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76% dos brasileiros admitem praticar automedicação

publicado: 16/07/2017 00h05, última modificação: 15/07/2017 07h55
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Apesar da ameaça à saúde, 61,4% das pessoas que adotam essa prática estão conscientes dos riscos, diz ICTQ - Foto: Ortilo Antônio

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Lucas Campos - Especial para A União

A automedicação é algo que já está enraizado na cultura brasileira. Quando sentimos uma dor de cabeça ou febre, imediatamente vamos às farmácias e recorremos a medicamentos que não foram prescritos por nenhum profissional de saúde. De acordo com a pesquisa divulgada em 2014 pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), essa prática é bastante comum entre a população do país: 76.4% dos brasileiros, de 12 capitais diferentes, costumam se automedicar.

Segundo a presidente do Conselho Regional de Farmácia, Cila Gadelha, a automedicação consiste na utilização indiscriminada de medicamentos por conta própria ou indicação de outras pessoas que não são habilitadas para o exercício da prescrição, sem nenhuma avaliação ou consulta médica prévia.

“O principal risco desse comportamento é a intoxicação”, explica. A intoxicação causa alterações no funcionamento do organismo e pode causar mal-estar, vômito, diarreia, paralisia, convulsões e até mesmo a morte, de acordo com as dosagens tomadas pelo indivíduo. A fotógrafa Luciana Duarte admite que também pratica a automedicação. “Eu sei que é perigoso, eu sei que não deveria, mas eu me automedico”, afirma. Ela explica que compreende a necessidade de visitar um médico antes de ingerir qualquer substância, mas que, ao recorrer ao profissional, é necessário ficar horas esperando em um hospital e ela acaba querendo resolver o problema indo até uma farmácia, porque é uma solução mais imediata para as dores. A fotógrafa também admite que se automedicava com antibióticos antes que a venda desses medicamentos fossem proibidas.

Assim como ela, 61.4% das pessoas que se automedicam estão conscientes dos riscos desta prática. Luciana acha, entretanto, que é importante saber o mínimo sobre medicamentos antes de se automedicar, principalmente no que tangem os efeitos e também as reações adversas. “Imagina você ter uma dorzinha de cabeça e ter que ir ao médico? É uma questão complicada, então sabemos o que é o ideal, mas isso está muito distante da realidade”, afirma. Ela conta que aprendeu mais sobre remédios por conta de seu filho que, quando mais novo, adoecia e ela precisava levá-lo aos médicos. Tornou-se habitual, então, anotar os sintomas do pequeno Arthur e os medicamentos receitados pelos médicos para que ele ficasse bem. Gradualmente, ela aprendeu a relacionar sintomas e o medicamento para curar os problemas. “É claro que, não é 100% das vezes que eu estava certa, mas na maioria eu estava. Então é preciso saber o mínimo sobre a medicação, é preciso ter bom senso com algumas coisas”, pontua. Em casos mais graves, em que os sintomas persistem, a fotógrafa explica que não hesita em procurar um profissional de saúde para lhe ajudar.

Estabelecimento sem farmacêutico 

Intoxicação provocada por remédios levou à morte oito mil pessoas no ano de 2012, diz o Sinitox

De acordo com Cila Gadelha, os principais medicamente utilizados para a automedicação e que costumam causar intoxicação na população são os analgésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios. “Eles são geralmente comprados sem nenhuma prescrição médica e é por isso que os números indicam neles as maiores taxas de intoxicação”, afirma. Entretanto, ela pontua que antidepressivos também representam uma parcela significativa nos números de intoxicação. Isso porque, ainda segundo a pesquisa do ICTQ, 32% das pessoas têm o hábito de aumentar as dosagens para potencializar os efeitos, sem conhecer as consequências desse ato.

Para entender o quão grave é a intoxicação por medicamentos, constam nos dados do Sistema Nacional de Informações Toxico-Farmacológicas (Sinitox) que 8 mil mortes foram contabilizadas apenas no ano de 2012 em razão desse comportamento. Além disso, informações divulgadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que reações adversas aos medicamentos representam mais de 10% das internações hospitalares.

Diante dos dados, Gadelha reitera que as pessoas não devem praticar a automedicação. Segundo ela, as pessoas devem procurar um médico habilitado ou um farmacêutico. “O conselho recomenda e cobra dos estabelecimentos, as farmácias, que haja a presença desse profissional, o farmacêutico, e é um direito da população ter acesso a esse profissional nesses estabelecimentos de saúde, regulamentados em lei”, afirma. Para ela, é o farmacêutico que irá orientar a população sobre o uso dos medicamentos, assim como para que eles servem, como devem ser acondicionados, qual a posologia correta e os efeitos colaterais do uso.

Farmacêuticas alertam para a automedicação e risco à saúde

De acordo com a farmacêutica Maria Dandara Lopes, a automedicação é um dos maiores comportamentos de risco para o ser humano. “A grande maioria dos remédios é de livre acesso e a população nem sempre tem condição de procurar um médico, então a automedicação é facilitada para as pessoas”, pontua. Ela esclarece que as pessoas costumam esquecer que medicamentos são drogas e que eles vão modificar o organismo de alguma forma, seja para o bem ou para o mal.

A farmacêutica Maria Emília Pedrosa explica que medicações só podem ser ingeridas mediante a recomendação de um profissionalPara a farmacêutica e bioquímica Maria Emília Pedrosa, medicações só podem ser ingeridas mediante a recomendação de um profissional. Segundo ela, os números alarmantes de óbitos por intoxicação deveriam ser o suficiente para conscientizar as pessoas do quão perigoso é a automedicação. Ela explica que, hoje, muitos medicamentos só podem ser adquiridos com receitas médicas, o que é uma boa medida para impedir que as pessoas se mediquem de forma indiscriminada – embora ainda não seja o suficiente.

A profissional aconselha que farmacêuticos e balconistas sempre consultem o paciente para saber se eles possuem algum tipo de alergia, porque certos medicamentos podem possuir taxas de substâncias que são nocivas ao paciente. “Daí a importância de atender às pessoas com calma e paciência. Sempre perguntar se é uma pessoa de casa, um idoso ou um bebê – especialmente nesses dois últimos casos, é bom sempre evitar a indicação”, afirma. Ela lamenta que muitos não usam a consciência e tentam vender prometendo uma cura milagrosa, comportamento que coloca em risco a vida das pessoas.

Maria Dandara Lopes ainda acentua que, além das intoxicações, a automedicação pode trazer o agravamento de doenças que a pessoa tem. “Por exemplo, se a pessoa for tomar um medicamento que não é adequado para a doença, ele vai mascarar os sintomas e, quando ela procurar um médico tardiamente, ele muito provavelmente não conseguirá diagnosticá-la em um primeiro contato”, explica Dandara. Ela acrescenta que existem também casos de medicamentos que, ao serem ingeridos de maneira incorreta, acabaram intensificando doenças latentes em pacientes que estavam aparentemente saudáveis.

A farmacêutica ainda afirma que há riscos que ultrapassam a saúde, como a dependência psicológica de medicamentos, gerando uma espécie de hipocondria e necessidade constante de estar tomando remédios para curar doenças que, muitas vezes, nem existem nesse indivíduo.

O que as pessoas pensam sobre a prescrição inadequada?

De acordo com informações da Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba, as últimas mortes registradas por intoxicação de medicamentos aconteceram no ano de 2015. Muito embora no ano passado e, até o presente momento de 2017, nenhuma tenha sido notificada, os riscos ainda existem. Para saber se a população enxerga medicamentos como algo que pode representar um perigo e como veem o ato da automedicação propriamente dito, o jornal A União foi até as ruas. Confira o que disseram sobre o assunto:

O professor André Luís acredita que a automedicação oferece riscos a saudeAndré Luís - Professor: " Eu penso que a automedicação é perigosa, afinal quem tem o domínio sobre isso são os médicos. Pode ser perigoso para a saúde, porque pode acabar agravando alguma coisa que você não saiba que tem. Mas acredito que para coisas do dia a dia, como febre, tosse, coriza, tem muitas coisas que sabemos que funciona, coisa que já são do conhecimento popular".

Claudio Almeida - Ferroviário: "Acredito que não seja certo, até pelas consequências que pode trazer. Às vezes a gente acha que sabe se medicar pelo hábito, pelo próprio comercial que acaba estimulando que a gente se automedique - lá a gente tem solução para tudo. Com sinceridade, eu até faço isso, mas são apenas medicações que eu já tenha usado antes. Com meus filhos, eu não faço a mesma coisa".

Lorival Gomes - Cabeleireiro: "É muito perigoso, né? A gente tomar qualquer medicamento sem orientação de um médico pode ser muito prejudicial. É claro que, a gente já tem esse costume de tomar algum remédio que já tenha usado antes sem saber exatamente o que tem. Às vezes pode dar certo e às vezes pode não dar, depois podemos pagar mais caro. O ideal mesmo é sempre ver o médico".

Zeni Nobre - Jornalista: "Penso o seguinte, às vezes você vai na farmácia, compra o medicamento e usa ele. Aí você vai no hospital e começa uma guerrinha entre farmacêutico e médico. Não é que dizendo isso eu esteja de acordo com a automedicação, muito pelo contrário, acho perigoso. Mas esse confronto entre profissionais existe para fazer com que o cidadão compre medicamentos aleatoriamente".

Marta Lúcia - Técnica de enfermagem: "Eu acredito que as pessoas devem ser medicadas através de um médico, porque quando a pessoa é automedicada ou toma uma determinada medicação, muitas vezes compensa em uma coisa, mas descompensa em outra. Eu acho que os riscos dependem muito dos efeitos colaterais de cada medicação, algumas tem mais e outras menos, mas é preciso sempre ficar atento".

Marcos Antônio - Cabeleireiro: "Não deixa de ser sempre um risco, não é mesmo? Eu acho que a pessoa tem que saber o que ela está tomando, é bom saber o que tomar quando tiver uma gripe, uma febre ou dor de cabeça; mas não podemos esquecer que estamos apenas supondo o que a gente tem. O certo mesmo é ir no médico e procurar ver direitinho. Tem gente demais, se medicando demais sem orientação".