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Patrimônio Histórico

Abandono das balaustradas de João Pessoa

publicado: 27/07/2023 09h44, última modificação: 27/07/2023 09h44
Estruturas históricas que representam a urbanidade do século 20 encontram-se sem manutenção e sofrem vandalismo
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Na Avenida Trincheiras, a área foi atingida pela ação de pichadores, além do acúmulo de lixo, mato e piso quebrado - Foto: Roberto Guedes
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Áreas com balaustradas tombadas sofrem com pichação, danificação da estrutura física, mato e lixo - Foto: Roberto Guedes
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"Não é tão fácil caminhar por aqui, já que existe o risco de queda. Essa área é bonita, mas está praticamente abandonada" José Francisco Filho - Foto: Roberto Guedes
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por Juliana Cavalcanti*

As rachaduras, acúmulo de lixo, falta de pintura, buracos nas proximidades, pichações, partes quebradas, além de ausência de manutenção e conservação, estão entre os principais problemas das balaustradas localizadas na Rua das Trincheiras, no bairro de Jaguaribe e na Praça Aristides Lobo, no Centro, ambas na cidade de João Pessoa. Essa é a opinião dos moradores e pessoas que trabalham nas proximidades que também relatam uma situação de abandono nestes locais.

A balaustrada da Rua das Trincheiras, especificamente, foi construída no ano de 1918, pelo governo do então presidente do Estado, Francisco Camilo de Holanda. Dados da Prefeitura Municipal de João Pessoa(PMJP), apontam que o monumento é formado por um conjunto arquitetônico de bancos antigos, além de um busto e do próprio mirante, ambientes que no século passado formavam um dos cartões-postais da capital.

Atualmente, a população pede uma revitalização desta área histórica, através de serviços como pintura e recuperação de bancos e meio-fio.

Maria Thereza Andrade mora em Salgado de São Félix e algumas vezes por semana passa pela Rua das Trincheiras para atendimento médico. Ela acredita que mesmo pequenos, ainda existem riscos de acidentes naquela área e, por isso, aponta a necessidade de tornar esse espaço mais seguro para a caminhada. “Quando a gente passa, vê que não é um local totalmente seguro, pois é possível ver partes danificadas, com rachaduras precisando reformar”, afirmou.

José Francisco Filho, por sua vez, mora próximo a balaustrada e tenta passar de muletas por essa via, tarefa que não considera simples. “Não é tão fácil caminhar por aqui, já que existe o risco de queda. Essa área é bonita, mas está praticamente abandonada”, relatou.

Roberto Azevedo trabalha nas Trincheiras e observa que o ideal seria fazer uma recuperação completa da balaustrada e não apenas consertar partes isoladas. “É preciso fazer uma reforma geral porque este é um ponto de referência não apenas de Jaguaribe, mas de toda a cidade”.

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Áreas com balaustradas tombadas sofrem com pichação, danificação da estrutura física, mato e lixo - Foto: Roberto Guedes

Já no Centro de João Pessoa, a Praça Aristides Lobo é delimitada por um conjunto arquitetônico entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa. Sua balaustrada foi construída pelo arquiteto Mario di Lascio, em 1917 e encontra-se na parte mais acidentada, delimitando na parte mais elevada o Grupo Escolar Dr. Thomás Mindello (Cearte) com as ruas Peregrino de Carvalho e a Rua da Areia.

O busto de Aristides Lobo - que dá o nome à praça - está no topo da escadaria. Na parte mais baixa, pode-se acessar o prédio do Comando Geral da Polícia Militar (antigo Tesouro Provincial) e a Avenida Guedes Pereira (antiga Rua do Fogo). Hoje, o entorno se encontra com vários danos ao patrimônio conforme revelam comerciantes da região.

Alguns, lembram, inclusive, que os veículos já chegaram a ocupar a área da balaustrada onde fica o busto para venda de comida. Segundo o comerciante Valmir Batista, os danos da balaustrada fazem parte de um conjunto de problemas enfrentados tanto pela Praça Aristides Lobo como pela Praça Pedro Américo ao lado. Ele destaca que as maiores revitalizações aconteceram nos quiosques, beneficiando os vendedores, mas não incluíram os monumentos históricos. “ É preciso recuperar a Aristides Lobo como um todo para oferecer um espaço adequado à população. Quem conhece esse local sabe que faz parte da história de João Pessoa e se entristece com o abandono”, comentou.

A reportagem do Jornal A União entrou em contato com a Diretoria de Planejamento e Empreendedorismo (Dipe) da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb) de João Pessoa para saber sobre as reclamações da população nas áreas citadas na reportagem, mas até o fechamento desta edição não houve retorno do órgão municipal.

Edificações refletem modernização do século 20

A partir da primeira metade do século 20, a cidade de João Pessoa passa por um intenso processo de modernização. Segundo pesquisas realizadas no Departamento de Geociências da UFPB, a partir de 1912, ocorreu uma mudança de situação política, com novos valores na vida pública. Entre os nomes da época, estão os presidentes João Machado, Castro Pinto, Camilo de Holanda, Solon de Lucena, João Pessoa, além do prefeito Guedes Pereira. 

É a partir da consolidação da República e o apoio das elites, que as reformas urbanísticas acontecem na antiga Parahyba. Entre 1910 e 1924, a capital inicia um processo de modernização através de intervenções como o primeiro abastecimento de água encanada, luz elétrica com 500 lâmpadas de 32 velas cada, bondes elétricos,  pavimentação de ruas, reforma da fachada do Palácio do Governo (que conserva seus traços arquitetônicos até os dias atuais), dentre outras mudanças. 

Durante a administração de Camilo de Holanda (1916-1920), o paraibano Epitácio Pessoa foi eleito presidente da República (1919-1922), o que garantiu ao estado da Parahyba do Norte recursos financeiros destinados, principalmente, às obras contra as secas, aberturas de ruas, avenidas, construção de prédios e logradouros públicos.

Neste contexto, a Praça Aristides Lobo (antigo Largo do Tesouro) foi construída no espaço urbano, conhecido antigamente como Campo do Conselheiro Diogo, onde também se encontra a Praça Pedro Américo, no Centro de João Pessoa. Dividindo o espaço das praças, encontra-se ao centro o atual Comando Geral da Polícia Militar da Paraíba (antigo edifício do Tesouro Provincial) e ao leste (lado oposto ao Comando Geral), fica o Centro Estadual de Artes (Cearte), antigo Grupo Escolar Dr. Thomás Mindello, construído em 1916.

Na sua paisagem, a praça apresentava elementos como áreas de convivência coletiva, comércio, vegetação, monumentos e prédios públicos. Nas primeiras décadas do século 20, engenheiros e arquitetos com inspirações modernistas foram convocados para formar um novo conceito urbanístico na capital, tais como: Pascoal Fiorillo, Olavo Freire, Clodoaldo Gouveia e Di Lascio. 

O arquiteto Mário Glauco di Lascio fez o projeto e a construção das Praças Aristides Lobo e a do Carmo. A construção da balaustrada da Praça Aristides Lobo, em 1917  teve como objetivo ornamentar o Largo do Tesouro (denominação dada ao antigo logradouro), bem como delimitar o espaço público beneficiando os pedestres, uma vez que a área apresentava uma declividade no terreno. 

A Praça Aristides Lobo está inserida no  perímetro  do Centro Histórico de João Pessoa  cuja organização obedece aos limites estabelecidos pelo Plano Diretor Municipal e pelo Instituto do Patrimônio Histórico do Estado da Paraíba (Iphaep) em uma delimitação que corresponde a cidade erguida até o século 19. No entanto, a área da Praça Pedro Américo e seu entorno foram redelimitados pelo Iphaep por meio de um decreto de 2004.

No mesmo contexto das mudanças urbanas ocorridas na cidade no início do século 20, em 1918, a balaustrada das Trincheiras era uma atração da capital paraibana, acompanhando o crescimento econômico do estado. A obra foi erguida para separar a avenida do precipício da sua margem.

Além disso, ao longo das Trincheiras estavam sendo construídas as mansões dos ricos produtores de cana-de- açúcar e algodão, além dos comerciantes e profissionais liberais beneficiários do desenvolvimento agrícola. Essas famílias eram favorecidas pela construção da balaustrada, não só pela proteção oferecida por ela, mas também pelas tardes de pôr do sol observando a natureza da Várzea da Paraíba e da Ilha do Bispo, na primeira metade do século 20. Naquela época ainda não existia a fábrica de cimentos que foi construída na Ilha do Bispo na década de 1930. 

A partir da chegada da fábrica, a vista do mirante da balaustrada foi afetada. Depois, a própria balaustrada passou a ter as suas encostas alteradas pelo cenário de pobreza no entorno da cimenteira. Assim, os donos das mansões e suas famílias foram abandonando as suas residências, buscando espaços mais distantes  na cidade. As  Trincheiras, em toda a sua extensão, foi tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em agosto de 1980.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de julho de 2023.