Para aqueles que gostariam de conhecer melhor as histórias e lutas das comunidades quilombolas na Paraíba, uma boa opção de roteiro turístico a conferir é a Trilha Quilombola: do Bairro à Chita, realizada no Quilombo Cruz da Menina, no município de Dona Inês, Agreste paraibano. Da ancestralidade, nas trilhas da Mata Atlântica, à arte e aos sabores únicos, a iniciativa proporciona um dia inteiro de profunda conexão com a cultura e os costumes que moldaram essa população tradicional.
Formatada por Alexandra Lontra, consultora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas da Paraíba (Sebrae-PB), a Trilha Quilombola foi oficialmente lançada na última segunda-feira (14), em um evento que reuniu diversos agentes de viagens para promover os atrativos locais. Durante todo o dia, esses representantes do mercado de turismo paraibano puderam participar de algumas das variadas atividades oferecidas pelo roteiro, como oficinas de modelagem em barro e de tranças, que remetem à valorização das tradições ancestrais da comunidade. O lançamento também contou com a parceria do Governo da Paraíba, por meio da Empresa Paraibana de Turismo (PBTur) e da Secretaria de Estado de Turismo e Desenvolvimento Econômico (Setde-PB), e da Prefeitura Municipal de Dona Inês.
De acordo com Dione Maria Silva, uma das integrantes da Associação da Comunidade dos Remanescentes do Quilombo Cruz da Menina, a Trilha Quilombola: do Barro à Chita chega para impulsionar o segmento turístico na região. “A Trilha Quilombola veio para agregar as nossas tradições ao turismo, gerando fonte de renda para a nossa comunidade, por meio dos mais diversificados produtos, a exemplo da gastronomia, do artesanato, das histórias etc.”, avalia. Dione Maria trabalha, atualmente, na produção de doces e cocadas de diversos sabores, que são comercializadas pela associação, criada em 2008 e somando, no momento, cerca de 170 integrantes.
Já as irmãs Rafaela e Ramona Henrique oferecem uma experiência que combina a culinária local com música e paisagens naturais. Trata-se do Café Quilombola, que atrai turistas ao monumento Cruz da Menina. Diante de um cenário belíssimo, onde se podem visualizar as serras da região e apreciar um lindo pôr do sol, a dupla serve um café típico, com um cardápio que dispõe de tapioca de coco, beiju, cocadas, pé de moleque, torradas e geleias de frutas. Enquanto os visitantes contemplam a vista e degustam os pratos, uma banda de pífanos — composta pelos jovens Douglas Darlan, José Wesley Mane e Gilcleyson Teófilo, também moradores do quilombo — se encarrega de apresentar os sons que mantêm viva sua cultura.
Trilha também revela as raízes históricas e religiosas do lugar
Além das delícias gastronômicas, das belezas naturais e da riqueza musical, a programação do novo roteiro turístico na comunidade quilombola de Dona Inês inclui, ainda, a Trilha Gravatassu. A rota prevê uma visita à Capela Cruz da Menina, onde o turista é convidado a mergulhar na história religiosa do local — conhecendo, em especial, detalhes do caso que dá nome ao templo e ao próprio quilombo.
Conforme explica a quilombola Rafaela Henrique, a capela foi erguida para homenagear uma criança chamada Dulce. Segundo relatos da comunidade, a garota, que tinha sete anos de idade, chegou à área ao lado dos pais, solicitando a ajuda de um fazendeiro para beber água e se alimentar. O pedido da família, porém, foi negado, e Dulce acabou falecendo e sendo enterrada na região.
“A criança veio a óbito, foi sepultada e, no outro dia, a mortalha dela apareceu na porta da casa do fazendeiro que negou água e comida ao casal. Isso foi considerado uma resposta ao fazendeiro. O fato despertou a curiosidade da população e um rapaz foi ao local para saber onde a criança havia sido sepultada. Então, ele pediu uma graça à menina e essa graça foi alcançada”, conta Rafaela, revelando que a Capela Cruz da Menina foi construída no mesmo lugar onde está o corpo de Dulce. “A partir daí, a capela passou a ser um local sagrado, onde as pessoas fazem promessas e alcançam graças”, acrescenta a quilombola.
Artista plástico exalta biodiversidade local em peças de madeira
A arte confeccionada pela comunidade tradicional de Dona Inês também ganha destaque na Trilha Quilombola: do Barro à Chita. Os turistas que embarcarem no roteiro poderão visitar o ateliê do artesão e artista plástico Sérgio Teófilo, famoso por suas esculturas em madeira, que celebram a biodiversidade da região. Natural do quilombo, ele informa que começou a trabalhar aos 14 anos e, sem profissão definida, chegou a exercer funções em vários setores, como agricultura e construção civil.
Sua carreira artística nasceu no ano de 2009, depois que Sérgio se inscreveu em um curso de cerâmica realizado na comunidade e, depois das aulas, teve a oportunidade de participar de uma feira em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. As peças que o artesão levou para a capital gaúcha, produzidas ainda durante o curso, foram todas vendidas nos primeiros três dias de evento.
Ao longo de seu amadurecimento profissional, Sérgio deixou de trabalhar exclusivamente com cerâmica, matéria-prima original de suas obras, e descobriu um novo nicho artístico, passando a se dedicar à elaboração de peças em madeira, a partir da imburana velada — extraída das cercas vivas da Caatinga.
O artista quilombola utiliza-se, assim, da madeira morta encontrada nos terreiros da própria comunidade, reaproveitando-a para confeccionar os mais diversos itens de decoração. Tudo é realizado com amor e empenho, e a variedade de cores e traços faz toda a diferença para tornar únicas as suas obras, garantindo-lhe muitos e merecidos prêmios. Atualmente, Sérgio é bastante requisitado para participar de exposições, documentários e até mesmo de eventos do mercado imobiliário.