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Rota une natureza e cultura indígena

publicado: 29/09/2025 08h44, última modificação: 29/09/2025 08h44
Selecionado para o projeto Feel Brasil, roteiro turístico promove imersão pelas paisagens e tradições de quatro cidades
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Entre praias, rios e manguezais, iniciativa busca projetar o estado como destino de atividades autênticas no cenário internacional, em contraste com ofertas do turismo de massa | Fotos: Divulgação/Sebrae-PB

por Priscila Perez*

Algumas experiências têm o poder de transformar quem somos. Mário Quintana já dizia que “viajar é mudar a roupa da alma” — e poucas viagens vestem tão bem essa definição quanto a Rota Terra dos Potiguaras. Recém-incluída no projeto Feel Brasil, da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), ela apresenta ao mundo o que há de mais autêntico no Litoral Norte da Paraíba, de Mataraca a Baía da Traição, passando pelos municípios de Rio Tinto e Marcação. Entre trilhas, manguezais, rituais e sabores ancestrais, o visitante tem a oportunidade ímpar de vivenciar, de perto, a cultura potiguara, contribuindo para a geração de renda e a preservação cultural local.

Que o roteiro é diferente, ninguém duvida. Mas nem todos percebem o quanto é estratégico para o turismo paraibano. Na vitrine do Feel Brasil, ele divide espaço com outros 100 destinos de 61 municípios brasileiros. Um reconhecimento que, de acordo com Ferdinando Lucena, presidente da Empresa Paraibana de Turismo (PBTur), mostra que a Paraíba tem exatamente o que os viajantes procuram: vivências únicas, que fogem do turismo de massa, com raízes culturais fortes. “Trata-se de um passo importante, que projeta o estado no cenário internacional como destino autêntico, que alia desenvolvimento com preservação cultural e respeito às comunidades tradicionais”, afirma. 

Produto é exemplo de conexão com o “Brasil profundo”

“Esse reconhecimento garante a inserção da Rota Terra dos Potiguaras em iniciativas estratégicas de promoção e capacitação, que vão além do turismo tradicional e dialogam com um público interessado em vivências culturais e sustentáveis”, aponta a titular da Secretaria do Turismo e Desenvolvimento Econômico da Paraíba (Setde), Rosália Lucas, destacando que essa conexão com o que é autêntico e transformador tem tudo a ver com o que a Paraíba pode — e quer — oferecer ao mundo.

Não por acaso, o intercâmbio cultural é o grande atrativo desse roteiro. Ferdinando lembra que a proposta do Feel Brasil é conectar o turista com o “Brasil profundo”, que transborda identidade e sabor. “Investir nessa rota é apostar em um modelo de turismo que promove inclusão e preserva o patrimônio cultural e ambiental da Paraíba”, complementa. Praias, mangues, nascentes, restingas e reservas ecológicas compõem o cenário. Mas o que realmente transforma essa viagem em algo memorável é o mergulho na ancestralidade do povo potiguara.

Para Regina Amorim, gestora de Turismo e Economia Criativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas na Paraíba (Sebrae-PB), um dos principais apoiadores do projeto, a rota é uma das experiências mais encantadoras e profundas do estado — não só pela beleza dos lugares, mas pelo que eles representam, em termos de história, tradição e pertencimento. Uma imersão que, segundo ela, tem o poder de transformar a visão de mundo de qualquer pessoa. “Visitar os municípios da Rota Terra dos Potiguaras é percorrer paisagens distintas, conhecendo aldeias e comunidades com histórias, costumes, ritos, crenças, danças, sabores e saberes, que proporcionam ao turista momentos memoráveis”, frisa.

Excursão por aldeias permite contato com herança de povos originários

Os turistas podem participar de rituais e provar iguarias | Foto: Divulgação/Sebrae-PB

Quem também conhece de perto essa experiência é Laís Catarine, turismóloga e Agente de Roteiros Turísticos (ART) ligada ao Sebrae-PB. Para ela, o turismo tem sido um importante instrumento de valorização da cultura indígena, ao permitir que as tradições sejam conhecidas e respeitadas pelo público, sem abrir mão do desenvolvimento local. “O turismo possibilita que a cultura indígena seja valorizada, preservada e transmitida entre gerações, ao mesmo tempo em que promove melhorias socioeconômicas para as comunidades”, explica.

Esse formato, que tem como base o etnoturismo, aposta na combinação entre natureza e cultura, convidando o visitante a conectar-se com o cotidiano do povo potiguara — a única etnia indígena que permanece em seu território de origem no país. Hoje, são cerca de 20 aldeias espalhadas pela região, com raízes que antecedem a chegada dos colonizadores, quando seus antepassados ocupavam boa parte da faixa litorânea, entre os rios Mamanguape e Paraíba. “Eles defenderam suas terras contra a colonização e a escravidão e, hoje, embora muitos ainda atuem na agricultura de subsistência e na pesca artesanal, são indígenas do tempo presente, que estudam, trabalham fora e lidam com os desafios contemporâneos”, conta Laís.

Reflexos

Os resultados dessa abordagem já começam a aparecer no dia a dia. Conforme Ferdinando Lucena, da PBTur, a Rota Terra dos Potiguaras tem despertado o interesse de agências e operadoras de turismo, movimentando uma cadeia que envolve pousadas, restaurantes, artesãos, guias e hospedagens comunitárias. Ao todo, há 36 agências filiadas, inclusive com empreendedores do próprio território. Um deles é Wenison Medeiros, da Índio Viagens e Turismo, que, há mais de oito anos, atua com o turismo de base comunitária e conhece, como poucos, os detalhes da rota. “Recebemos pessoas do Brasil inteiro e de países como Itália, Portugal, Espanha, França e Bélgica. O que elas buscam aqui é algo que não encontram em nenhum outro lugar: conexão verdadeira com os povos originários”, detalha.

Segundo ele, os pacotes vão de um a cinco dias e incluem passeios de buggy, de barco e trilhas em áreas de manguezal e de Mata Atlântica, além de vivências culturais e espirituais nas aldeias. Os turistas participam de rituais como o toré, banhos de argila, retirada de mariscos, aprendem com os anciãos e degustam a culinária indígena. Há, ainda, apresentações de dança e de música, exposição de artesanato e travessias em rios como o Camaratuba.

Investimentos e diálogo com a comunidade fortalecem o projeto

Apesar de ainda não existirem dados consolidados sobre seu impacto econômico, já que a rota foi instituída no fim de 2024, por meio de uma parceria entre a Setde, a PBTur e o Sebrae-PB, os reflexos já são visíveis para quem vive e trabalha na região. Para se ter ideia, entre 2025 e 2026, estão previstos mais de R$ 133 milhões em investimentos para impulsionar o turismo local, com foco na interiorização e na valorização cultural. Isso inclui melhorias em infraestrutura, acessibilidade e ações de qualificação.

De acordo com a titular da Setde, parte dessas ações já saiu do papel, como o repasse de R$ 4,12 milhões para a construção de um portal em Baía da Traição e a pavimentação do acesso ao Forte Velho, em Lucena. O governo ainda tem atuado na formalização dos serviços turísticos, promovendo workshops e fortalecendo as Instâncias de Governança Regional (IGRs), que ampliam o diálogo com as comunidades e contribuem para a formação de agentes locais de turismo. O artesanato potiguara também vem ganhando visibilidade com oficinas, capacitações e espaços em eventos como o Salão do Artesanato Paraibano. “E não podemos nos esquecer de que as experiências culturais e ecológicas oferecidas nas aldeias fortalecem o etnoturismo e geram renda direta, por meio do artesanato, da gastronomia e da oferta de serviços locais”, observa Rosália Lucas.

Construção coletiva

Para que o turismo aconteça de forma respeitosa e sustentável, é preciso que haja um diálogo contínuo e aberto com a população. Franklin Oliveira, presidente da IGR da Rota Terra dos Potiguaras, explica que esse trabalho começa com a escuta ativa das lideranças indígenas. “A rota foi pensada respeitando as áreas sagradas, as tradições e os modos de vida das comunidades”, ressalta. Na prática, cada aldeia participa da criação dos produtos turísticos e define o que quer oferecer. Há locais que permanecem restritos, por serem santuários sagrados, enquanto outros tornam-se oportunidades para exibir rituais e saberes. “São vivências autênticas, que não foram ‘montadas’ para apresentar aos turistas”, reforça.

As decisões são tomadas em assembleias mensais, que reúnem representantes das aldeias, gestores públicos e empresários da região. “Tudo é construído de forma horizontal”, destaca Franklin, lembrando que o grande desafio é não apenas engajar mais empreendedores e guias, mas também promover um crescimento ordenado no território. “Nossa preocupação é não perder o controle, para que a experiência não se transforme em algo invasivo”, diz. O objetivo, segundo ele, é consolidar um turismo de base comunitária cada vez mais qualificado, que preserve o meio ambiente, estimule o desenvolvimento local e respeite o tempo das aldeias.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de setembro de 2025.