As diferentes formas de ameaça à vida, à liberdade, à segurança ou à integridade pessoal constituem violações aos direitos humanos — e um canal que reúne as denúncias desses casos, em âmbito nacional, é o Disque 100, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Em 2024, somente na Paraíba, foram feitas 9.256 denúncias ao MDHC, o que representou um crescimento de 30,6% em relação ao observado em 2023, quando o Disque 100 recebeu 7.089 denúncias oriundas do estado. Essa foi a 5ª maior alta do Brasil, e a maior entre os estados nordestinos, além de ser superior à registrada nacionalmente — de 22,6%, referente ao aumento de 536,1 mil denúncias, em 2023, para 657,2 mil denúncias, no ano passado.
As buscas ao Disque 100, no ano passado, permitiram a identificação de 62.367 casos de violação no estado; enquanto, em 2023, foram observadas 45.415 violações. Esses números são maiores que o das denúncias porque uma mesma comunicação pode envolver múltiplas infrações. Do total referente a 2024, os casos mais frequentes na Paraíba foram: negligência (8.395), exposição de risco à saúde física (6.735), tortura psíquica (6.531), maus tratos (5.129) e insubsistência afetiva (4.446), que é quando há o registro de omissão de cuidado, afeto, assistência moral e outros tipos de descasos. Já as vítimas mais atingidas foram mulheres (5.435), pessoas pretas e pardas (4.779) e idosos entre 70 e 84 anos (1.153).
O aumento das denúncias pode estar relacionado a diferentes fatores, como explica Mônica Ervolino, gerente executiva de Direitos Humanos da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (Sedh). “A gente sabe que a violência é uma questão crescente no Brasil, mas também se pode atribuir [a alta das denúncias] a uma ampliação do conhecimento das pessoas sobre esses canais. Ainda é possível relacionar às campanhas que a Sedh realiza, já que a gente tem aumentado a divulgação dos canais de denúncia e ampliado a conscientização da população”, cogita.
Já para a professora de Direito e integrante do Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Gilmara Medeiros, a existência dessas violências explicita um cenário de desigualdades sociais, notadamente de gênero, classe e raça, algo que se reflete nos números do Disque 100. Ela também acredita que a ocorrência desses casos tem se mantido alta graças às mudanças no cenário político recente no Brasil. “Na última década, a gente viu crescer, no espaço público, um discurso que trata essas violências como naturais e que defende seu uso, ignorando as conquistas de direitos humanos ao longo das últimas décadas. Então, quanto mais esse discurso se populariza, capitaneado por grupos de direita e extrema-direita no nosso país, mais a gente vê a violência se tornar natural”.
Dignidade
A ideia de que todas as pessoas têm direitos fundamentais, que devem ser preservados é a base para o conceito de direitos humanos, conforme elaborados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Os dispositivos elencados por esse documento — e por todos os outros que nele se baseiam — visam à garantia da vida, da liberdade, da integridade física e do acesso à saúde, à educação e a outros bens materiais e imateriais.
Idosos
No caso dos idosos, as violações estão ligadas ao etarismo — preconceito relacionado à idade — e aos fatores como o isolamento social e à fragilidade física e mental. O combate às violações contra esse público passa, portanto, por integrá-lo à sociedade, como defende a professora de Direito da Uninassau, Mirella Braga. “[Devemos] Pensar em ações institucionais que ofertem à população idosa programas que promovam a participação social, garantindo-lhes uma vida digna e ativa, como acesso a atividades culturais, educacionais e de lazer”, reitera.
Paraibanos podem recorrer a outros canais para delatar casos
Além do Disque 100, que tem abrangência nacional, os paraibanos podem recorrer a outro canal para denunciar violações de direitos humanos. Trata-se do Disque 155, administrado pela Sedh, que tem uma diferença em relação ao programa do MDHC. “O Disque 100 não tem tanto detalhamento; ele recebe as denúncias, encaminha, mas não tenta saber se elas foram tratadas da forma que deveriam. Já o Disque 155 faz esse acompanhamento, por meio do contato com as instituições, como o Ministério Público da Paraíba [MPPB] e a Defensoria Pública do Estado [DPE-PB], a depender [do encaminhamento] de cada caso”, esclarece Mônica Ervolino.
Outra opção, para os cidadãos do estado, é acessar os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), que atuam nos territórios, fazendo o primeiro tratamento das violações e remetendo os casos para os setores responsáveis.
As violações aos direitos humanos, na Paraíba, são acompanhadas por diferentes órgãos governamentais. No âmbito da Sedh, a Gerência Executiva de Direitos Humanos atua nos casos de tráfico de pessoas; violências ligadas à luta por moradia e produção, em espaços urbanos e rurais; negativas de cartórios em oferecer a documentação básica; e na proteção às pessoas ameaçadas de morte, em programas voltados para crianças e adolescentes, vítimas e testemunhas de crimes e defensores de direitos humanos. Outros públicos acompanhados pela Sedh são as pessoas com deficiência e os imigrantes, refugiados e apátridas. Há, por fim, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, que faz perícias em instituições de cerceamento de liberdade, como penitenciárias e unidades socioeducativas, recomendando ações para preservar os direitos humanos nesses locais.
Segundo Mônica, o maior desafio desse trabalho consiste em encontrar os meios, nas políticas públicas existentes, para efetivar a garantia dos direitos. “Quando essas violações ocorrem com alguns grupos, como mulheres, idosos, crianças e adolescentes, existe uma política específica e um sistema de garantia de direitos organizado para tratar delas. Mas, quando a gente fala de outros tipos de violação que não se encaixam nesses segmentos, como o tráfico de pessoas e as pessoas ameaçadas de morte, o desafio é muito maior, porque é uma política que ainda está em construção na Paraíba. A gente já tem conseguido articular uma rede de proteção muito consistente no estado, mas ainda esbarra em algumas questões e, por isso, temos tentado estruturar essas políticas públicas, para dar conta [da demanda]”, completa a gerente da Sedh.
Principais vítimas são mulheres, negros e idosos
São diversas as desigualdades sociais que levam mulheres, negros e idosos a figurarem como as principais vítimas de violações de direitos, como ilustra Lídia Moura, titular da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh). “As mulheres, por exemplo, foram tratadas historicamente como cidadãs de segunda categoria. Isso significa que essa sociedade é estruturada para que as mulheres não tenham direito e não acessem oportunidades, mas diante das crises, são as primeiras a serem acionadas. E, ao tentar sair desse ciclo, em geral, elas sofrem violência. Já o racismo tem um agravante, que é o fato de que a sociedade não se percebe racista. Até a forma como foi abolida a escravidão no Brasil foi frágil, porque não cuidou de fazer nenhuma reparação histórica ou legislação que protegesse a comunidade negra”.
A assistência às mulheres e às pessoas negras é conduzida, na Paraíba, pela Semdh. Para o combate ao racismo, conforme destaca Lídia Moura, um programa fundamental é o Plano da Igualdade Racial, que estabelece parâmetros para ações em todos os âmbitos da administração estadual. Já o Centro da Igualdade Racial João Balula conta com uma equipe multiprofissional, formada por advogados, psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, que atende as pessoas afetadas por atos racistas e desenvolve ações de letramento para a compreensão de direitos.
Já a política estadual voltada para as mulheres inclui o acolhimento às vítimas de violência, por meio dos Centros de Referência da Mulher, casas de acolhimento e da Patrulha Maria da Penha. As ações, contudo, não estão restritas à proteção à vida. “Fazemos trabalhos para a ampliação do currículo dessas mulheres e a complementação de escolaridade, com cursos profissionalizantes, cursos de idiomas e várias outras possibilidades. Também disponibilizamos um crédito qualificado, por meio do Empreender Mulher, para mulheres em situação de violência e de vulnerabilidade social”, detalha Lídia.
Ranking do Nordeste
Índice de crescimento das denúncias nos estados da região
PB – 30,6%
PE – 28,6%
CE – 28%
SE – 23,6%
BA – 23,4%
AL – 20,7%
MA – 16,5%
RN – 14%
PI – 8,6%
Fonte: MDHC
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 20 de janeiro de 2025.