A Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, oficializou a decisão do então príncipe regente, Pedro de Alcântara – posteriormente nomeado Dom Pedro I, em desvincular politicamente a colônia brasileira da corte portuguesa. Apesar da concretização desse ato só ter sido efetivada tempos depois, com vários conflitos, historiadores declaram que nessa data teve início o processo de quebra da submissão do Brasil perante a metrópole europeia. E a Paraíba contribuiu na consolidação das ideias defendidas por parte da elite brasileira e por Dom Pedro I, enviando centenas de homens armados para lutar contra o exército português, que invadiu algumas capitanias no intuito de tentar derrubar as ideias libertárias do príncipe regente.
O historiador e professor, George Henrique de Vasconcelos, explicou que após a ruptura com Portugal, Pedro de Alcântara passou a ser o imperador do Brasil, sendo nomeado Dom Pedro I. Registros históricos mostram a realização de muita comemoração, aclamando o nome do novo monarca. Segundo o professor, a província paraibana comemorou o feito com oito dias de festa, iniciando em 27 de novembro e se estendendo até início de dezembro de 1822, inclusive com um “te-deum” (louvor a Deus) celebrado na Igreja de São Bento. Ainda houve a abertura de um teatro, além de muita queima de fogos de artifício. Durante os festejos, as ruas da província ficaram iluminadas, ignorando qualquer economia de vela e óleo.
“Mas, Portugal não irá aceitar a rebeldia do príncipe, e enviou forças militares para forçar a submissão do Brasil”, ressaltou Vasconcelos. Entre as capitanias que lutaram contra a reação portuguesa pode-se citar a do Piauí, do Pará, do Maranhão e a da Bahia. A Paraíba não se rebelou contra o poderio português, mas apoiou a Bahia, enviando para lá um destacamento de 200 homens, sob o comando do capitão de artilharia Teodoro de Macedo Sodré.
Durante a batalha na Bahia, a tropa da Paraíba precisou de um ponto de apoio para ficar aquartelada. Para esse fim, foram cedidas ao grupo as dependências do Seminário Católico de São Damasô, em Salvador, que serviu de hospedaria e apoio para alimentação.
Os levantes bélicos que se formaram na colônia brasileira após a proclamação da independência (1822-1825) eram formados por uma parte da elite, de políticos e militares que consideraram a atitude de Dom Pedro I uma traição à Coroa. Esses grupos encontraram total apoio de Portugal. Em algumas províncias, como a da Paraíba, não houve grande conflito interno, apenas pequenos motins ou recrutamento de homens enviados para lutar nas outras províncias.
George ainda frisou que a população pobre e livre, bem como a indígena e a escrava, tiveram participação direta na Independência do Brasil. “Sem o conjunto da população em geral, bem como dos negros escravizados e indígenas, a independência jamais teria sido possível. Porque, para lutar contra as tropas portuguesas que reagiram contra a declaração de 7 de setembro, foi preciso arregimentar o povo. Então, as pessoas lutaram por diferentes motivos, sejam coagidas ou por vontade própria. De uma forma ou de outra, tiveram grande participação no processo”, enfocou Vasconcelos.
O historiador Leandro Vilar Oliveira destacou que a decisão da Paraíba de não ter se rebelado em 1822 foi um “grande ponto positivo, pois poupou a província de ser alvo de ações militares”. Ele também ressaltou o fato de a província paraibana ter enviado homens armados para lutar na Bahia (1822-1823). “Observa-se assim, que em termos políticos, a província paraibana esteve ao lado do processo de independência em diferentes momentos, o que constituiu em outro ponto positivo”.
Já o historiador George de Vasconcelos comentou que tal postura da Paraíba teve influência de fatos históricos que antecederam o 7 de Setembro. Segundo ele, cinco anos antes (1817) do ato “rebelde” de Dom Pedro I, muitos paraibanos tinham se revoltado contra Dom João VI. Isso ocorreu na Insurreição contra Portugal. Por conta dessa rebelião, muitos foram perseguidos e punidos com a morte.
Os mestres em História, George Henrique de Vasconcelos e Leandro Vilar Oliveira, escreveram um artigo intitulado 'Pela glória e pela honra do Império!: Recrutamento, organização e atuação do Batalhão da Paraíba na Guerra de Independência na Bahia (1822-1823)'. O texto foi publicado na revista Navigator, da Marinha do Brasil, no final do ano passado.
As trágicas recordações dessa passagem histórica que antecedeu o dia da Independência podem ter contribuído para exaltar o “sentimento antilusitano” na nação. “Portanto, para uma parcela da sociedade paraibana, o rompimento político com Portugal possui motivos simbólicos e políticos fortes”, disse George.
Para o professor de História e sociólogo Jammerson Soares, todo esse processo de emancipação política em relação à Portugal trouxe vantagens e prejuízos ao Brasil. Por um lado, a colônia brasileira não estava mais sujeita aos mandos da metrópole, que controlava todas as atividades comerciais nas províncias. “Como ponto negativo, podemos citar o autoritarismo monárquico do primeiro imperador, Dom Pedro I, que passa a governar por meio de uma Constituição outorgada que o concedia poderes absolutos”, declarou Jammerson.
A partir da decisão tomada em 1822, que marcou a Independência do Brasil, a Paraíba, juntamente com as demais províncias da recente nação, devia agora obediência ao poder central, materializado na pessoa de D. Pedro I. Esse absolutismo monárquico, conforme Jammerson, levou a Paraíba a se unir com outras províncias e deflagrar a chamada Confederação do Equador, em 1824, que tinha por finalidade instalar um regime republicano em partes do Nordeste brasileiro.
Mesmo com a grande repercussão na colônia brasileira, o 7 de Setembro não trouxe grandes mudanças na vida do povo. A economia escravocrata e a forma de governo foram mantidas. Segundo o historiador Leandro Vilar, as primeiras mobilizações referentes à Independência brasileira tiveram início já em 1820, com a Revolução Liberal do Porto. “Uma das mais importantes cidades de Portugal, em que nobres e burgueses se uniram para pressionar o monarca (Dom João VI) a aprovar uma constituição, já que até então o país não possuía uma”, disse Vilar.
Leandro explicou que, aprovar uma constituição era algo muito em voga no século 19, pois foi um período de intensas mudanças políticas no Ocidente, com a independência de alguns países, assim como, a reformulação de antigas formas de governo, no caso, a queda de monarquias absolutistas que reinavam desde o século 16. “Sob ameaça de a revolução ganhar proporções drásticas, D. João VI foi aconselhado a voltar para Portugal para tratar do processo de criação de uma constituição, mas ele deixou seu primogênito, Pedro de Alcântara, como príncipe-regente do Brasil”, destacou.
Dessa forma, pode-se dizer que o processo da Independência se estendeu de 1820 a 1825. Apenas a partir de 1824, com a aprovação da Constituição Brasileira, ocorreram mudanças significativas. Desse ano em diante, houve reorganização nas leis, no sistema político, jurídico e tributário”, frisou Vilar.
Notícia chegou por correio marítimo
Paraibanos souberam do grito do Ipiranga quase 20 dias após, por meio de navio que atracou no Porto do Varadouro
Em um tempo em que nem se imaginava ter meios de comunicação como o telefone e muito menos a internet, a notícia da chamada Independência do Brasil só chegou na província paraibana quase 20 dias após o ocorrido, por meio de embarcações que navegaram até chegar aos rios Paraíba e Sanhauá. “A notícia chegou à Paraíba no dia 26 de setembro, via correio marítimo. Mas, não sabemos qual foi o navio responsável por isso, nem o horário que ele chegou no antigo Porto do Varadouro, na capital paraibana. Esse porto não existe mais, pois foi extinto desde o começo do século 20”, enfocou o historiador Leandro Vilar Oliveira.
Ao chegar no Porto do Varadouro (tempos depois chamado de Porto do Capim), a mensagem oficial foi encaminhada às autoridades políticas, conforme o grau de importância. Naquela época, a província não possuía um governador (ou presidente como se chamava esse tipo de gestor), pois estava sob a tutela de uma Junta Provisória. Leandro contou que, além dessa Junta, os membros da Câmara, os juízes, os comandantes militares e outras autoridades relevantes foram comunicados do fato.
“De qualquer forma, a notícia da Independência foi anunciada em sessão pública na Câmara e divulgada pela capital. E nos dias seguintes a 26 de setembro, foi sendo difundida para outras vilas e povoados da província. Vale ressaltar que o governo provisório convocou oito dias de festas na capital para celebrar a independência do Brasil, o que representa uma grande exaltação a esse feito. Nas outras vilas da Paraíba, houve também celebrações em menor escala. De qualquer forma, a notícia do 7 de setembro foi bem recebida pelos paraibanos”, completou Vilar.
O historiador George Henrique de Vasconcelos afirmou que, logo que a novidade chegou ao porto da então Parahyba, integrantes da Junta Governativa, do Senado da Câmara e do comandante das Armas se reuniram, decidindo ignorar, a partir dali, as ordens vindas do reinado português.“Nos dias seguintes, a notícia do grito da Independência se espalhou pela província. A partir de outubro, a Paraíba passou a receber assertivas do Rio de Janeiro (Corte) divulgando, no dia 8 desse mesmo mês, em espaço público, a seguinte mensagem: “Por ofício desta data julga-se esta Província desligada aos laços que a prendia a Portugal - em vista da Proclamação da Independência Nacional a 7 de setembro passado””.
Telas
A proclamação da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, foi registrada em telas por diversos pintores, e não há consenso entre a cena real, que marcaria essa passagem da história brasileira. No livro “Os sequestros da Independência – Uma história da construção do mito do Sete de Setembro” há várias dessas imagens. Uma delas é a do pintor paraibano, Pedro Américo, que criou uma tela com grande pompa, intitulada Independência ou Morte! (mais conhecida como O Grito do Ipiranga), mostrando o príncipe regente e seus soldados com vestimentas oficiais. Outro exemplo é a tela pintada por Françóis René Moreaux, que retrata a cena de um Dom Pedro mais popular, rodeado e sendo aclamado pelo povo simples, de pele clara, lembrando camponeses europeus. Até o grito “Independência ou Morte”, que teria sido dado pelo monarca, às margens do Riacho do Ipiranga, em São Paulo, é questionado por especialistas. “O Grito do Ipiranga soa muito mais poético do que um fato histórico. Todavia, quando Dom Pedro chegou em Santos e depois no Rio de Janeiro, realmente houve comemorações em algumas localidades”, frisou o historiador Leandro Vilar.
Por que Dom Pedro desafiou a família real?
Para compreender os motivos que levaram Pedro de Alcântara, até então príncipe regente do Brasil, a agir contra os objetivos da família real a qual pertencia, vale retroceder um pouco na história e perceber que ele tinha, além dos interesses políticos e econômicos, vínculos afetivos com a terra que o acolheu desde a juventude. Pedro de Alcântara era um dos filhos do então príncipe regente, Dom João, que após a fragilidade da saúde de sua mãe, a rainha Maria I de Portugal, assumiu as funções de estado.
O príncipe regente do Brasil, Pedro de Alcântara, tinha, além dos interesses políticos e econômicos, vínculos afetivos com a terra que o acolheu desde a juventude
Em 1807, o imperador da França, Napoleão Bonaparte, aliou-se com os espanhóis e decidiu invadir, militarmente, Portugal. Com isso, a família real deslocou-se para o Brasil, considerada sua mais próspera colônia. “A decisão de trazer a família real ao Brasil, é vista por muitos como uma fuga. Contudo, há quem defenda que foi uma retirada estratégica”, frisou o historiador e professor George de Vasconcelos.
Com o estabelecimento da família real no Rio de Janeiro, Pedro de Alcântara passou parte de sua juventude em terras brasileiras. De acordo com George, apesar das ligações de sangue e a inegável lealdade a Portugal, Pedro parece ter se “abrasileirado”, e criado fortes raízes com a colônia brasileira. Em 1820, algum tempo após a expulsão dos franceses do território português, ocorreu a chamada “Revolução do Porto”, na qual resultou no fim da monarquia absolutista em Portugal. O agora rei, Dom João VI - que assumiu o trono após a morte de Maria I, era pressionado a retornar à Europa e o fez, deixando Pedro no Brasil, na condição de príncipe regente”.
O Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e os membros liberais das chamadas “cortes de Lisboa” começaram a conspirar para que o Brasil voltasse à condição de colônia, algo inaceitável pelas elites brasileiras. Entre outros motivos, essa categoria mais abastada da colônia passou a ficar mais próxima do jovem príncipe regente, visando alcançar benefícios para si e seus grupos. “No início de 1822, as cortes pressionaram para que o então príncipe regente retornasse a Portugal, assim como seu pai, o rei, o fizera. Pedro disse não. Este foi o chamado “Dia do Fico””.
Segundo o historiador George, o fato teria sido o estopim para o rompimento quase definitivo entre Brasil e Portugal. Para Vasconcelos, o fator primordial para a Independência foi a insistência das cortes de Lisboa em fazer com que Pedro de Alcântara obedecesse às demandas do trono português. “Assim, sob influência direta de sua então esposa, dona Leopoldina de Castro, princesa austríaca, Pedro de Alcântara rompeu com Portugal, no famoso episódio do “Grito do Ipiranga”, em 7 de setembro de 1822”, disse Vasconcelos.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 7 de setembro de 2023.