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Processos por assédio no trabalho aumentam 255%

publicado: 16/07/2017 00h05, última modificação: 15/07/2017 07h53
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Em um local de trabalho, toda e qualquer conduta abusiva é considerada assédio moral - Foto: Ortilo Antônio

tags: assédio moral , ministério público do trabalho , paraíba , denúncias , casos


Alexandre Nunes

Tem sido muito frequente a denúncia, por parte de trabalhadores, do assédio moral no ambiente de trabalho. Na Paraíba, o Ministério Público do Trabalho (MPT-PB) registrou 577 denúncias ou procedimentos envolvendo assédio no trabalho - moral e/ou sexual, no período de janeiro de 2014 a março de 2017. Somente este ano, 56 novas denúncias envolvendo assédio no trabalho foram registradas pelo Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB), segundo dados de abril do MPT Digital. Atualmente, 230 procedimentos envolvendo assédio no trabalho - moral e/ou sexual - estão em tramitação no MPT-PB.

Entre os exemplos de assédio moral estão a exigência de metas de difícil alcance ou inalcançáveis; o tratamento inadequado com os empregados, como uso de palavras de baixo calão ou depreciativas; tarefas vexatórias, a exemplo de mandar uma mulher limpar o banheiro masculino, (com homens dentro); exercício abusivo do poder hierárquico, chegando ao ponto de restringir o funcionário de ir ao banheiro, autorizando uma única vez, por 10 minutos, etc.

O cozinheiro e pizzaiolo Manoel de Oliveira, 51 anos, casado, que se define como uma pessoa tímida, calma e quieta, mas muito dedicada às suas atividades, as quais procura executar com eficiência e precisão, é um desses trabalhadores que revelam ter sido vítima de assédio moral. Ele explica que, por se manter discreto na forma de tratar o chefe e os companheiros de labuta, e se colocar sempre à disposição de todos para atender às urgências e necessidades do estabelecimento onde prestava serviço, isso pode ter sido confundido com insegurança ou ingenuidade, o que o levou, no seu último emprego, a situações de assédio moral e a denunciar o seu patrão na Justiça do Trabalho.

"O que me levou a entrar com uma ação trabalhista e outra ação por danos morais contra o proprietário foi uma série de fatores que foram se somando ao longo do tempo. Logo que comecei nesse trabalho, prestava serviço uns três dias por semana, depois fui contratado para trabalhar durante toda a semana. Como o horário de trabalho iniciava às 16 horas e terminava todos os dias acima de meia-noite e como no local não havia transporte coletivo que facilitasse o retorno para casa, passei a depender de carona no carro do patrão. Foi aí que começaram as sessões de assédio moral", relata.

Manoel de Oliveira lembra que, logo na primeira semana, o patrão fechou o restaurante e foi levar uns funcionários para um bairro mais afastado e o deixou esperando do lado de fora do estabelecimento, numa praça que fica em frente. "Então, o tempo foi passando, eu aguardando o patrão voltar e nada. Aí foi ficando tarde, cada vez mais tarde, já passava da meia-noite e o patrão não aparecia. Tive que bater à porta de um amigo que morava nas proximidades, que me acolheu naquela noite. Se não fosse isso, teria pernoitado na rua, num local ermo e sujeito a assalto ou violência maior. E no outro dia, o patrão chegou para mim e disse simplesmente que tinha esquecido de retornar para me dar carona e foi embora para casa. Só que o fato dele haver esquecido de mim foi também motivo de chacota por parte de alguns funcionários e do próprio, numa total falta de respeito", reclama.

Um pouco mais adiante, quando Manoel de Oliveira já havia assumido o horário integral nesse emprego, aconteceu outro fato desagradável, sempre relacionado ao transporte. Ele conta que, nessa época, o patrão estava sem carro e umas cinco vezes ele carregou o pizzaiolo num triciclo que tinha um baú atrás. "Eu era transportado dentro daquele pequeno baú. A última vez que isso aconteceu, reclamei que não dava mais para ser transportado naquele veículo, ele se irritou e passou a desenvolver alta velocidade. Quando passou num quebra-molas, o baú foi lá em cima, eu subi junto e levei o maior sopapo, batendo com a cabeça e minha vista deu um clarão. Quando fui falar com ele que havia batido a cabeça, ele ficou rindo, achando engraçado. Só que eu não estava achando engraçado. No outro dia, ele e os demais funcionários ficaram zombando de mim e isso é assédio moral", observa.

Oliveira acrescenta que, em seguida, o patrão começou a atrasar o pagamento do seu salário. Chegou a juntar cinco quinzenas sem pagar, o que não diminuía em nada as exigências durante cada jornada de trabalho. "Depois disso, fui demitido. A pancada na cabeça, o tempo que fiquei trabalhando sem receber e a demissão me deixaram depressivo. Para piorar, com a demissão, o patrão acrescentou o débito das quinzenas na rescisão e disse que, como não tinha condições de pagar tudo de uma vez, ia dividir em parcelas. Só que o tempo passou, venceu o primeiro mês e nada de pagamento; o segundo mês e nada. Procurei a Justiça e entrei com uma ação trabalhista e outra por assédio moral. Ganhei a questão trabalhista, mas perdi a ação por assédio moral, segundo o juiz, por falta de provas", conclui.

Humilhações Rosilene de Lourdes, de 45 anos, foi vítima de assédio moral, mas optou por deixar o emprego e não buscar seus direitos

Com Rosilene de Lourdes Andrade Mariano, 45 anos, casada, a história é um pouco diferente, porque ela tem consciência de que sofreu assédio moral no trabalho, mas apenas deixou o emprego e não procurou seus direitos na Justiça. A paraibana é uma daquelas pessoas que deixaram sua terra natal em busca de novas oportunidades e melhoria de vida. Cerca de 20 anos atrás, ao chegar no Rio de Janeiro, Rosilene foi contratada para trabalhar como acompanhante de uma senhora que residia no bairro de Botafogo.

A experiência de Rosilene não foi muito boa, porque a sua patroa era muito arrogante e uma vez ameaçou até bater na funcionária. "Eu dormia na casa dela durante a semana e nos sábados e domingos retornava para casa. Um dia, a gente foi ao supermercado e quando chegou lá ela me mandou pegar frutas numa certa seção, mas quando eu voltei, ela disse que eu era muito burra e que não sabia fazer as coisas certas. Isso na frente das pessoas. Aos gritos ela me chamou de burra e até de macaca. Na época, essas coisas não davam em nada e pequeno não tinha vez diante dos patrões, se procurasse a Justiça. Apenas disse que como ela estava me humilhando, eu iria deixá-la sozinha e iria embora. Ela disse assim: o problema é seu e quando eu chegar em casa você vai ver só o que acontece. Voltei para o apartamento, liguei para filha dela e pedi que fosse buscá-la no supermercado", relata.

Rosilene de Lourdes fala sobre suas experiências como empregada doméstica e diz ser uma pessoa tranquila, que não responde aos patrões e que, por isso, preferia deixar o emprego, ao invés de se confrontar, como no caso em que a patroa ameaçou lhe bater. "Eu deixei ela lá e fui embora. Larguei o emprego e até pensei em botar na Justiça, mas naquela época não tinha as leis de agora. Isso foi em 1997. O que os patrões mais gostam de fazer com as empregadas domésticas é se desfazer delas na frente das pessoas, quando têm convidados em casa. Eles dizem: estou te pagando é para você fazer as coisas direito. Se a gente gostou ou não gostou, tem que ficar calada. São muitas humilhações que a gente passa em casa de família, como empregada doméstica. Eu mesmo tive uma patroa que não valia nada, lá na Tijuca, embora o patrão fosse maravilhoso", comenta.

Rosilene acrescenta que teve uma patroa que quase tira ela do sério, com o desrespeito do assédio moral. "Ela veio dizer coisa comigo e eu ia jogar ela do prédio embaixo. Então, para não ir parar na cadeia, larguei o trabalho, perdi meus direitos trabalhistas que, na época, ninguém pagava mesmo, e saí de lá. Trabalhei dois anos e seis meses nessa casa e vivi um verdadeiro calvário de humilhações, mesmo de carteira assinada. Agora com as novas leis, as coisas melhoraram um pouco. Mesmo hoje, têm patroas que são boas, mas têm outras que humilham muito, exigem demais e pouco reconhecem o valor do nosso trabalho. Nos últimos 20 anos, tenho passado por muitas experiências. Se não tiver uma cabeça boa, você perde a linha, porque eles te humilham mesmo", afirma.

MPT facilita acesso do cidadão e amplia número de denúncias

Hoje é grande o volume de denúncias de assédio no trabalho, seja moral ou sexual, e isso se deve ao fato do Ministério Público do Trabalho estar desenvolvendo uma política de facilitar ao máximo o acesso ao cidadão. Segundo revela o procurador do Trabalho Flávio Gondim, o MPT-PB aceita denúncias inclusive anônimas, por telefone (83 3612-3100) e através do site da instituição (https://peticionamento.prt13.mpt.mp.br/denuncia), onde o reclamante pode preencher um formulário, sem que haja necessidade de identificação. Também existe a figura da denúncia sigilosa, na qual a pessoa se identifica, mas fica com o nome resguardado.

Vítimas de assédio são atendidas em um dos pontos do Fórum de Justiça do Trabalho, no Shopping Tambiá, em João Pessoa Segundo dados de estudo divulgado, ano passado, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em cinco anos, na Paraíba, o número de processos com denúncias de assédio moral cresceu 255%. De acordo com o levantamento, em 2010 foram 52 procedimentos, enquanto em 2015 o número saltou para 185. Atualmente, 230 casos envolvendo assédio no trabalho estão em tramitação no MPT-PB.

Para o procurador do Trabalho Eduardo Varandas, as demandas só tendem a aumentar, porque caminhamos para uma desproteção progressiva do trabalhador. Ele explicou que, muitas vezes, para assegurar o emprego, trabalhadores se submetem a práticas abusivas e vexatórias. “Deparamo-nos com situações absurdas, ao ponto de exigir do trabalhador que não atingiu determinada meta inalar odores de uma toalha urinada por todos os outros funcionários”, aponta Varandas, que já acompanhou vários casos envolvendo vítimas de assédio.

O procurador Flávio Gondim, por sua vez, esclarece que nem todas as denúncias que chegam ao Ministério Público do Trabalho tratam especificamente de assédio moral, porque isso exige conceitualmente um conjunto de práticas, ou seja, uma sequência de atos, uma conduta reiterada, prolongada pelo tempo, que vai aos poucos minando e abalando a autoestima de alguém, às vezes para forçar essa pessoa a pedir demissão do emprego. "Um ato isolado dificilmente configura assédio moral, não quer dizer que um ato isolado não possa prejudicar o trabalhador e que possa até gerar um direito a indenização. Pode sim, mas isso não é tecnicamente assédio moral", especifica.

Ele explica que existem duas espécies de assédio moral, o assédio interpessoal e o assédio organizacional, e que é importante destacar as diferenças entre os dois. O assédio moral interpessoal é quando há o desejo deliberado de prejudicar uma vítima X, ou até mais de uma vítima. Nesse tipo de assédio, o agressor sabe quem é a vítima que ele quer atingir. Já o assédio moral organizacional é caracterizado por comportamentos genéricos do empregador ou de um funcionário mais graduado da empresa. "São práticas que tornam o ambiente de trabalho hostil, atentam contra a dignidade dos trabalhadores, mas não têm uma vítima previamente escolhida. Um exemplo disso é quando a empresa adota uma política de restringir o uso de banheiro durante um expediente. Nesse caso, a intenção do empregador não é atingir A, B ou C, mas sim querer tirar o máximo em termos de desempenho, produtividade e metas, prejudicando todo mundo dentro do ambiente de trabalho". 

Flávio Gondim acrescenta que, geralmente, o Ministério Público do Trabalho atua apenas nessas denúncias de assédio moral organizacional. "Quando chega aqui uma denúncia em que o relato se aproxima muito do assédio moral interpessoal, normalmente o Ministério Público se esquiva de atuar e diz que caberia à própria vítima constituir um advogado particular ou procurar o sindicato profissional para entrar com uma ação trabalhista e pedir uma indenização por danos morais, porque isso o Ministério Público do Trabalho não faz, ou seja, reivindicar uma indenização em favor de um único trabalhador”, explica.

“Quando o MPT age em casos de assédio moral organizacional, ele não vai postular indenização em favor dos trabalhadores, o que ele vai postular nas ações judiciais é uma punição ao empregador, geralmente uma indenização que vai reverter para um fundo, a exemplo do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD). Na verdade, a intenção é coibir aquela situação, para exigir que haja uma mudança de comportamento da empresa. É uma coisa que tem uma dimensão, uma conotação coletiva. As indenizações para as vítimas, elas mesmas têm que buscar", frisa o procurador.

Assédio afeta patrimônio imaterial

O assédio moral é hoje uma realidade nas relações de trabalho e afeta o dia a dia de homens e mulheres em suas atividades profissionais, tanto na iniciativa privada, como no serviço público. É o que afirma o juiz do Trabalho e presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da Paraíba (Amatra 13), André Machado Cavalcanti.

Segundo especialistas, a situação tende a se agravar, por conta da precarização das relações trabalhistas e redução de direitos da classe trabalhadora, além das mudanças no mercado de trabalho derivadas das crises econômica, política e social.

Quem melhor define o assédio moral é a escritora francesa Marie-France Hirigoyen. Ela considera como assédio moral, em um local de trabalho, toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

No entanto, o assediador pode ser responsabilizado na esfera civil e sujeito a pagar indenização por danos materiais e morais. Os danos sofridos pela vítima podem gerar perdas de caráter material e moral, surgindo o direito à indenização. Em muitos casos, a vítima acaba por pedir demissão ou, no caso de servidor público, exoneração, abandona o emprego ou o cargo, o que deve ser indenizado.

Na opinião de André Machado, que é juiz titular da Vara do Trabalho de Catolé do Rocha, no Sertão paraibano, o patrimônio imaterial do trabalhador, ou seja, aqueles valores relativos à sua personalidade, como a intimidade, a autoestima, a honra, a privacidade, o direito à opção de crença, de orientação sexual, enfim, tudo o que diz respeito à intimidade e personalidade do trabalhador tem a proteção da garantia constitucional.

“A Constituição garante essas liberdades, inclusive a liberdade de associação como, por exemplo, a liberdade sindical. Tudo isso é garantido pela Constituição. E uma vez que haja uma agressão a esse patrimônio imaterial, por parte do empregador, isso enseja na reparação indenizatória pelos danos morais suportados pelo trabalhador. Além disso, o próprio Código Civil prevê também que aquele que causa dano a alguém deve reparar esse dano decorrente do ato ilícito ou do abuso de direito. A reparação por danos morais encontra guarida tanto na Constituição Federal, como no Código Civil Brasileiro”, assegura.

Se o assediador for servidor público federal, estadual ou municipal, a esfera de poder, seja União, Estado ou Município, pode ser responsabilizada pelos danos materiais e morais sofridos por vítimas de assédio moral, caso os referidos danos sejam comprovados, cabendo indenizar a vítima e, ainda, processar o assediador. No caso da iniciativa privada, a responsabilidade cai sobre o empregador, seja pessoa física ou jurídica, porque mesmo que não seja ele o assediador, tem como dever reprimir condutas indesejadas no ambiente de trabalho.

O juiz André Machado salienta que a vítima deve realizar a denúncia acompanhada de um advogadoO juiz do Trabalho André Machado explica que as ações por assédio moral no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) - 13ª Região Paraíba, acontecem com muita frequência. “Eu não teria, nesse momento, estatísticas mais precisas, em termos percentuais, acerca de quantas ações que versam sobre esse tipo de assédio, mas é muito frequente a denúncia de assédio moral no ambiente de trabalho, por parte de trabalhadores. Nem sempre esses fatos são comprovados em juízo e, por isso, muitas vezes as ações são julgadas improcedentes nesse ponto. Não quer dizer que toda ação enseja uma condenação, mas também há vários casos que são comprovados o assédio, o dano moral, ensejando então a condenação do empregador e o pagamento de uma indenização reparatória”, observa.

Legislações aplicáveis estão no âmbito federal e estadual

O juiz André Machado revela que, além da Constituição Federal e do Código Civil, existem leis específicas em âmbito municipal, estadual e federal sobre o assédio moral, a exemplo da Lei 9.029/95 que pune as condutas discriminatórias no ambiente de trabalho.

A própria Lei das Consolidações do Trabalho (CLT) prevê, desde 1943, que quando forem exigidos serviços superiores às forças do empregado, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato, pode ser invocado o artigo 483, alínea “a” da referida lei. A alínea “b” também do art. 483 da CLT pode respaldar eventual ação de indenização por assédio moral, quando o empregado for tratado pelo empregador ou por seus superiores com rigor excessivo. De acordo com estudo publicado em cartilha da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), o assédio moral enseja a tríplice responsabilidade do assediador, qual seja, cada uma à sua vez, ou conjuntamente, as responsabilidades: civil, penal e administrativa.

No que tange à responsabilidade civil, aos comandos constitucionais dos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, somam-se os artigos: 20, 186, 927, 187, 932 III, 933, 934 e 942. Todos do atual Código Civil brasileiro, o qual considera, no seu art. 927, ato ilícito a ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência que viole direito e cause danos a outrem, ainda que exclusivamente moral, dispondo também, que “aquele que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Também cometerá ato ilícito o empregador, ou aquele que receber poderes delegados deste, quando, ao exercer o legítimo poder de direção e comando, exceder “manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé, ou pelos bons costumes”, conforme o art. 187, também do Código Civil.

Problema frequente entre profissionais da educação

O assédio moral vem se tornando rotineiro no ambiente de trabalho do professorado, tanto na escola privada, como na escola pública, por abuso de poder dos superiores hierárquicos. Muitos professores sofrem pressão, ameaça, acúmulo de trabalho, horários injustificados, sobrecarga de tarefas, mas poucos denunciam. Mas, segundo orienta o juiz André Machado, as pessoas que trabalham em estabelecimentos de ensino podem e devem acionar os assediadores da mesma forma, seja na Justiça do Trabalho para as escolas privadas, seja na Justiça Comum, para as escolas públicas. Inclusive, nas condenações, o direito à reparação, à garantia constitucional, tudo se dá da mesma forma, apenas com algumas diferenças no trâmite processual, em razão da justiça onde se processa a reclamação.

A autoridade alerta que o processo judicial, ou seja, a reclamação, não pode ensejar nenhuma represália ao reclamante por parte do empregador. "O empregador não pode, em razão de um processo movido pelo seu empregado, se ele ainda estiver trabalhando na empresa, dispensá-lo. Entretanto, não há no nosso ordenamento jurídico, nenhuma garantia ao emprego, exceto em situações excepcionais, como a do dirigente sindical ou da empregada grávida, mas via de regra o empregador pode dispensar o trabalhador quando lhe convier. Agora, se ficar configurado que essa dispensa ocorreu em represália ao exercício do direito constitucional de ação, isso pode ensejar uma declaração de nulidade da dispensa pela própria Justiça e, nesse caso, o empregado será reintegrado, ou seja, a dispensa será anulada, porque foi fundada na propositura de um processo por parte do trabalhador, ou seja, foi um ato discriminatório", afirma.

Como proceder na defesa dos seus direitos

Quem perceber que está sendo vítima de violência psicológica e humilhação repetitiva e prolongada no ambiente de trabalho, por abuso de poder ou manipulação perversa de superiores hierárquicos, por meio de afrontas, constrangimentos, rebaixamento, xingamentos, vexame, pode recorrer à Justiça do Trabalho, se da iniciativa privada, ou à Justiça Comum, se do serviço público, e reclamar em juízo. “Existem algumas diferenças entre os setores público e privado. A primeira delas diz respeito a própria competência para apreciar o processo. Se essa prestação de serviço for feita para um ente público, no regime administrativo estatutário, a Justiça do Trabalho não tem competência para apreciar o litígio e o processo tramita na Justiça Comum. Agora, se mesmo na administração pública, a relação de trabalho, ou seja, a prestação de serviço for feita sobre a égide da CLT e se o assediado for um empregado contratado com registro em Carteira de Trabalho (CTPS), a competência permanece na Justiça do Trabalho e o procedimento é o mesmo”, detalha André Machado.

Segundo o magistrado, o trabalhador pode mover um processo sozinho, sem a ajuda de um advogado, já que esse é um direito garantido pelas Leis de Consolidação do Trabalho (CLT). No entanto, o que se recomenda, na verdade, é que o reclamante faça isso acompanhado de um advogado, que é um profissional que tem os conhecimentos técnicos para prestar uma assistência mais qualificada e poderá alcançar inclusive um resultado melhor. “Na medida que ele vai estar assistido por um profissional que conhece a lei, que entende os procedimentos processuais e pode produzir as provas com mais qualidade, com mais eficácia, pode obter um resultado mais favorável. O trabalhador deve comparecer, então, ao setor competente, a exemplo do Fórum da Justiça do Trabalho que, em João Pessoa, funciona no Piso E1, do Shopping Tambiá, e fazer a reclamação a termo, ou seja, algum funcionário vai tomar a sua reclamação, seu relato, e vai transformar isso numa reclamação trabalhista”, explica.

O juiz André Machado esclarece que se a vítima de assédio no trabalho não tiver condições de arcar com os custos do advogado, deve procurar a Defensoria Pública para que seja designado um defensor a fim de ajuizar uma reclamação, o que vai ensejar na convocação da outra parte. “O empregador vai ser chamado para a audiência e nessa audiência será tentada uma conciliação, ou seja, um acordo entre as partes, para que o problema seja resolvido. Se não houver solução pela via da conciliação, o processo tem o seu curso natural, que é a colheita das provas e, ao final, o juiz vai proferir a sentença, dizendo se o direito do reclamante existe, ou não existe, a partir do pedido que ele formulou na ação”, informa.

Ele reitera que os conflitos recorrentes da relação de trabalho são resolvidos na Justiça do Trabalho, que é a justiça que tem a competência definida pela Constituição Federal para dirimir esse tipo de conflito. Agora, no caso de assédio no trabalho, se o ato praticado pelo empregador configurar algum ilícito penal, algum crime, a própria Justiça do Trabalho, no curso do processo, pode comunicar isso ao Ministério Público para que sejam apuradas as responsabilidades do infrator.

Com relação ao Ministério Público do Trabalho (MPT), o magistrado ressalta a importância do papel da instituição ao promover ações civis públicas justamente para combater o assédio no ambiente de trabalho, cabendo à Justiça apreciar e julgar os processos movidos contra empregadores que mantém relações autoritárias com seus subordinados. “A parceria que existe é no sentido institucional, mas não há um trabalho feito em conjunto, porque cada um tem uma incumbência, cada um tem uma atribuição.

Origem do assédio moral

O assédio moral, na organização do trabalho, segundo apontam pesquisadores do assunto, tem origem histórica na organização do trabalho e veio da relação domínio/submissão entre capital e força do trabalho. O fenômeno foi identificado, pela primeira vez, em 1984, pelo pesquisador em psicologia do trabalho, o alemão Heinz Leymann. Com isso, o assédio no mundo do trabalho tornou-se objeto de estudo em todo o mundo e chamou mais a atenção com a primeira pesquisa internacional realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1996, quando passou a ser apontado como fruto da política neoliberal e da globalização.

No Brasil, o tema veio à tona com uma pesquisa de Margarida Barreto, médica do trabalho, que resultou na tese de mestrado defendida em maio de 2000, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Na pesquisa Jornada de Humilhações, a médica ouviu 2.072 trabalhadores de 97 empresas no Estado de São Paulo, dos quais 42% declararam ter sofrido repetidas humilhações no trabalho. O nome da pesquisa veio do desabafo de um trabalhador em seu consultório: “Estou vivendo uma ‘Jornada de Humilhações’”.

Procedimentos das vítimas de assédio moral no trabalho:

- O trabalhador deve guardar documentos que provem a determinação de tarefas impossíveis ou inúteis e/ou perda de vantagens financeiras; anotar e/ou gravar o teor das conversas; procurar conversar com o agressor sempre na presença de testemunhas, como um colega de confiança ou mesmo um integrante do sindicato; buscar apoio dentro e fora da empresa/órgão; dar visibilidade às agressões; exigir explicações do agressor por escrito, encaminhando carta ao departamento de pessoal ou recursos humanos com recibo, relatando os fatos e pedindo providências; não se deixar abater; buscar apoio de familiares e profissionais para cuidar dos danos morais e psicológicos; estreitar as relações afetivas entre os colegas de trabalho, criando um clima de solidariedade, como forma de coibir o agressor, criando uma rede de resistência às condutas de assédio moral; não temer represálias; não se demitir; obter cópias de documentação que existem nos assentamentos individuais, direito amparado por habeas data; procurar o sindicato, que pode buscar a solução do conflito e a prevenção de novas situações; atestar os danos à saúde – fazer uma relação dos distúrbios físicos e psíquicos todos documentados e atestados dos danos que o assédio venha causando.