Iluska Cavalcante - Especial para A União
Seja devido a uma rotina exaustiva de plantões ou a grande quantidade de pacientes para um curto espaço de tempo, atendimentos ambulatoriais rápidos e superficiais estão ficando cada vez mais comuns e são um problema. Diante dessa realidade, ouvir o paciente com atenção em suas queixas e dúvidas e tratá-lo com cuidado tornou-se exceção, principalmente em uma medicina mais humanizada e que tem o tempo com o paciente como o seu principal aliado.
Rayanna Karla do Nascimento, de 23 anos, encontrou essa exceção no atendimento humanizado que recebeu durante o período que passou no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa. Os chamados por ela de “anjos de jaleco” cuidaram da jovem após um acidente de carro que a fez passar quase três meses na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 13 dias em coma induzido.
Sonho interrompido
Faltavam 15 dias para o casamento de Rayanna acontecer. Ela voltava para casa do ensaio fotográfico para seu casamento, quando um motorista alcoolizado atingiu o carro em que ela estava acompanhada do noivo, Cícero Barros, e de uma amiga. Presa embaixo do carro, ela foi arrastada por 50 metros até o veículo estancar. Os graves ferimentos provocados pelo acidente fizeram a jovem ficar quase três meses na UTI e passar por uma série de cirurgias. Outras cirurgias ainda precisam ser feitas.
Marcado para o dia 15 de julho de 2015, já faz 1 ano e 5 meses que seu casamento foi adiado. Mas isso não foi a única coisa que mudou na vida de Rayanna. O que tinha tudo para ser apenas uma história triste, acabou se transformando em um exemplo de superação.
Do médico ao maqueiro, Rayanna não esquece de nenhum profissional que cuidou da sua saúde nesses momentos difíceis. Ela relata com gratidão a forma humanizada como foi tratada por cada profissional de saúde. "Todos da equipe que me atendeu e que atende até hoje são como anjos em minha vida, me dando total suporte sempre que preciso. Todos do Hospital de Trauma sempre cuidaram de mim com um amor e um carinho que até hoje não sei explicar tamanha dedicação à minha vida", relatou ela.
Os primeiros passos na busca da sua recuperação já foram dados. Rayanna conta com orgulho que, recentemente, conseguiu andar sem a ajuda do andador. Essa foi uma das suas primeiras vitórias, resultado de muito esforço da parte dela e dos profissionais que a ajudaram.
Tratamento humanizado
A humanização na medicina, a forma como o paciente é tratado e o tempo dedicado a ele fazem toda a diferença no tratamento, e com Rayanna não foi diferente. A forma como foi tratada reflete no modo como ela lida com o acidente e na esperança de que, em breve, irá entrar andando no altar para realizar seu sonho de casar.
Um dos médicos responsáveis pela sua recuperação, e que orientou a sua família durante o período na UTI, foi o clínico geral Breno Gracioso Cardoso. Ela fala com carinho do médico que, segundo a jovem, "é muito humano". Para Rayanna, a dedicação de Breno não foi apenas em curá-la: "Ele se dedica muito pela vida daqueles que precisam", afirmou.
Breno Gracioso tem 40 anos e é médico há cinco. Sua forma mais humanizada de tratamento vai desde o paciente até os seus familiares. “Minhas consultas são demoradas mesmo, gosto de explicar direitinho o que está acontecendo, sem aumentar ou diminuir para o familiar", destacou.
O clínico geral defende a prática de consultas mais demoradas, explicando que uma boa orientação ao paciente gera uma confiança, que é parte essencial do tratamento. "A orientação ajuda na confiança que o paciente gera no médico. Aquele médico que só passa o medicamento acaba fazendo com que o paciente não crie empatia por ele e vai acabar procurando outro médico, ou tomando o medicamento com menos confiança", disse.
O diálogo e a atenção que o médico dá ao paciente é importante ao ponto de fazer com que exames ou até medicamentos sejam evitados. Breno Gracioso explica que algumas orientações e um pouco mais de tempo dedicado às consultas muitas vezes são o suficiente para melhorar o estado de saúde do paciente. "Quando o paciente chega com uma dor no braço, por exemplo, e traz a suspeita de um problema cardíaco, pode ser apenas um problema muscular causado por falta de exercícios ou por sobrecarga no trabalho, nesse caso, um alongamento, caminhadas e até um banho de mar são as recomendações que eu faço”.
Aderir a uma medicina mais humanizada no dia a dia requer esforços e até sacrifícios. Breno não se dá ao luxo de trabalhar cansado e nem durante vários plantões seguidos. Ele diz precisar de atenção para exercer a sua profissão, e que fazer diferente disso é incompatível com a profissão. “Preciso de atenção focada, ter a cabeça funcionando bem. Faço o que gosto, mas dentro do meu limite”, relatou.
Pressa prejudica a consulta e a relação entre médico e paciente
O tempo sugerido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a duração de uma consulta médica é de 15 minutos. Durante o período da consulta, o médico precisa conhecer o paciente, o seu histórico e sintomas para, então, tentar chegar a um diagnóstico mais preciso.
Para a gastrohepatologista e professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Maria de Fátima Duques, o tempo sugerido pela OMS, quando bem aproveitado e utilizado com objetividade e atenção, é o suficiente para a realização de uma boa consulta. “É preciso que haja uma pontuação do profissional, pois sem ela, a consulta pode virar uma conversa à deriva, onde por mais tempo que se tenha, não há um bom resultado”, comentou.
Os casos de atendimentos rápidos e que terminam com um diagnóstico de virose ou um encaminhamento de exames é cada vez mais frequente. Na opinião de Fátima Duques, esse comportamento prejudica as consultas e pode comprometer a relação entre médico e paciente. ”Isso pode relegar o elo médico-paciente a um plano inferior e trazer prejuízo ao exercício da medicina”, enfatizou.
O motivo principal, na opinião da médica, é a baixa remuneração nas consultas. “A pressa também parece dever-se às múltiplas atividades que o médico tem de exercer para conseguir uma remuneração digna”. Ela explica que o médico clínico tem uma das piores remunerações quando comparado às especialidades diagnósticas ou cirúrgicas.
Para Fátima Duques, a mudança não depende apenas do médico individualmente. Ela enfatiza que os sistemas e as políticas de saúde também precisam mudar para que essa situação melhore. “Com isso, a pressa com certeza diminuirá e todos se beneficiarão, sobretudo o paciente, que sem dúvida necessita de atenção e cuidado, especialmente quando fragilizado pela doença”.
A empresária Jeovani Falcão, de 53 anos, sabe bem o que é se sentir fragilizada por estar doente. Ela é do tipo de pessoa que só vai ao médico se algo começa a incomodar ou a tirar sua qualidade de vida. Quando começou a sentir dores procurou uma reumatologista, mas não foi uma boa experiência. Segundo ela, a médica não teve paciência para explicar e nem para ouvir. Na busca por uma melhora, procurou um novo médico.
Dessa vez, a consulta foi bem diferente. A empresária relata que o médico requisitou vários exames para tentar descobrir o que ela tinha, demonstrando interesse e cuidado. Foi descoberto que Jeovani tem tendência a doença reumatológica. O médico explicou cuidadosamente sobre a doença e como tratá-la. Para Jeovani, a mudança de médico fez com que ela se sentisse apoiada e confortável. “Confiança é tudo na vida da gente. Se consultar com alguém que diz: ‘vou tirar as suas dores’, faz com que você se sinta muito mais segura de que vai melhorar”, disse
Slow Medicine
Olhar o paciente como uma pessoa completa e não apenas como um conjunto de enfermidades é a ideia do movimento Slow Medicine ("medicina sem pressa", em tradução livre), que prioriza, acima de tudo, o tempo como parte essencial para a abordagem médica.
Na “Slow Medicine” a escuta na hora da consulta médica deve ser realizada de forma cuidadosa e respeitosa para o paciente, principalmente em relação aos seus valores e individualidade.
Juntamente com o médico José Carlos Campos Velho, diretor do programa nacional, e o médico Kazusei Akiyama, responsável pela divulgação do movimento no Brasil, o médico Dario Birolini fundou a “Slow Medicine” no Brasil. Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), já foi professor titular de cirurgia geral e, atualmente, é professor emérito da USP. Ele define a prática como uma forma de oferecer uma atenção individual e personalizada, visando determinar as causas das queixas dos pacientes.
A filosofia da “Slow Medicine” também faz uma crítica ao uso inadequado da tecnologia na medicina. Ela prioriza a diminuição de custos para investir no cuidado profissional, tanto do médico como do paciente. O movimento enfatiza que não é contra a tecnologia, mas defende uma utilização cautelosa e apropriada.
Para Dario, a relação entre médico e paciente é “o fulcro de nossa profissão”. “O diálogo entre paciente e médico é fundamental para levantar hipóteses diagnósticas consistentes que nos orientam a respeito de quais exames complementares são necessários para confirmar o diagnóstico”, explicou.
Segundo o médico, ver a avaliação clínica apenas como algo complementar é um problema. “É fundamental que os médicos como os pacientes não se deixem enganar valorizando excessivamente inovações e tecnologia ou exames e medicamentos”.
A filosofia da “Slow Medicine” ainda não é uma realidade no Brasil.“Eu costumo dizer que a população, tanto a profissional como a leiga, está se tornando cada vez mais vítima dessa dupla fatídica 'Innovation e Technology'. Só são valorizadas as medidas tomadas em obediência a estes pré-requisitos”, comentou.
Dario diz não ter dúvidas que a adoção desses princípios pode ocorrer no Brasil, assim como já ocorre em outros países. No entanto, devido a sérios prejuízos econômico-financeiros que a adoção da filosofia pode trazer, seria uma tarefa árdua que deverá contar tanto com a participação de entidades públicas, como de associações profissionais e de escolas de medicina. “Inevitavelmente essa adoção pode levar sérios prejuízos, tanto a setores da indústria, particular à de medicamentos, como a numerosos profissionais de saúde, que, por ignorância ou por interesses pessoais, adotam princípios eticamente questionáveis”, explicou.