No coração do Brejo paraibano, onde o aroma do café já foi sinônimo de prosperidade, a esperança do renascimento da cultura cafeeira vem ganhando cada vez mais força e interesse da população, dos empreendedores e do turismo local, por meio do projeto “Resgate da Cafeicultura no Brejo Paraibano”. A ideia nasceu em 2016, após um estudo sobre a produção de café em Areia, coordenado pelo professor Guilherme Podestá, do Departamento de Fitotecnia e Ciências Ambientais do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com o apoio de Alexandre Araújo, do Departamento de Agroecologia da instituição, no campus de Bananeiras.
“A história do café no Brejo paraibano remonta à segunda metade do século 19, quando a microrregião abrigava mais de seis milhões de pés de café, em municípios como Areia, Alagoa Nova e Bananeiras. Com a introdução da praga Cerococus parahybensis, a cafeicultura local enfrentou um colapso que se arrastou por gerações. Nosso objetivo é retomar a produção de café de qualidade, que pode se adaptar perfeitamente ao clima e ao solo locais”, explica Guilherme.
"O propósito vai além da produção do café; é uma oportunidade de aprendizado para alunos e um meio de fortalecer a economia local"
- Alexandre Araújo
O projeto começou com uma pesquisa sobre variedades da espécie Coffea arabica (ou café arábica, amplamente cultivada no Brasil) e ganhou força a partir da parceria estabelecida com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), ainda em 2016. A colaboração permitiu o fornecimento de 21 genótipos de café adaptados ao clima da região. “O primeiro experimento foi montado com variedades que demonstraram um bom desenvolvimento, na Fazenda Experimental Olhos D’Água, em Areia. Acreditamos que o café produzido aqui possui características sensoriais únicas, o que pode gerar novas oportunidades para a cafeicultura local”, avalia Guilherme.
Sete anos depois, o projeto tem-se consolidado como uma das mais importantes iniciativas de cultivo cafeeiro e de geração de renda em Areia e Bananeiras. Tudo com a participação ativa de estudantes de Agroecologia, como Paulo César Barreto e René Araújo Fonseca. “Esse projeto é fruto de uma experiência bem-sucedida de pesquisa e extensão rural. Percebemos que, apesar do declínio histórico da cafeicultura na região, ainda existe uma forte presença cultural do café nos quintais das famílias”, conta Paulo César. O esforço busca não apenas incentivar a produção do café, mas também valorizar os costumes locais, como a torra artesanal e métodos tradicionais de preparo.
Com a ajuda da UFPB, os alunos começaram a produzir e distribuir mudas de café para agricultores locais. “Essas mudas são repassadas a produtores que fazem parte do projeto, e já temos mais de 30 agricultores envolvidos”, relata René. O foco não é apenas na produção, mas na construção de ciclos curtos de comercialização, garantindo que o lucro permaneça com os agricultores e que o café local chegue diretamente aos consumidores.
Nova era
Para o professor Alexandre Araújo, que lidera o projeto em Bananeiras, o “Resgate da Cafeicultura no Brejo Paraibano” é mais do que uma simples recuperação agrícola: é um movimento que entrelaça educação, tradição e desenvolvimento econômico, devolvendo à região o status que ela merece no mapa do café brasileiro. “Com esperança e determinação, a comunidade se une em torno dessa nova era do café, celebrando um futuro promissor e repleto de aromas e sabores únicos”, ressalta.
Com mais de 15 mil mudas produzidas até o momento, a UFPB se prepara para ampliar sua atuação, oferecendo suporte técnico a novos produtores em práticas de cultivo e manejo. O retorno financeiro esperado com a venda do café e das mudas promete sustentar a pesquisa e desenvolver ainda mais a atividade cafeeira. “O propósito do projeto vai além da produção de café; é também uma oportunidade de aprendizado para nossos alunos e um meio de fortalecer a economia local”, resume Alexandre.
Rota do Café mobiliza empreendedores locais
Professor aposentado da UFPB e atual presidente da Associação de Turismo Rural e Cultural de Areia (Atura), Leonaldo Alves acompanhou de perto a pesquisa e enxergou uma oportunidade de destacar o município no polo turístico do estado. Daí, surgiu uma parceria com a UFPB, agricultores locais e a iniciativa privada. E, com isso, a elaboração da Rota do Café, em Areia.
“Adquirimos mudas para serem plantadas nas propriedades dos associados [da Atura], fortalecendo a pesquisa, gerando receita para o campus e garantindo a concretização do projeto ‘macro’, que é a criação da Rota do Café”, revela, frisando que o projeto trará não só benefícios diretos aos agricultores, mas ainda revitalizar a imagem do café na região. “Nossa ideia é ‘resgatar’ o café e criar, então, a Rota do Café, que são aquelas propriedades que produzem o café, ou que queiram produzi-lo, para que o turista possa visitar e experimentar verdadeiros terroirs de café. Como tem os terroirs de vinho, a gente também sugeriu a criação dos terroirs de café, a partir das experiências que o turista passará a ter — de sabor, de aroma —, as experiências sensoriais que o bom café proporciona”, explica Leonaldo.
A expectativa é de que, até 2025, a iniciativa esteja em pleno funcionamento, atraindo visitantes e consumidores em busca de uma experiência única de imersão no cultivo e na degustação do café paraibano.
Da terra para a xícara
Se depender da poetisa e empreendedora Lêda Maria Maia, a Rota do Café já é sucesso garantido. Proprietária da pousada Aconcheg’Art, no Centro de Areia, ela foi uma das pessoas que se engajaram na aquisição e no plantio das mudas ofertadas pela UFPB. “Há cerca de seis anos, recebi mudas de café de um amigo professor e, mesmo sem muito acompanhamento no início, as plantas resistiram. Quando vi que minhas mudas estavam floridas, percebi que poderia investir no plantio”, afirma Lêda.
Com o incentivo da Atura e o acompanhamento da UFPB, ela plantou mais 500 mudas no sítio da família, sob os olhares atentos do genro Thiago Jardelino e do caseiro Marivando Batista. “Enquanto plantávamos as 500 mudas, meus primeiros pés de café frutificaram e, aí, a empolgação tomou conta: colhemos, escolhemos, catamos, despolpamos e torramos juntos. Na época, eu estava lançando meu segundo livro, ‘Momentos Meus: num cafezinho entre prosas e versos’, e colocamos nosso café para degustação. Quem tomou desse café aprovou”, relembra a empreendedora.
Agora, Lêda já planeja oferecer a bebida na pousada, após o plantio das novas mudas do projeto. “Estamos reencontrando nosso passado cafeeiro e associando isso ao turismo, o que é essencial para a sustentabilidade do município e a inclusão de outras comunidades”, resume, enquanto projeta maneiras de associar a experiência cafeeira à sua paixão pela música e pela poesia.
Com produto próprio, UFPB planeja cafeteria
Depois de anos de investimento em pesquisa, plantação, cursos e acompanhamento, o projeto “Resgate da Cafeicultura no Brejo Paraibano” já consegue, inclusive, colher seus primeiros resultados. No último dia 20 de setembro, nasceu a Grãos da Parahyba, primeira marca própria de café da UFPB.
Para chegar ao resultado final do novo produto, os grãos passaram por um rigoroso processo de seleção, torra artesanal e experimentação, com diferentes variedades de café arábica. Atualmente, a universidade detém o registro de 50 materiais genéticos da espécie, todos cultivados nas áreas experimentais da instituição e submetidos a diferentes tratamentos para garantir sabor e equilíbrio à iguaria.
Além de fomentar o cultivo do café, a marca busca criar novas oportunidades de emprego e de renda para os produtores rurais da região. A comercialização da Grãos da Parahyba visa, ainda, financiar uma cafeteria própria, promovendo o crescimento local de atividades econômicas ligadas à cadeia produtiva do café.
O projeto contou com a colaboração de diversos professores da UFPB, incluindo Guilherme Podestá, Alexandre Araújo, Raphael Beirigo, Angélica Acioly e Leossávio César de Souza, além da estudante de Design Isabelle Sobral e da Agência UFPB de Inovação Tecnológica (Inova-UFPB).
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de outubro de 2024.