe do Acre, o baobá que eu trouxe da África. E aqui, nesta área, em frente à casa, eu já plantei mais de 60 mudas que eu trago.


Vamos falar um pouco de cinema agora. O cinema nacional que sempre passa por inúmeras fases, recentemente teve um filme muito badalado, falado, com salas cheias, que é o Bacurau. Qual sua leitura do filme e deste fenômeno que se criou em volta dele?

- Eu acho que o que você chama de fenômeno, mais de 500 mil já viram, tem tudo a ver com a síntese do que vivemos. Uma metáfora tão explícita, eu acho que chega muito como um soco no estômago de todos nós. Esta fase de intervenção americana, este conluio com os bancos brasileiros, entreguistas, ou seja, o filme é uma cacetada. Eu gostei muito, foi lindo ver tantos paraibanos. Uma fase linda do cinema nacional e puxando para nossa arte aqui, do cinema nordestino, paraibano. Está aí o filme de Torquato estreando, vou ver se vejo. Então, vivemos talvez uma das nossas melhores fases.

 
Apesar de todo este clamor, digamos assim, não foi ele que foi o indicado ao Oscar, foi “Vida Invisível”. Qual é sua avaliação disto?

- Eu não vi “Vida Invisível”; eu imagino que deva ser lindo também. Acho que eles devem ter os seus critérios; talvez, eles tenham julgado que é um filme mais “oscarizável”, mais sutil, não tão político. Deve ter tido algum critério. Mas não me choca, não me ofende, nem fico incomodado com isto, não. Esta conversa teria mais sentido se eu tivesse visto o filme, mas pode ser que não seja nada disto que eu estou falando, pode ser outra coisa. Imagino que são dois bons filmes, mas como eu não vi o escolhido...

 
Fala-se muito em o Brasil ter um vencedor do Oscar. A gente de fato precisa disto? Deste carimbo?

- Precisa não. Isto é uma coisa do mercado. Um grande mercado, Hollywood é uma vitrine, o Oscar muito mais. Mas eu pessoalmente não acho que precisamos disto para afirmar nosso cinema, nossa arte. É lindo que ganhe, vamos vibrar e vai ser maravilhoso, mais pessoas no cinema, mais dinheiro, mais lucro nesta indústria, mas eu sou muito reservado em relação a isto, a entrar neste jogo, achar que isto é determinante, porque não é. Pode ser muito bom sem precisar deste recibo.

 
O cinema brasileiro tem todo este clamor com Bacurau, mas ao mesmo tempo há perseguições, a polêmica em torno da Ancine. Como você vê este momento político que vai contra o momento de produção?

- Eu não tenho dúvidas de afirmar que estamos sob o fascismo. Tem aí um governo fascista, extrema-direita, onde a ignorância é o que impera. Nossa, é terrível! Mas eu sou alguém extremamente esperançoso, positivo, acho que em alguma medida isto é como se fosse necessário. É aquela velha máxima de que fascistas só podem ser derrubados quando estão no poder. Bolsonaro poderia seguir a vida inteira dele como um deputado medíocre, podia fazer as bobagens, as afirmações ridículas dele, mas para ele cair e para os, em média, 20% que estão com eles lacrados se transformarem também, é preciso que isto aconteça. É preciso estar no poder para que estes 20% da nação possam se transformar, através da dor e do reconhecimento do erro, como a gente vê a cada dia gente se arrependendo do voto que deu. Eu prefiro pensar assim. Não é fácil está sob este jugo, vê uma perseguição às artes, um retrocesso inacreditável. No século XX a gente viu este movimento de Mussolini e Hitler se espalhar pelo mundo, e início do século XXI isto retorna, e nós estamos com isto, é de não acreditar. É de dar, sabe, um telefone no ouvido para vê se acorda. Não, mas isto é real. E com todos estes desdobramentos políticos de vaza jato, estamos dentro da história e vamos ter que passar por ela para entender.

 
Marighella e Marielle são vítimas da repressão, diz ator


Vocês, enquanto classe artística, se sentem ameaçados? Você acha que tem uma ameaça explícita ao cinema brasileiro?

- Esta ameaça se afirma a cada dia. Deixa de ser uma suposição para ser evidente. O menino que está à frente da Secretaria do Teatro da Funarte, o Alvim (Roberto Alvim), as acusações feitas a Fernanda Montenegro... Como que pode estas pessoas, um cara que eu via as peças experimentais, uma das maiores atrizes do país é a mulher dele, a Juliana Galdino, atriz do Antunes Filho, neste imbecianismo? Ou seja, vamos ter que viver isto. Eu acabei de ver “Marighella”. Do elenco, só eu não tinha visto porque eu tive que gravar o prólogo da Dona do Pedaço, abri mão da passagem para Alemanha, hospedagem e não vi o filme. Consegui com a O2 ver sozinho na sala. Este filme é necessário que estreie o mais rápido possível, que os jovens vejam.

Eu fiquei despedaçado. Ainda estou. Quando eu me lembro dele, é uma sensação que é muito difícil de descrever, uma coisa dolorida, é muito difícil explicar o que me causou o filme “Marighella”, do Wagner Moura. Mas é muito importante atenção a estes homens, estes patriotas, que reagiram à ditadura e que foram taxados e cobertos de mentiras pelos militares. A própria morte de Marighella, que estava armado e reagiu. Que conversa! O filme é feito apoiado numa biografia detalhadíssima e comprovadíssima do Mário Magalhães. A menina que veio ligar o equipamento para eu ver o filme e depois o Ronaldo, produtor da 2 que, através dele que eu consegui a tal sessão, entraram na sala para ver alguma impressão minha e eu tive um ataque de choro. É porque eu acho que além do filme ser uma história de amor, pela pátria, pelo Brasil, nos agride enquanto pergunta: e aí, você não reage? Sabe a questão que quando eu penso e quero sair correndo e chorando... Quando vamos reagir? Até quando vamos ficar passivos a tudo isto? O nosso mínimo é ocupar as ruas até que as coisas se resolvam. Mas eu acredito que tudo ao seu tempo. Porque aqueles companheiros que deram a vida daquela forma, tamanho sacrifício, a nos mostrar... tá, é uma opção nossa. Luta armada é uma opção. Eu sou totalmente gandhiniano, digamos assim, sou devoto das duas máximas do Gandhi que dizem: apoia tua atuação na verdade e na não violência. Então, não defenderia nunca uma luta armada. Nenhuma ação que seja pela violência. Mas, foi uma opção daqueles homens naquele momento.

 
Talvez necessária no contexto, não é?

- Naquele momento é o que os restava. Mas o que interessa é a reação. É não ver as liberdades sendo sequestradas e você ficar parado. Por isto que eu acho que é um filme, que não vai ser mais 20 de novembro, mas que seja 30 (risos). Eu disse a eles que estou torcendo, porque é fundamental que o brasileiro assista àquele filme. Eu sinto que houve uma reedição depois de Berlim. As críticas, comentários, todos positivos, mas os estrangeiros diziam que tinha que ter algum dado a contextualizar o golpe de 1964 para os estrangeiros. E na sessão que eu vi já um doc que abre com textos. Eu acho que já é uma resposta ao que foi indicado pela crítica internacional. Falava-se também do excesso de violência e não senti este excesso. Então acho que eles ali já mudaram os miolos que voavam. E isto é muito bom, significa uma escuta a uma opinião de quem não conhece esta história ou conhece bem com detalhes e ajusta o filme para isto. E eu estando como ator do filme, claro, sou atravessado por mil outros sentimentos, mas gosto muito. Nossa, cacetada!.

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E quando a gente vai poder ver este filme?

- Esta pergunta já é minha. Esta resposta eles não têm ainda. Não abriram para mim, pelo menos. Estão trabalhando. Uma coisa é certa! É que eles não querem fazer junto com nenhum outro lançamento. Eles querem fazer muito bem feito. Querem ocupar as salas do Brasil com “Marighella” e confiar que eles consigam da melhor maneira.

 
A gente pode dizer que o Marighella é uma das vítimas mais recentes desta perseguição, não é?

- A mais recente é Marielle, que é na mesma linha. São duas vítimas da repressão.

 
Talvez o resultado do que se espera seja diferente, não é? A expectativa pode ficar ainda maior e haver ainda mais procura.

- Também tem isto. Mas o que eu lembrei de Marielle e Marighella é que os possíveis mandantes estão no poder. Então isto é inacreditável. Os milicos estão no poder, pelo voto. Então é uma outra dimensão das coisas. Muito mais delicado e perigoso.

 
Vamos voltar a amenizar a conversa. Como você enxerga que está nossa cena paraibana atualmente?

- Não sei se eu sei responder isto. Eu moro aqui, mas vivo muito fora. Então, trabalho muito fora períodos longos, não acompanho passo a passo a posição local. Mas o que eu vejo me deixa feliz. Isto não abre mão da necessidade de uma formação continuada, digamos assim. Eu acho que Fenart, os festivais, as mostras, tudo isto é formação. De público, de nossos artistas, então quanto mais isto, quanto mais festivais, é uma necessidade. Digo isto de quem transitou em gestão pública de cultura e como é importante esta formação, que nossos artistas possam ver a sua produção e as melhores produções possam ser vistas fora daqui. Eu defendo isto como fundamental para garantir cada vez mais a nossa boa produção. Claro que quem viaja e vai a mostras de todo tipo está se formando, se instrumentalizando para construir cada vez mais e melhor. Mas o que eu vejo me deixa muito feliz. No teatro, nas artes visuais, na música então, que somos um celeiro. Mesmo a gente, a exemplo do Piollin, muito refratário, uma produção muito bissexta, muito lenta, não me vejo como um diretor que sai produzindo, produzindo. Eu acho que eu produzo quando tenho resposta, quando tenho perguntas a fazer e quero respondê-las. Então, não me avexo muito com isto. E tenho seguido com minha pesquisa, por exemplo, o Piollin tem sido muito solicitado. Everaldo Pontes, Soia Lira, Nanego, não param de filmar. Nanego agora vai fazer novela, nem sei detalhes ainda. Ou seja, tem sido muito difícil a gente atender ano passado um convite para fazer Sarapalha e está tudo em cima para ser feito, mas as agendas não batem. Então, tem que respeitar isto, este momento desta super soliticação de nossos atores, mas por outro lado, vamos montar Suassuna a convite e emplaco minha pesquisa. O que eu estava desenvolvendo com o Piollin com o retábulo não concluímos, o espetáculo não ficou pronto de todo, aplico isto com Suassuna e funciona plenamente. Então eu estou em negociação com Curitiba também para dirigir um espetáculo lá pelo Governo do Estado e o pedido deles é este, que eu siga minha pesquisa. Então eu continuo aplicando e experimentando minhas propostas cênicas, isto eu continuo. Não está parado. Embora, é claro, sou louco que o Piollin consiga ajustar suas agendas para a gente poder voltar a estar junto sempre.

 
Você que roda por todo o país, acha que faltam mais teatros aqui?

- Eu não avalio assim, se precisa mais ou menos. Eu acho que temos teatros suficientes. Eu acho que a questão é a produção. Se há uma questão é produzir mais e melhor. Eu acho que isto é fundamental. Mas a expressão artística vai ser sempre a expressão do ou dos artistas envolvidos naquela produção. E isto conta nossa historia, diz onde estamos, como vemos o mundo, e esta diversidade existe aqui. Eu torço para que a formação, porque são muitos jovens que estão iniciando, que desejam, que sonham, pudessem ser acolhidos na sua formação para garantir este futuro. Isto do ponto de vista da formação. Agora isto me preocupa. Eu acho que quando atuávamos na Piollin, que não tava no mundo ainda, focados ali a fazer encontros, trazer a meninada do interior, como isto foi importante. Sinto falta da continuidade destas ações. Troca de experiências, de juntar a moçada, montar coisas, estudar. Isto nunca é demais e talvez a gente careça de mais ação neste aspecto. Como a Piollin sempre teve. O que temos hoje na Piollin é um atendimento muito direcionado à comunidade, com estas ações populares ali, aquele entorno ali, mas faltaria também aquele tempo de oferecer oficinas longas, voltadas a quem interessar. A gente até está fazendo isto agora entre agora e fevereiro, a gente deve voltar com um grande oficinão, e que resulte numa montagem. A gente tem que dar nossa parte, juntar força para nutrir esta juventude.


Agora mais do que nunca, não?

- Mais do que nunca. Esclarecer, conscientizar, e isto impõe movimento criativo. Eu acho que isto é sempre pouco, carece mais. Funesc, Teatro Santa Roza, Lima Penante, todas as nossas instalações, instituições ligadas ao teatro têm que estar cada vez mais ligadas nisto.

 

*Publicado originalmente na edição impressa de 06 de outubro de 2019.