A rua parece ser o palco ideal para eles. É lá onde fazem malabarismos, se equilibram, tocam instrumentos musicais e desempenham artes circenses. Mas é, também, onde enfrentam sol, chuva e, às vezes, discriminação, em busca do sustento diário e em nome do amor à arte.
Em razão da realidade concebida a partir de diversas questões históricas, sociais, culturais e políticas do país, muitos deles ainda são inferiorizados ao desempenhar suas atividades. Mas, isso não parece ser motivo suficiente para desistência, pois é nas ruas agitadas da cidade que um espetáculo se desenrola diariamente pelos artistas de rua, os quais transformam o ambiente urbano em um palco vibrante e mais alegre.
Em João Pessoa, os artistas de rua estão espalhados por toda a cidade. A capital paraibana é mais receptiva a tais indivíduos, como aponta Manuel Antônio Torres. O chileno já esteve em outros países como Peru, Equador, Bolívia, Venezuela e Colômbia, chegou ao Brasil há 10 anos e, desde 2021, reside e se apresenta por aqui. “Todos os estados do Nordeste, da Bahia até Natal, que são os que eu conheço, o interior também, Caruaru, Campina, Grande, Serra Talhada, todo o litoral de ponta a ponta, eu conheço tudo, mas aqui é muito bom, o pessoal daqui abraça mesmo”, diz ele.
Artistas transformam o espaço urbano da capital em verdadeiros palcos ao ar livre, levando leveza e diversão
Manuel é historiador com formação acadêmica, mas não atua na área, pois a flexibilidade, atrelada à autorrealização através da arte, o atraíram. “O melhor de tudo é que eu tenho liberdade. A liberdade é o que todo artista precisa porque quando fica só dentro de um espaço se apresentando, aquilo passa a ser monótono e rotineiro. Então, acho legal que eu posso trabalhar aqui hoje, amanhã na Avenida Epitácio, ou no shopping. Se não estou precisando, eu mesmo vou à praia, descanso, folgo; mas eu trabalho todos os dias, de segunda a domingo, ainda que seja umas duas horas, três horas no dia. Tenho que pagar aluguel, gastos básicos, tenho um cachorro, tenho que pagar luz, essas coisas.”
O pernambucano José Igor Ferreira, outro artista de rua que foi acolhido pelos pessoenses, há seis meses, descreve sua rotina: “Acordo às 6h e fico até às 10h30 nos semáforos, que é até quando a gente consegue trabalhar porque o sol faz com que a gente saia um pouco da rua”. Ele costuma viajar de bicicleta pelo Brasil, há seis anos, e considera as rodovias e os demais artistas de rua como sendo sua família.
Para ele, a maior razão para desempenhar seu trabalho é levar alegria às pessoas. “Nós nos dispomos a ver o sorriso do público, na verdade. Prefiro que o público sorria a pagar, às vezes. Uma salva de palmas e um dia ‘sorrido’ vale mais porque, para mim, é um dia perdido se você não sorrir, se você não agradecer. Isso para mim já é muito”, explica ele.
“A arte salva. Na verdade, a arte já me salvou de vários outros buracos, da depressão, da ansiedade, da fome porque, às vezes, a gente não tá bem de saúde, não está bem psicologicamente para estar ali. Normalmente, a gente só precisa disso, sabe? De atenção mesmo”, afirmou.
Em meio à rotina, sobram desafios a serem enfrentados pelos artistas de rua, inclusive, a insegurança. “Já fui alvo de discriminação, já puxaram a arma para mim no semáforo, desceram do carro e me bateram, roubaram meus brinquedos, pessoas me ameaçaram, psicológica e até fisicamente”, enumera o pernambucano.
Apesar das inúmeras dificuldades e hesitações, há uma certeza: é em meio à arte e ao que ela proporciona que José Igor deseja continuar existindo. “Eu não quero desistir de ser artista.Não sei se eu quero continuar toda a vida aqui na rua. Quero que um dia eu possa ser reconhecido porque a gente merece um pouco mais disso, ser visto, porque, como dizem, quem não é visto não é lembrado. Enquanto eu tiver aqui e for só isso que eu tenha, me contento com o pouco porque de pouco em pouco a gente conquista muita coisa”, frisou o artista.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 20 de março de 2024.