Pressão pelo corpo perfeito, cotidiano corrido e ampla disponibilidade de comidas nem sempre saudáveis. Esses são os principais ingredientes para que a compulsão alimentar seja um transtorno crescente na vida contemporânea. Em geral, a doença se manifesta em um ciclo iniciado com sentimento de ansiedade, que resulta na alimentação descontrolada e termina com a culpa. É necessário ficar atento, porque episódios isolados de compulsão podem acontecer, mas não significa ter o transtorno.
“A pessoa que vai a uma churrascaria e se serve de uma quantidade exagerada de comida ou que, numa festa com bufê, come até se sentir um pouco desconfortável, com o abdome distendido, está passando por um episódio de compulsão. Isso não é compulsão alimentar”, diz a psicóloga Rita Ramalho, especialista em transtornos alimentares.
Segundo ela, há três aspectos que caracterizam a doença: comer grande quantidade de alimentos num curto período de tempo; sentir muito desconforto na barriga, em razão de tudo o que foi ingerido; e passar por um intenso processo de culpa. Detalhe: tudo isso deve acontecer com frequência.
“Uma das características da compulsão é comer de maneira caótica. Então, você abre a geladeira e come uma goiabada, come feijão gelado, come banana, come o resto do almoço de ontem, come pão, bebe refrigerante, bebe suco, come farinha. Não há uma relação de prazer”, exemplificou a psicóloga.
Uma das características da compulsão é comer de maneira caótica, não há uma relação de prazer -- Rita Ramalho
A compulsão alimentar não é provocada pelo consumo de açúcar, embora existam outros transtornos alimentares nesse sentido. Ao serem ingeridas, as comidas doces liberam substâncias no corpo que causam prazer. Essa sensação, entretanto, não é uma marca da compulsão alimentar.
“O vazio está mais relacionado à região abdominal. Então, a pessoa busca preencher um vazio que sente no corpo, mas tenta preencher isso com alimento, o que normalmente não gera satisfação. Muito pelo contrário, provoca muita culpa e angústia depois da ingestão”, explicou.
Causas
Apesar de a compulsão alimentar ter muitas causas, a principal delas é a emocional. “Normalmente, a pessoa não consegue identificar e lidar com as próprias emoções, sobretudo, quando acontecem mudanças abruptas de estados de humor. Então, ela começa a se comportar como se tudo o que faltasse na sua vida fosse alimento”, descreveu Rita.
A consequência mais comum dessa desordem é a obesidade — e, a reboque dela, vem uma série de comorbidades, como pressão alta e diabetes, por exemplo. “A obesidade causa problemas tanto no aparelho gástrico quanto no fígado, sem contar o grande prejuízo emocional, em função do peso do corpo, das restrições de mobilidade e da discriminação social sobre o obeso”, acrescentou.
De acordo com a psicóloga, o transtorno atinge homens e mulheres na mesma proporção. No entanto, as mulheres procuram mais ajuda especializada. “Elas sofrem mais discriminação estética, diferente do que acontece com homens com sobrepeso ou obesidade. Por isso, eles tendem menos a buscar ajuda”, ressaltou.
Tratamento do transtorno deve ser multidisciplinar
Psicólogo, nutricionista e psiquiatra são os profissionais indicados para acompanhar pessoas com compulsão alimentar. O nutricionista, por exemplo, indica uma dieta com alimentos reforçadores da sensação de saciedade. Na psicoterapia, o paciente trabalha as situações que promovem a compulsão. E, se necessário, o psiquiatra pode prescrever medicamentos para controlar a ansiedade e a depressão, outras duas condições psicológicas comumente associadas à compulsão alimentar.
Conforme a psicóloga Aracelly Marques, nem sempre a compulsão alimentar é uma doença visível no círculo social em que se vive. “A pessoa que tem esse transtorno pode sofrer, também, de bulimia nervosa, que a faz provocar vômito logo depois de comer. Então, como essa pessoa não ganha peso, o transtorno fica camuflado”, contou.
Desse modo, a autoconsciência de que há algo de errado é a saída para buscar apoio profissional, de acordo com ela. Vale ressaltar que é possível obter tratamento para a compulsão alimentar por meio da rede pública de saúde.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 02 de novembro de 2024.