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OUTUBRO ROSA

Autoestima faz parte do tratamento

publicado: 09/10/2023 13h47, última modificação: 09/10/2023 13h47
Mulheres que venceram o câncer falam da importância de recursos como a prótese mamária, capilar e perucas
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Maria Teresa fez mastectomia aos 27 anos e disse que é fundamental estar bem para enfrentar a doença - Foto: Ortilo Antônio

por Michelle Farias*

“O câncer não vai me abalar”. Mesmo com o primeiro impacto causado pelo diagnóstico de câncer de mama aos 27 anos, a fisioterapeuta Maria Teresa Morais decidiu “não descer do salto”. Vaidosa, ela fazia questão de ir a todas as consultas com o cabelo arrumado e maquiagem. Porém, nem todas as mulheres que enfrentam o tratamento contra o câncer conseguem manter a autoestima.

Algumas preferem se isolar ao perceber a queda do cabelo e passar pela mastectomia. Além de elevar a autoestima das mulheres, a cirurgia de reconstrução da mama, assegurada por lei, também garante qualidade de vida e saúde. As perucas ou próteses capilares e tatuagens de mamilo também são mecanismos que ajudam as mulheres no processo de se reconhecerem após a retirada da mama.

“Fiz a mastectomia. Teve aquele impacto todo, porque foi uma mutilação. Eu com 27 anos, cheia dos sonhos, estava na minha graduação, tinha sonho de ter filho, me formar, casar, viajar, e naquele momento veio a reflexão: eu tô conquistando agora as minhas coisas, eu queria ter um filho planejado e de repente veio a doença”, conta Teresa.

Na mesma cirurgia que fez a remoção, o cirurgião plástico também realizou a reconstrução mamária de Teresa. “Eu ganhei uma micropigmentação das sobrancelhas, então entrei no bloco cirúrgico com as sobrancelhas feitas, escovei meu cabelo, pintei. Depois de alguns meses ele caiu todo, mas tudo bem”, relembra.

Para ela, fazer as unhas, se maquiar e usar prótese capilar não representavam apenas um cuidado com a beleza, mas parte do seu tratamento. “Autoestima não é estética, é psicológico. É fundamental você estar bem para enfrentar o tratamento, as consultas, as sessões de quimio”, avalia Teresa.

Ouvir da mastologista que teria que fazer a retirada completa da mama foi motivo de lágrimas e desespero para Kelle Silva. Os cabelos, que estavam na altura da cintura, também iriam cair durante o tratamento, conforme anúncio feito pela médica. Ela descreve o momento como sendo o segundo impacto, logo após ser diagnosticada com câncer de mama. Kelle guarda na memória a data exata que entrou no bloco cirúrgico: 27 de julho de 2019, às 13 horas, 30 minutos e 57 segundos.

Foto: Ortilo Antônio
"Eu tive que quebrar vários tabus para chegar aqui. Mas me sinto como uma borboleta. Quando ela sai do casulo, o céu é o limite porque ela não tem mais barreiras. Quando ela se aceita, quando aceita aquela condição que ela não escolheu, mas ela teve que sobreviver a toda aquela tempestade, o céu é o limite" -- Kelle Silva

O procedimento que teria duração de uma hora e meia chegou a cinco horas. Ela conta que durante a cirurgia a equipe médica constatou oito linfonodos comprometidos em sua axila e fez a retirada com o esvaziamento. “Quando eu cheguei no quarto tive um choque. Não foi fácil”, relembra.

Aos poucos, o cabelo começou a cair e Kelle já não se reconhecia ao ver sua imagem no espelho. “Você perde sua identidade, a sua referência. Você está mutilada, sem cabelo e a sociedade está com pena de você. Você em que dar conta de casa, da família, do seu filho e dos olhares e desprezo das pessoas, que é o que mais mata a gente. A sociedade é preconceituosa”, lamenta.

Nos momentos em que tentava cuidar da aparência ela esbarrava no preconceito das pessoas que acreditavam ser o câncer uma doença contagiosa. No ano de 2021 ela fez a cirurgia de reconstrução da mama, no Hospital São Vicente. Ela descreve o procedimento como sendo “vida” e lembra a primeira vez que vestiu um biquini e foi à praia. “Foi a melhor sensação do mundo. Quando o meu cabelo voltou a crescer, quando coloquei a prótese eu vi minha vida voltando ao normal”, descreve.

Câncer faz mulheres terem contato com medos e incertezas, diz psicóloga

Como ficará minha aparência durante o tratamento? O cabelo vai cair? Serei abandonada por meu companheiro (a) e amigos por causa da aparência? Vou perder o emprego? A psicóloga Lanna Elias explica que esses questionamentos são feitos por várias mulheres diagnosticadas com câncer de mama. Segundo ela, essas inseguranças geram um tensionamento e conflito interno que interferem diretamente no processo saúde-doença.

“Seria um momento que ela poderia estar focada no seu tratamento, mas outras questões correlacionadas às próprias emoções acabam também fazendo parte, o que é natural já que nós somos humanos isso nós somos nutridos por emoções. Mas esses sentimentos precisariam ser melhor trabalhados para que esse processo de tratamento funcione da melhor forma possível”, pontuou a psicóloga. O câncer faz com que a mulher entre em contato com inseguranças, medos, dúvidas, incertezas sobre o futuro e isso por si só afeta a sua vida. A psicóloga descreve o processo, desde a descoberta da doença, como um luto, pela perda da saúde e também pela aparência que irá sofrer alterações provocadas pelo tratamento.

“A gente fala sobre o significado do luto da perda da aparência que se tinha antes. Consideremos também que a nossa sociedade é estética. Ela exige, principalmente do corpo feminino, um padrão estético que é inalcançável, inatingível, até porque nós atualmente falamos inclusive sobre a importância de as mulheres compreenderem os seus próprios corpos, de entenderem as suas de acolherem a si mesmo”, pontuou a psicóloga.

Tatuagem ressignifica a cicatriz deixada pela mastectomia

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Dini Carvalho atende mulheres que tiveram câncer e faz tatuagens após a reconstrução mamária - Foto: Arquivo pessoal

Traços, tintas e cores se misturam para dar um novo significado às mulheres que fizeram mastectomia. No estúdio de Dini Carvalho, as mulheres que a procuram para fazer a tatuagem do mamilo após a reconstrução mamária chegam na maioria das vezes fragilizadas por tudo que a cicatriz representa. No local, elas encontram acolhimento e o diálogo que vai melhor direcionar para escolha da tatuagem.

As mulheres optam principalmente por tatuar uma arte na mama. “Eu me sinto extremamente honrada de ser escolhida por essas mulheres e ao mesmo tempo eu consigo vibrar junto com elas. Eu sinto a felicidade delas quando a gente consegue cobrir essa cicatriz e ressignificar. Trazer um significado bonito para essas cicatrizes. Apesar do sofrimento que a doença traz, o fato da pessoa tá viva é uma vitória e ela tem que ser celebrada”, avaliou a tatuadora Dini Carvalho.

 O psicólogo Michel Praxedes afirma que, por ser a mama um símbolo da feminilidade, a sua remoção causa grande impacto nas mulheres, assim como a queda do cabelo. Ele explica que a soma das duas consequências do tratamento afeta diretamente a autoestima por provocar a sensação de perda da feminilidade.

“Essa mastectomia pode trazer sentimentos de tristeza, ansiedade e depressão. Lidar com as mudanças físicas pode ser emocionalmente desafiador e em alguns momentos essas mulheres também podem buscar o isolamento. Como estão com a imagem debilitada, elas acabam não querendo se expor ou se mostrar para as pessoas ao redor. Então pode gerar um afastamento social”, explica.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 08 de outubro de 2023.