O mergulho na cultura dos povos potiguaras é uma das apostas do poder público para alavancar ainda mais o turismo no Litoral Norte e fortalecer a identidade dos Povos Originários da Paraíba. O projeto de turismo de vivência “Trilhas dos Potiguaras” leva os visitantes a uma imersão na cultura, valores e filosofia indígena por meio de trilhas guiadas, banhos no Rio do Gozo, acesso ao artesanato, aos rituais de purificação, ao coco de roda e o patrimônio histórico construído durante o processo de colonização na região. Os potiguaras estão concentrados no Litoral Norte e distribuídos nos municípios de Marcação, com 15 aldeias; Baía da Traição, com outras 13; e Rio Tinto, com mais cinco territórios indígenas.
Na Baía da Traição, a 90k de João Pessoa, os visitantes podem conhecer e desfrutar do Balneário de Vivência e Lazer Potiguaras. O espaço é todo construído com madeira e palhas, seguindo a tradição arquitetônica ancestral dos indígenas e possuindo mesas e bancos de madeira. O espaço é garantia de uma vista agradável pelo verde ao redor. No local, são oferecidos café da manhã e lanches.
O secretário de Comunicação e Turismo do município de Marcação, Rodrigo Araújo, disse que é na Baía da Traição, em Marcação e Rio Tinto, que residem todo o povo e a cultura potiguaras. “No total, 33 aldeias são povoadas por potiguaras e todas estão abertas para visitação turística. Nessas três cidades as principais fontes de renda são a agricultura, o artesanato e a pesca por estarmos em uma área banhada por praias, mangues e rios. Além da agricultura, o turismo de vivência e de trilhas vêm sendo aquecido”, informou Araújo.
Após “forrar o estômago”, os visitantes podem conhecer a Trilha do Silêncio, nome do percurso que os visitantes fazem guiados pelos indígenas. O percurso permite em, aproximadamente, uma hora a pé esse contato mais próximo com a natureza, conhecendo a diversidade na mata. A relação harmônica dos indígenas com a natureza tem garantido a preservação do meio ambiente. Para o professor e guia turístico, Ezequiel Silva, a Baía da Traição se transformou em um símbolo de resistência potiguara.
A trilha possibilita conhecer o território indígena por dentro, sentindo o cheiro da vegetação e observando as espécies. Na sequência, uma visita à Oca Sagrada e a Dona Mariinha, anciã Potiguara, responsável por resgatar o coco de roda. A dança é realizada em círculo e conta com a participação de homens e mulheres, que dançam ao som da batida dos instrumentos de percussão. A anfitriã, Dona Mariinha, cita que o interesse dos mais jovens pela tradição é uma forma de garantir que ela mantenha a chama da tradição dos povos indígenas do Litoral Norte.
Uma outra forma de conviver com a natureza
Por volta do meio-dia, o grupo foi conhecer o Rio do Gozo, local onde foi servido um almoço com todos os ingredientes da culinária potiguara. Com destaque para o pirão, o camarão e o peixe. Tudo regado a sucos naturais feitos com os frutos plantados pelos habitantes do município.
O Rio do Gozo é o ambiente mais procurado pelos turistas, em razão de suas águas transparentes, muito calmas, cercado por Mata Atlântica. O rio possui um visual incrível que garante muita diversão. Lá é possível nadar e observar a vida aquática dentro da área da Aldeia Tracoeira.
A relação entre natureza e cultura é constante nos territórios indígenas. Um dos atrativos para os visitantes é conhecer e até adquirir uma das obras do multiartista, Severino Pereira da Silva, conhecido internacionalmente como Sever. Ele é um artista indígena potiguara da Aldeia Tracoeira, da Baía da Traição.
O multiartista mantém seu ateliê Arte Potiguara, praticamente, no meio da mata cercado por árvores frutíferas, às margens do bucólico e atrativo Rio do Gozo, na Aldeia Tracoeira, uma das 13 que compõe o território indígena na Baía da Traição.
Estar em território indígena é conhecer muito das tradições e respeito aos idosos. Os visitantes podem participar do encontro com os anciões, na Aldeia Mão de São Francisco, e conhecer as origens da dança do toré, dança que é executada para expressar várias fazes da vida a exemplo da dor, da alegria, do agradecimento e também no sentido de guerra. Rituais semelhantes os povos indígenas fazem no dia 19 de outubro, quando se celebra o Dia dos Povos Potiguaras.
No roteiro da imersão, uma visita ao Pajé Antônio, na Aldeia do Alto do Tambá. O pajé que é tido como um líder, uma divindade religiosa, benzeu o grupo com um banho de fumaça feita com diversas ervas, inclusive, com a alecrim do campo.
Lá, o grupo fez o registro da história, dos costumes, tradições e elementos culturais dos potiguaras que resistem ao tempo.
Resquícios da ocupação colonial no Litoral Norte
A referência a ser um território de resistência tem relação com as batalhas e derrota dos europeus no Litoral Norte e acena para o presente-futuro: os indígenas buscam cada vez mais reconhecimento de seus territórios, cultura, mas, sobretudo, de sua etnia. Donos de seu próprio território, eles subvertem a lógica do poder: usam espaços como o das ruínas da igreja ou dos canhões como parada histórica para que os visitantes aprendam a dimensão da palavra resistência entre os povos potiguaras.
No roteiro, há uma parada na Aldeia Acajutibiró, local que foi palco de uma batalha em 1585 entre os portugueses e os potiguaras. Outra parada nesse roteiro de visitação e imersão é conhecer as ruínas da Igreja de São Miguel Arcanjo, onde o padre Vamberg, contou que aquela foi a primeira igreja construída no Brasil específicamente para os povos indígenas, durante o processo de catequização dos Povos Originários.
As ruínas da Igreja de São Miguel Arcanjo foram tombadas em 1980 pelo Iphaep (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba). Trata-se de um espaço privilegiado na memória da população local e que atualmente é visitado por turistas de todas as partes do mundo. Apesar de seu estado atual, ainda é possível os visitantes vislumbrarem a beleza que era a característica da construção erguida no ano de 1700.
Edificada entre os séculos 17 e 18, a igreja é símbolo da presença católica dos colonizadores portugueses no Litoral da Paraíba, durante a colonização. A construção da edificação religiosa representa o poder europeu frente aos Povos Originários. O valor histórico da atualidade representou, no passado, o valor simbólico associado à religiosidade e poder onde eram construídas. A localização da edificação é indício das estratégias utilizadas pelas lideranças religiosas estrangeiras, no sentido de estabelecer relações de poder e de sociabilidade no território indígena, com o objetivo de dominá-los e civilizá-los.
Outro atrativo importante é o Mirante do Forte, onde se encontram os antigos canhões. São peças de artilharia construídas pelos portugueses. Os canhões foram trazidos para o forte para ajudar na defesa da enseada da Baía da Traição. Segundo informações do guia Ezequiel, o forte foi guarnecido por soldados vindos do Forte de Santa Catarina, em Cabedelo, que se utilizaram dos canhões vindos de Portugal, por volta de 1625. O ponto final das visitas é exatamente onde ficam as embarcações em Camurupin, para um passeio de barco, com a finalidade de contemplar o pôr do sol, da Baía da Traição.
FamPress
No Sábado passado, a Empresa Paraibana de Turismo (PBTur), promoveu um Fampress com a participação de jornalistas e digital influencers, para conhecer os atrativos turísticos do Litoral Norte e como estão os investimentos para alavancar o turismo na região.
Prefeitura indígena
Outra curiosidade no Litoral Norte, segundo professor e guia turístico Ezequiel Silva, é que o município de Marcação é o único do Brasil, onde existe uma mulher indígena prefeita, Eliselma Oliveira, popularmente conhecida como Lili.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 22 de agosto de 2023.