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Cada vez mais mulheres ocupam os canteiros de obras

publicado: 25/03/2018 00h05, última modificação: 25/03/2018 17h26
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Fernanda Ximenes trabalhava como chef de cozinha em São Paulo, mas voltou à terra natal e se tornou sócia e diretora de construtora - Foto: Ortilo Antônio

tags: canteiros de obras , engenharia civil , engenheiras , construtoras , crea-pb


Mariana Lira

Especial para a União

Mulheres que entenderam que o lugar delas é onde elas querem vêm alterando as estatísticas em cargos de predominância masculina, como a construção civil. Pesquisas evidenciam que a força de trabalho feminina está aumentando, tanto nos escritórios de engenharia, quanto em canteiros de obra do Brasil. Dados do Ministério do Trabalho e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), entre 2002 e 2012, mostram que a participação das mulheres na construção civil cresceu 65%. Ainda conforme o Rais, a média desse crescimento no Brasil é de 20% ao ano. Na Paraíba, elas estão ocupando 13% dos canteiros de obra, conforme o Crea-PB.

O destaque vem causando tamanho impacto que tornou-se tema de livro: 'Flores no canteiro', de Flávia Gomes. O livro conta a trajetória de duas mulheres - Cida Medeiros e Luzia Teles - que ergueram uma obra equiparada a 10 prédios de 10 andares cada, em um período de oito meses. As engenheiras conduziram a construção do Motiva Oriental, localizado no Bairro Altiplano. De acordo com a autora do livro, o propósito da obra é mostrar a representatividade feminina em setores de trabalho conhecidos pela predominância masculina, como a construção civil. “O livro 'Flores nos Canteiros' fala de engenharia de forma humanizada. Nesse perfil jornalístico contamos a história de superação de duas mulheres engenheiras que lutaram para chegar onde estão e hoje se destacaram na profissão que escolheram, mostrando que lugar de mulher é em todo canto, menos no lugar comum”, afirma Flávia Gomes. O livro será lançado em abril.

No estado da Paraíba, a quantidade de engenheiras civis registradas no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-PB) é um total de 2.499 mulheres, isto é, 13% dos profissionais inscritos. No país, cerca de 15% do total de profissionais da engenharia são mulheres, segundo dados do Confea, colhidos em 2017. Por trás desses números existem histórias de moças dispostas a quebrar paradigmas que envolvem gênero e profissão. O jornal A União conta as experiências de mulheres que enfrentaram - e enfrentam até hoje - barreiras para atuar em um mercado majoritariamente masculino, mas que, com determinação e, sobretudo, paixão por obras civis, se destacam na área atualmente. Fernanda Ximenes, Lúcia Vieira e Flávia Pereira são paraibanas que têm em comum essa paixão e determinação.

Fernanda Ximenes, 31 anos, hoje é sócia e diretora da Tecsol Construção, entretanto, anos atrás nem imaginava que faria da construção civil sua carreira profissional. O que antes era apenas uma memória afetiva, atualmente é o maior orgulho da paraibana. Na construtora, ela faz de tudo, tudo o que for preciso para manter esse orgulho. "Minha função é a que for necessária! Faxineira, pedreira, administradora, gerente de obra, motorista, empreiteira... A dona, como em qualquer pequena empresa, tem que fazer o que for necessário", expressa. Todavia, formalmente, Fernanda é empreiteira de obra, termo usado por não possuir graduação em engenharia.

A identificação com a construção civil surgiu na infância, por volta dos dois anos de idade, quando frequentava canteiros de obra em que seu pai, que era engenheiro elétrico e dono de uma construtora, a levava para acompanhar as obras. "Eu passava o dia na obra com ele, achava muito divertido e lembro até hoje. Vinha com uma bolsinha branca e saía recolhendo pedaços de madeira, conduíte, pedras e quando chegava em casa brincava com minhas bonecas com os materiais da obra", conta Fernanda Ximenes. "Acho que por isso é tão natural a obra. Para mim, hoje, é como se eu estivesse em casa", conclui.

Aos cinco anos, seu pai faleceu e sua mãe decidiu não manter a empresa de construção. Com isso, a paixão por construção ficou adormecida por um longo tempo. Fernanda mudou-se para São Paulo, formou-se em Gastronomia e começou a trabalhar como chef de cozinha em um hotel. “Estava com minha vida toda planejada, tinha um emprego num hotel, dava aula de panificação em uma faculdade e pretendia ir à França fazer mestrado em panificação", conta a empreiteira. Tudo mudou quando a jovem sofreu um assalto traumático e resolveu regressar a João Pessoa.

Na volta à cidade natal, incentivada por seu marido, Fernanda iniciou uma reforma em um apartamento que herdou de seu pai. "Tivemos que, praticamente, pôr o apartamento abaixo e fazer um novo. Eu ainda não sabia nada de obra, mas a reforma do meu apartamento de 180 metros quadrados foi minha primeira obra". Apesar dos imprevistos, ela concluiu a reforma em seis meses. Vendo o sucesso da obra, os vizinhos começaram a buscar auxílio de Fernanda para reformarem também os seus apartamentos. "Comecei a ajudar nas reformas dos apartamentos vizinhos sem cobrar nada e quando vi, já estava com uma equipe e fazendo outras reformas para amigos e familiares", versa Fernanda.

Deu tão certo que, junto com o marido, Fernanda decidiu que começaria uma empresa de construção. “Foi muito difícil, mas deu certo. Hoje, estamos com seis anos de empresa e quatro prédios concluídos, indo para o quinto", expõe. "Eu gostava da gastronomia, mas não tinha o brilho nos olhos que tenho quando falo de obra. Eu amo meu trabalho, simplesmente nasci para obra", afirma com orgulho, Fernanda Ximenes.

Via de regra, mulheres que se propõem a exercer funções que outrora eram apenas para homens, sofrem preconceito. Não é diferente na construção civil, segundo confirma Fernanda: "Não foi fácil, principalmente por ser mulher! A Paraíba é um estado muito machista". Para superar os contratempos, a profissional entende que depende dela mesma e de sua capacidade. E como forma de protesto, desvia desse machismo também no mercado. "Me imponho o respeito e, com pessoas estúpidas, evito contato, nem que deixe de comprar determinadas marcas, pois é como dizer não ao machismo", milita. "Sou muito querida e respeitada, sendo a única mulher no trabalho", acrescenta Fernanda.

"Tem que ser homem para conseguir comandar muitos homens juntos", ironiza. "Sou mulher, trabalho em obra há 9 anos, uso batom rosa, calço botas e capacete e comando uma construtora que tem de oito a 30 funcionários, dependendo do ciclo. Sou respeitada e admirada por todos com que trabalho", garante. "Não me troco por homem nenhum, embora saiba que se fosse um tudo seria mais fácil", conclui.

"Mais mulheres deveriam trabalhar na construção civil e isso melhoraria muito a qualidade dos imóveis, pois nós mulheres temos uma visão mais detalhista da obra e principalmente sobre os acabamentos. Somos mais cuidadosas, sem falar que lidar com gente não é fácil, e em alguns casos temos que usar nosso lado maternal, até porque eles se sentem protegidos e o trabalho rende melhor", incentiva a empreiteira. "Mas não é qualquer mulher que consegue comandar uma obra, tem que ter fibra e gênio forte aliado com a doçura da feminilidade", adverte.

Para Lúcia, a história também tem seus altos e baixos, mas o prazer de estar fazendo o que gosta é imensurável. Além de construtora, ela também administra uma empresa especializada em mármore e granito. Maria Lúcia Furtado Vieira, 40 anos, anteriormente trabalhou em classificados de jornais paraibanos. Contudo, sempre teve o desejo de estar à frente do próprio negócio. Com ajuda de suas habilidades e experiências com vendas, decidiu começar um negócio de mármore e granito, que foi sua porta de entrada na construção civil.

Lúcia começou a adquirir conhecimento e ganhar credibilidade com os clientes, enquanto acompanhava o andamento das obras, almejando participar delas. "Meu sonho era entrar na construção civil. Ficava conversando com a 'peãozada', admirando o trabalho do pessoal. Achava muito bonito o comecinho de uma obra até o final", relata a empresária.

O pontapé na carreira foi vender a casa e com o capital começou a construir pequenas casas em Sapé, como experiência. Depois, iniciou os trabalhos na capital, na construção de prédios e apartamentos, ramo no qual continua até hoje. "Não vou dizer que são mil maravilhas. Vários amigos começaram, mas não deu certo, pois realmente não é para todo mundo. O rendimento é a longo prazo e são muitas burocracias". Para entrar no ramo, segundo Lúcia, é preciso ter pé no chão e uma grande habilidade com administração, pois o construtor precisa estar atento a muitos assuntos de uma só vez.

Diante do aumento de mulheres construtoras, Lúcia constata: "A mulher de hoje não está só na beira de fogão, cozinhando e cuidando dos meninos.Somos donas de casa, mães, comerciantes, empresárias... tudo ao mesmo tempo", versa. Para a empresária, um dos pontos fortes para o destaque da figura feminina na construção civil é a capacidade de manter-se organizada, enquanto desempenha e administra várias funções.

Acerca das dificuldades, Lúcia comenta sobre a irreverência de determinados funcionários, que algumas vezes não levam a sério a palavra de ordem vinda de uma mulher. Outra questão é durante a escolha de fornecedores, pois alguns tentam tirar proveito de empresárias, oferecendo produtos a preços desproporcionais, contando com a falta de experiência da profissional. "A pessoa tem que ter pulso firme e gostar muito da profissão", avisa Lúcia. "Gosto de sentir os cheiros de areia e do cimento!", garante.

Flávia Pereira de Alencar, 35 anos, é formada em Arquitetura pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e cresceu rodeada de influências do universo da construção civil. "Decidi prestar vestibular para o curso de Arquitetura por influência da minha irmã, que estudava Engenharia Civil e do meu pai, construtor". Ela conta que na arquitetura é mais comum a presença de mulheres, ao menos nos cursos, embora o machismo ainda seja notado em determinados pontos. "Ainda existe uma grande barreira em relação aos salários, inferiores comparados aos dos homens da mesma profissão", aponta a arquiteta.

"As mulheres têm ocupado um espaço que por muito tempo foi dos homens e que elas têm conseguido conquistar com muito mérito e respeito", versa Flávia Pereira. E enfatiza que não faz sentido relacionar a capacidade de trabalho com o gênero. "Na universidade não existe diferenciação na capacitação de homens e mulheres. Todos saem com o mesmo nível".

Destaque feminino

Empresas de construção civil reconhecem o destaque feminino no segmento e incentivam o crescimento do número de mulheres com a mão na massa. Na MRV Engenharia o cenário não é diferente. Atualmente, 22% do quadro de funcionários da empresa é composto por mulheres. Um dos exemplos da construtora é a engenheira Cíntia Abrantes. Há dez anos na companhia, vai coordenar um empreendimento no Grand Reserva Paulista, primeira obra que ela ficará no comando e esse trata-se do maior complexo residencial da história da MRV no país.