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Bayeux: a cidade cortada pelas águas

publicado: 04/04/2023 12h30, última modificação: 04/04/2023 12h30
Município possui a 5ª maior população do estado, tradições culturais, ecossistemas importantes e força produtiva
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Devido à forte presença dos mangues cortando o território, Bayeux é chamada de cidade dos manguezais. Fotos: Ortilo Antônio.
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Avenida Liberdade recebe grande fluxo de veículos todos os dias
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Algumas comunidades vivem da pesca artesanal e criação de moluscos
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Ponte Sanhauá, de 1840, guarda marca da ocupação holandesa
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Tradição do Cavalo Marinho se mantém, desde 1970, em circulação fora da Paraíba. Foto: Fernando José de Oliveira/Acervo Pessoal
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por Nalim Tavares*

Há cerca de 15 minutos de João Pessoa, via Avenida Liberdade, está Bayeux — o quinto município mais populoso da Paraíba, com cerca de 97.519 habitantes e muita história para contar. A cidade surgiu às margens de um afluente do Rio Paraíba — chamado Paroeira —  e, hoje, luta para manter viva a tradição do Pai do Mangue e Boi-Bumbá.

Antigamente, Bayeux era parte de Santa Rita. O trecho do que, um dia, viria a se tornar um município independente começou a ser chamado de Barreiros em 1634, em decorrência de um engenho de mesmo nome que existia na região. Emancipado em 15 de dezembro de 1959, a cidade paraibana ganhou nome homônimo a uma cidade na França, por sugestão do jornalista Assis Chateaubriand. A ideia era fazer uma homenagem e, ao mesmo tempo, uma analogia à primeira cidade francesa a ser libertada do poder nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Os primeiros habitantes de Bayeux foram os povos indígenas potiguara e tabajara, que viviam no Litoral paraibano, às margens do Rio Paraíba e seus afluentes. Assim, no município, a vida, a cultura e a economia se desenvolveram ao redor do mangue, a partir da pesca, da captura de caranguejos e da coleta de mariscos. Por esse motivo, Bayeux recebeu a alcunha de “cidade dos manguezais” ou “município dos mangues”.

Nascido e criado em Bayeux, Manoel Soares Neto, de 58 anos, mora com a família na comunidade Jardim São Lourenço, às margens do mangue de mesmo nome. Ele conta que “viver em Bayeux é viver como todo pescador. Receber o que vem do mangue, confiar no que a maré vai trazer para a gente. É assim que a minha família viveu por todo esse tempo, saindo com o barco e com a rede para pegar peixe e caranguejo.”

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Ponte Sanhauá, de 1840, guarda marca da ocupação holandesa

Até 1940, antes de Bayeux ser considerado município, a pesca era o que garantia a sobrevivência dos moradores. Em 1850, a região onde hoje se localiza a Ponte Sanhauá era chamada de “Baralho”, porque muitos pescadores se reuniam em massa para jogar cartas enquanto esperavam seus pescados, estendidos na ponte, secarem o bastante para vender e consumir. Construída em 1840 pelos holandeses na época da colonização, a ponte foi tombada como Patrimônio Histórico da Paraíba, e já foi a principal via de acesso entre João Pessoa, Bayeux e o interior do estado. Devido ao processo de oxidação da estrutura de ferro, a Ponte Sanhauá está interditada, e apenas a passagem de pedestres, ciclistas e motociclistas é permitida.

Bayeux pertenceu a Santa Rita até 15 de dezembro de 1959, quando adquiriu o status de município. Apesar da industrialização, a cultura da pesca e do mangue continuou presente, visto que muitas famílias permanecem vivendo da pesca. Manoel lembra de histórias e músicas contadas pelas gerações anteriores, sobre como as águas garantiam a sobrevivência, e como o Pai do Mangue, figura típica do folclore nordestino, protegia a vida no manguezal.

O sustento que vem do rio e do mangue

Hoje em dia, com a poluição dos recursos hídricos, o capital gerado pela pesca tem diminuído na região. Entretanto, a criação de moluscos e a pesca artesanal no estuário do Rio Paraíba ajudam a complementar a renda dos moradores de Bayeux — cujo gentílico é baienense, mas a expressão “baieense” se tonou popular.

De acordo com Rubens Elias, antigo morador de Bayeux e professor associado da Universidade Federal do Oeste do Pará, Rubens Elias, “a poluição ambiental impactou severamente a população de caranguejos nas comunidades, quase ao desaparecimento, e outro indicador de poluição ambiental no ecossistema é o rejeito de poluentes industriais.”

Segundo o professor, que também é coordenador do Núcleo de Pesquisa Socioambiental dos Recursos Hídricos e Pesqueiros na Amazônia (Nupeam), é possível “fazer um recorte analítico da divisão sexual do trabalho pesqueiro nessas comunidades ribeirinhas, onde os homens se dedicam à captura do caranguejo e guaiamum; as mulheres dedicam-se precipuamente à coleta e beneficiamento dos mariscos e outros moluscos, destinados geralmente à venda em feiras. As mulheres dedicam-se ao beneficiamento da carne do caranguejo, o que gera valor um pouco maior que a venda do crustáceo.”

Formado em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Rubens morou perto da comunidade Jardim São Lourenço, e conta que a pesca despertou sua atenção desde a infância. “No mestrado em Sociologia, pesquisei a construção de territórios de pesca a partir das relações simbólicas que os comunitários criaram tomando como referência a existência de encantados, almas e espíritos no manguezal. Interessante como esse debate está em alta nas últimas décadas, e hoje até tem série sobre o tema. Bayeux foi e é a minha referência.”

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Tradição do Cavalo Marinho se mantém, desde 1970, em circulação fora da Paraíba. Foto: Fernando José de Oliveira/Acervo Pessoal

Mais de cinco décadas do Cavalo Marinho

Lugar de forte tradição folclórica, Bayeux é lar de um grupo de Cavalo Marinho reconhecido internacionalmente pela originalidade. Com canto, dança e uma série de adereços, o grupo luta para passar adiante uma variante da brincadeira do Boi de Reis, com personagens humanos, animais e mitológicos.

O Cavalo Marinho de Bayeux surgiu em 1970, no Engenho Novo, sob o comando do Mestre Raul, conhecido como Mestre Gasosa. Com o passar dos anos, o grupo foi ficando mais e mais popular, e chegou até a gravar um disco de edição limitada, em português e inglês, intitulado “Viagem dos Sonhos.”

Membro da Comunidade Paraibana de Folclore, o brincante Fernando José de Oliveira, conhecido como Nando do Folclore, conta que grandes mestres do Cavalo Marinho nasceram em Bayeux. Segundo ele, apesar do reconhecimento internacional do grupo, que tem passagens pela China, Portugal e Áustria, “é da comunidade que saem os futuros brincantes e os futuros mestres, por isso, hoje, focamos muito no comunitário.”

Atualmente em busca de um novo mestre, o grupo ensaia toda sexta-feira, no número 171 da Avenida Estrela, em Bayeux, onde o Mestre Pedro, de Pedras de Fogo, oferece aulas de rabeca a partir das 16h. Desde 2003, o Cavalo Marinho começou a enfrentar uma série de dificuldades financeiras.

O grupo conta com o auxílio de um projeto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em parceria com a empresa Alphaville Bayeux, denominado Salvaguarda Emergencial do Cavalo Marinho do Mestre Zequinha, em homenagem a um dos grandes mestres do grupo, falecido em 2012. A salvaguarda começou em outubro do ano passado, e segue até o dia 6 de julho de 2023. Durante esse período, o grupo procura se reestruturar enquanto uma das grandes manifestações culturais do município.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 02 de abril de 2023.