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Ilegal e perigoso

Ocupações ameaçam a linha férrea

publicado: 21/08/2023 09h34, última modificação: 21/08/2023 09h34
Distância mínima da ferrovia é desrespeitada em mais de 200 pontos. Trecho crítico é entre João Pessoa e Cabedelo
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As margens da ferrovia são usadas irregularmente para erguer construções e como depósito de material reciclável em ambos os lados - Foto: Roberto Guedes
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Ao longo da linha férrea, é fácil observar ocupações irregulares - Foto: Roberto Guedes
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Em Cabedelo, a faixa de domínio da ferrovia serviu de espaço para construção de vários pontos comerciais - Foto: Roberto Guedes
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"O trem acaba atraindo muito a atenção de crianças. Eu temo que uma criança saia entre aqueles barracos para ver um trem que está apitando e aí não dá tempo de parar" Othomagno Viegas - Foto: Roberto Guedes
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por Michelle Farias*

Nos 30 quilômetros (km) de extensão da linha férrea sob responsabilidade da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) na Região Metropolitana de João Pessoa são contabilizadas atualmente mais de 200 invasões de faixa de domínio. A legislação exige que construções ocorram com uma distância de, no mínimo, 15 metros da ferrovia, em ambos os lados.

A maior densidade de invasão, observada pela CBTU, está entre o bairro do Róger, em João Pessoa, e Jardim Manguinhos, em Cabedelo, na Região Metropolitana. As margens da ferrovia são utilizadas por moradores da área inclusive como depósito de material reciclável. A ocupação foi ocorrendo aos poucos e atualmente recipientes plásticos, ferragens e papel quase invadem a linha férrea.

"O trem acaba atraindo muito a atenção de crianças. Eu temo que uma criança saia entre aqueles barracos para ver um trem que está apitando e aí não dá tempo de parar" Othomagno Viegas

A CBTU ressalta como sendo um dos casos mais emblemáticos, o surgimento de uma comunidade às margens da via férrea. Há pelo menos oito anos várias casas foram erguidas no local, sem obedecer aos limites impostos pela legislação. Na ‘‘Vila Feliz” as moradias foram edificadas sem qualquer controle, aumentando o risco de acidentes na ferrovia. Apesar dos alertas emitidos pela CBTU, os moradores permanecem no local.

“O trem acaba atraindo muito a atenção de crianças. Eu temo que uma criança saia entre aqueles barracos para ver um trem que está apitando e aí não dá tempo de parar. Quando a gente fala de coeficiente de atrito, um trem não vai parar nunca na velocidade que se para um carro. É um veículo pesado, de rodas de aço de liga metálica sobre um trilho de liga metálica, ou seja, quando ele aplica o freio as rodas travam, mas tem o arrasto ainda de todo o peso. Isso tem causado para nós uma preocupação exacerbada nesse sentido”, explicou o gerente de Operações da CBTU, Othomagno Viegas.

Ainda seguindo para a cidade de Cabedelo, entre os bairros Jardim Jericó e Jardim Manguinhos a faixa de domínio da ferrovia serviu de espaço para construção de vários pontos comerciais. “O pessoal vem e o bairro vai crescendo e o pessoal vai encontrando formas. Principalmente no pós-pandemia, quando o desemprego aumentou muito e a informalidade encontrou nas proximidades da linha o ponto comercial atrativo às suas atividades. Isso tem sido uma batalha constante “, revelou Othomagno.

Foi apostando em garantir renda durante a pandemia que a filha de Maria da Conceição (fictício), pois ela não quis ser identificada, construiu uma pequena barraca de madeira para comercializar comidas e bebidas entre as estações Jardim Manguinhos e Jardim Camboinha, em Cabedelo. As vendas garantiram o sustento da família, mas o movimento declinou quando as atividades econômicas foram liberadas. “Aí correu todo mundo para praia. Hoje aí está abandonado, só tem umas cadeiras mesmo. Até para comprar alimentação ela tem dificuldades”, contou a aposentada.

Ao longo da ferrovia várias outras barracas nos mesmos moldes foram instaladas, às margens da via férrea. Em uma delas funciona um bar, com sinuca. A maioria das pessoas no local tem receio de falar sobre o assunto.

O mesmo problema ocorre no sentido oposto, no bairro Ilha do Bispo, ainda na capital, e entre os municípios de Bayeux e Santa Rita. Neste mês uma edícula (puxadinho) construída “da noite para o dia” foi demolida pelos servidores da CBTU. No local, o proprietário pretendia instalar um ponto comercial. A empresa segue orientação do Setor Jurídico para fazer reintegração de posse imediata, para que todas as ocupações irregulares sejam destruídas imediatamente, retomando a posse da área invadida.

“Neste caso nós fomos lá, conversamos com o responsável e solicitamos que ele mesmo procedesse a demolição e retirada dos materiais ali estabelecidos para que ele não perdesse. Estivemos lá por duas oportunidades, e aí foi o jeito ter que fazer a demolição. Havia ainda preocupação de que aquele local pudesse abrigar a venda de bebida alcoólica. Imagina a venda de bebida alcoólica ao lado de uma linha férrea? Não vai dar certo. A gente tem uma preocupação exagerada sobre isso e passamos a registrar as ocorrências na delegacia”, disse Othomagno Viegas.

Conforme a CBTU, o Sistema de Trens Urbanos da capital compreende uma extensão de 30 km de via férrea, que atende aos municípios de Cabedelo, João Pessoa, Bayeux e Santa Rita, na Região Metropolitana. No total são 12 estações ferroviárias – Cabedelo, Jardim Manguinhos, Poço, Jacaré e Renascer no município de Cabedelo; Mandacaru, João Pessoa (Central), Ilha do Bispo e Alto do Mateus em João Pessoa; Bayeux, no município de Bayeux e Várzea Nova e Santa Rita, na cidade de Santa Rita.

Justiça desapropria invasão e alega violação das normas de segurança

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Em Cabedelo, a faixa de domínio da ferrovia serviu de espaço para construção de vários pontos comerciais - Foto: Roberto Guedes

Os processos para desapropriação das áreas ocupadas irregularmente há mais tempo ainda tramitam na Justiça Federal. Em uma das decisões mais recentes, em maio deste ano, o juiz da 3ª Vara Federal na Paraíba concedeu reintegração de posse à CBTU João Pessoa para preservação da faixa de domínio em uma área entre as estações de Jacaré e Poço, no município de Cabedelo. A área pertence à União e não poderia ter sido ocupada.

A ação foi ajuizada em julho de 2021 e cerca de 24 ocupantes das áreas deixaram o local a partir da decisão judicial. A CBTU argumenta que as invasões geram inúmeros prejuízos ao serviço público operacionalizado pela Companhia, colocando em risco a integridade física dos passageiros, das famílias e comerciantes que ocupam a área irregularmente e das pessoas que trafegam pelo local.

Em decisão favorável à desocupação das áreas, a juíza federal Cristina Maria Costa Garcez ressaltou que as ocupações irregulares às margens da ferrovia trazem risco à manutenção do serviço público e iminente perigo para os usuários da ferrovia e para os próprios ocupantes ilegais, diante da proximidade com os trilhos, pois atrai o risco real e constante de acidentes, na hipótese de descarrilamento das locomotivas ou até mesmo o tombamento. “Acrescente-se que a situação de vulnerabilidade econômica, não tem o condão de suprimir a preservação da posse e da propriedade de bens públicos, especialmente quando considerado que as ocupações irregulares verificadas nos autos violam normas de segurança do uso de vias férreas, normas essas que concretizam um dos aspectos deste direito, qual seja, o direito de explorar pequenas atividades econômicas em local que não ofereça riscos aos comerciantes informais”, disse a magistrada em sua decisão.

O gerente de Operações da CBTU, Othon Viegas, destaca a dificuldade em conscientizar a população. “Esperamos que o pessoal tenha a consciência de que realmente é um risco à vida e a integridade deles e que os trabalhos serão feitos nesse sentido: as ocupações novas serão imediatamente demolidas e as antigas serão judicializadas para reintegração de posse”, disse.

Sem espaço para prevenção de descarrilamento e manutenção

Para segurança do tráfego ferroviário, a faixa de domínio além de ter o objetivo de evitar acidentes como atropelamento e colisões, também é uma área estabelecida para prevenir danos maiores em caso de possível descarrilamento ou tombamento de vagões.

No bairro do Róger, nas proximidades da penitenciária Flósculo da Nóbrega, a faixa de domínio foi aterrada por moradores para possibilitar o tráfego de veículos e acesso à garagem das casas construídas no local. “Já rendeu para nós vários problemas. Caminhões que transportavam esse material já ficaram presos e acabaram colidindo com a locomotiva”, contou Othon Viegas.

As ocupações prejudicam ainda a estrutura da ferrovia, com aterramento de equipamentos de drenagem, além de dificultar a troca dos dormentes e substituição dos trilhos. “Como é que a gente vai conseguir chegar lá e ter espaço para trabalhar, já que a comunidade invadiu esse espaço? São grandes prejuízos”, avaliou o gerente.

A fiscalização para evitar ocupações na faixa de domínio é contínua. O próprio maquinista quando identifica uma possível invasão comunica ao setor de segurança, que vai ao local instruir e notificar os invasores sobre a ilegalidade. Apesar das invasões e do risco, a CBTU afirma que não há um número elevado de colisões ou atropelamentos.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de agosto de 2023.