Mais de 28 mil paraibanos deixaram de receber o Bolsa Família em julho deste ano, após conquistarem aumento da renda familiar, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Os cancelamentos de benefícios concentraram-se, principalmente, nas regiões Nordeste (39%) e Sudeste (34%). De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 80% das novas vagas de trabalho criadas no país, durante o primeiro semestre deste ano, foram ocupadas por pessoas inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), principal ferramenta de identificação de famílias em situação de vulnerabilidade social. Por meio desse cadastro, são concedidos diversos programas sociais como o Bolsa Família, o Pé-de-Meia, a Tarifa Social de Energia Elétrica, o Auxílio Gás, o Programa Minha Casa, Minha Vida, entre outros benefícios.
A guarabirense Maria do Socorro de Almeida, de 46 anos, é um dos exemplos de quem conquistou a independência financeira. Após conseguir um emprego, com carteira assinada, como empregada doméstica, em João Pessoa, deixou de receber o benefício. “Eu me separei, estava desempregada e com dois filhos, foi quando dei entrada no Bolsa Família. Mesmo assim, continuei fazendo faxinas. Eu já trabalhava, mas queria uma coisa mais certa, então, procurei um emprego com carteira assinada”, contou.
De acordo com o advogado e especialista em políticas públicas Cosmo Júnior, programas de transferência de renda condicionada contribuem para o desenvolvimento do capital humano. “No Brasil, temos como exemplo o Programa Bolsa Família (PBF) que é condicionado, ou seja, as famílias beneficiárias devem cumprir compromissos em Saúde e Educação”. Para ele, é essencial que essas políticas públicas de transferência de renda sejam aliadas ao acesso ao ensino (e a permanência) e à qualificação profissional (curso técnico e superior). “O estímulo à capacitação e maior facilidade ao crédito, para fins de empreendedorismo, são meios para promover o desenvolvimento humano, a autonomia e a inserção deles no mercado de trabalho”, defende Cosmo.
Maria do Socorro, desde que começou a trabalhar como empregada doméstica não voltou a necessitar do benefício, tendo em vista que conseguiu uma relativa segurança financeira com o emprego. No entanto, essa não é a realidade de todos que deixam de receber o valor. Para resguardar esses indivíduos, o programa Bolsa Família possui, em seu arcabouço, a Regra de Proteção, que consiste em garantir o apoio financeiro aos beneficiários que superaram a linha da pobreza, mas ainda enfrentam vulnerabilidade de renda. Atualmente, de acordo com o economista Alexandre Nascimento, o beneficiário permanece recebendo 50% do valor por um período variável. “Por exemplo, até 12 meses, para quem tem renda instável, e até dois meses, para quem possui renda estável ou permanente”, explicou.
A empregada doméstica enquadrava-se no último caso, por isso, passou por um período de transição até encerrar definitivamente o recebimento. “Eu ainda fiquei recebendo uma parte, mas depois de um tempo foi realmente cortado e não ganhei mais”, relatou Maria do Socorro.
Cosmo Júnior explica que a política pública foi desenhada de modo que abarcasse essa fase de mudança na situação econômica dos beneficiários. “Isso acontece quando se alcança a autonomia financeira por meio do ingresso no mercado de trabalho ou porque passou a empreender, mas sem perder de forma imediata a renda da política ao qual é beneficiário”, explicou o advogado.
Retorno garantido
Caso ocorra a volta para uma situação de vulnerabilidade social, o antigo beneficiário tem prioridade para retornar ao Bolsa Família, dentro de um prazo de até 36 meses.
“É preservada a prioridade de reingresso por três anos. Conceitualmente, isso segue o modelo de tapering, isto é, regras de atenuação ou redução gradual, que é amplamente usado em reformas de bem-estar para alinhar incentivos ao trabalho e suavizar a saída dos programas”, explicou Alexandre Nascimento.
O economista destaca que o próprio CadÚnico atua como ferramenta de acompanhamento socioeconômico das famílias, mesmo após o desligamento do programa. “O CadÚnico é, por desenho, instrumento de identificação e monitoramento socioeconômico e permanece ativo para políticas públicas mesmo quando a família deixa de receber transferências”. Além disso, de acordo com o especialista, o MDS ainda estrutura a gestão municipal com Comissões Intersetoriais e informativos que acompanham Regra de Proteção, reingressos e condicionalidades, além de priorizar quem saiu por aumento de renda para reentrada em até 36 meses, caso necessário. “Em termos de governança, isso é crucial para medir retenção no emprego, progressão salarial e risco de recaída”, defende Alexandre.
Para Maria do Socorro, o impacto vai além dos números e a estabilidade no emprego foi essencial para melhorar a vida financeira. “Acho melhor trabalhar do que depender do benefício. O emprego é mais certo, me dá mais segurança.”
Papel dos gestores
As políticas públicas de combate à pobreza são de competência comum da União, estados e municípios, conforme a Constituição Federal. “Entendo que os Estados e Municípios, diante dos problemas como pobreza, desigualdade, insegurança alimentar e nutricional, moradia, acesso à terra, podem, de forma integrada, desenhar políticas públicas de transferência de renda (ou outras) que complementem e potencializem as ações já executadas pelo Governo Federal”, afirmou o advogado e especialista em Políticas Públicas, Cosmo Júnior.
Na Paraíba, um exemplo de política de combate a desigualdade é o Abono Natalino, voltado às famílias em situação de extrema pobreza, inscritas no Programa do Bolsa Família. Assim, a partir dos dados do Ministério do Desenvolvimento (União), a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (Estado) consegue eleger os beneficiários.
Eu Posso: microcrédito viabiliza a criação de pequenos negócios
Para muitos ex-beneficiários do Bolsa Família, o empreendedorismo também tem sido um caminho. O acesso ao microcrédito é um dos pilares para viabilizar essa trajetória. Em João Pessoa, o programa municipal Eu Posso oferece crédito a pequenos negócios, formais e informais, com o objetivo de fomentar a economia local e incluir trabalhadores informais no sistema financeiro.
De acordo com o Secretário Executivo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedest), João Bosco, o programa busca incluir no sistema financeiro pessoas que, normalmente, ficam de fora, como os trabalhadores informais e os microempreendedores. “Também fornecemos, além do crédito, capacitação, orientação, plano de negócio, acompanhamento técnico e pós-crédito, para que os recursos, realmente, transformem-se em desenvolvimento de negócio e geração de renda”, destacou.
Ainda segundo o secretário, existem editais específicos, vinculados a políticas públicas que visam incluir mulheres em situação de violência, a comunidade LGBTQIA+, mulheres negras, quilombolas, entre outros.
Em 2025, já foram atendidos 216 empreendimentos, sendo 107 pessoas físicas e 109 pessoas jurídicas. Foram desembolsados créditos na ordem dos R$ 2.035.700 representando uma média de R$ 9.425 por empreendimento.
Bolsa Família
Maior programa de transferência de renda do Brasil, tanto em número de famílias atendidas quanto em volume de recursos investidos, pelo Governo Federal, instituindo-se como o principal instrumento de combate a pobreza no Brasil.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, o pagamento do benefício, que ocorre neste mês, de 17 a 30 de setembro, soma R$ 12,96 bilhões, alcançando 19,07 milhões de domicílios em todos os municípios do país. O valor médio do benefício é de R$ 682,22.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de setembro de 2025.