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Ansiedade

Doença crônica da modernidade

publicado: 19/02/2024 09h09, última modificação: 19/02/2024 09h09
Pesquisa de 2023 da Organização Mundial da Saúde revela que o Brasil é o país com o maior número de ansiosos
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A ansiedade é um quadro que propicia outros transtonos e demanda cuidados para que não se agrave ainda mais - Foto: Freepik

por André Resende*

A saúde mental se tornou um tema recorrente na sociedade desde os impactos causados pela pandemia. De lá para cá, com a Covid-19 superada, ficaram as sequelas psicológicas do momento enfrentado. Diante desse cenário, o desenvolvimento de quadros psíquicos diversos aumentaram e um dos principais foi a ansiedade, considerada um problema crônico da modernidade. Uma pesquisa feita em 2023, e divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), indicou que o Brasil é o país com o maior número de ansiosos.

De acordo com o estudo, 9,3% da população brasileira, quase 20 milhões de pessoas sofrem de ansiedade. A mesma pesquisa indicou que um a cada quatro brasileiros sofrerá de algum transtorno mental. Entretanto, tratando-se de ansiedade, o quadro pode desenvolver outros problemas, sendo o principal deles a depressão. A médica psiquiatra Vanessa Gomes explica que a ansiedade é um quadro que propicia outros transtornos e que é preciso de cuidados para que não se desenvolva dessa forma.

A ideia é de que a ansiedade btenha a ver com a maneira como o indivíduo lida com o futuro, ou com as possibilidades do que vai acontecer

“A ansiedade nos sinaliza que estamos tentando ter o controle daquilo que ainda está por acontecer. Dessa forma, o ansioso pode viver em um mundo cheio de possibilidades que não se concretizam. Esses atos não concretizados, que ficam ali apenas no campo da imaginação (imagens mentais), geram constante frustração. Essas frustrações podem se tornar tristeza e, por fim, depressão, que é a doença que mais comumente acompanha a ansiedade. Afora a depressão, a pessoa pode ainda desenvolver vários outros transtornos relacionados a esta questão do controle, como o transtorno obsessivo compulsivo ou o pânico”, explicou.

A ideia é de que a ansiedade tenha a ver com como o indivíduo lida com o futuro, ou com as possibilidades do que ainda vai acontecer. Em linhas gerais, o ansioso geralmente é uma pessoa que passa muito tempo pensando no futuro. Uma outra compreensão do quadro ansioso, segundo a médica psiquiatra Vanessa Gomes, é uma característica adaptativa dos seres humanos, um estado no qual nosso corpo entra para melhorar a performance e nos fazer fugir ou lutar.

“Acontece basicamente um ‘banho’ hormonal para que eu consiga ter sucesso nessa empreitada de fugir ou lutar contra, por exemplo, um animal me ameaçando: o meu coração bate com mais força, minha respiração acelera, minhas mãos ficam frias, meu corpo treme. Há uma resposta tanto física (“ativando” meu corpo) quanto emocional (uma espécie de medo sustentado”, detalhou.

Paciente não vivenciava o momento presente

Para o fotógrafo Tárcio Viana, diagnosticado com ansiedade, os sintomas começaram a aparecer quando estava em conversas com amigos e às vezes eu ficava um pouco desligado. Ele relata que seus pensamentos, presos em projetos futuros, faziam com que ele não se sentisse presente nos momentos que tinha com a família ou amigos.

“Meus amigos perceberam que vez ou outra eu viajava, viajava um pouquinho nos pensamentos, ia para longe e precisava repetir, às vezes, o assunto. Então, isso começou a ficar chato, porque muitos amigos acreditavam que eu não estava dando importância à conversa. Esse foi o primeiro ponto que me fez buscar um tratamento clínico, a ajuda dos amigos, da minha rede de amizades e da família também”, comentou.

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Eu não faço uso de medicamentos, mas eu tenho feito meditação, tomado chá e largado a bebida de café - Tácio Viana / Foto: Arquivo Pessoal

O quadro clínico fez com que Tárcio Viana iniciasse um trabalho de acompanhamento com um psicoterapeuta. “Eu não faço uso de medicamentos, mas eu tenho feito meditação, tomado chá, largado o café, a bebida de café em si. Tudo que tem cafeína eu tenho deixado de lado. Eu tenho o tratamento em si, o psicoterapeuta, o terapêutico. Toda semana eu tenho encontro com a minha terapeuta e o assunto é a ansiedade”, comentou.

No caso do fotógrafo, a ansiedade afeta tanto a vida pessoal, como a profissional, porque, segundo ele, como está sempre pensando no amanhã, pensando nos problemas caso se tornem maiores, acaba tendo um desempenho a menor na relação do cotidiano. Mesmo que seja um problema pequeno, fácil de resolver, a ansiedade dá uma potência maior para esses problemas para Tárcio.

“Não é algo fácil de lidar dia a dia com a ansiedade. Se traz um peso, às vezes, às vezes o dia se torna pesado, e por isso eu tenho feito esses movimentos, esses rituais, inclusive, de meditação, de tranquilizar, anotar os pensamentos de ansiedade que vêm, tentar esquecer também. É difícil lidar com isso todo dia, mas eu tenho feito esse acompanhamento terapêutico, então todas as dicas de tratamento quando a ansiedade e a crise vem eu acabo utilizando”, comentou.

Com o acompanhamento terapêutico, Tárcio Viana conseguiu lidar com a ansiedade e não desenvolver outros transtornos psicológicos. Porém, ele está investigando se apresenta também um quadro de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDHA). “Estou investigando o impossível TDAH, mas é muito complexo dizer se foi pós-ansiedade ou antes de já ser, porque é muito parecido, tem muita semelhança também com ansiedade, mas o diagnóstico principal foi ansiedade, apenas ansiedade”, comentou.

Para quem gasta muito tempo pensando no futuro, a solução passa por se ancorar ao presente. Neste caso, focar em projetos pessoais e profissionais, se dedicar ao trabalho, começar uma atividade nova, aprender algo novo. Essa foi uma das formas que Tárcio encontrou para suportar a ansiedade. “Um ponto para mim que foi extremamente importante para tratar a ansiedade foi a fotografia. Fotografar a natureza, a paisagem, na verdade foi o meu primeiro tratamento quando eu comecei a diagnosticar a ansiedade. E isso se tornou minha profissão hoje, inclusive”, concluiu.

Tratamento não pode ser deixado de lado 

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Os remédios ajudam o corpo a ‘desacelerar’ e a psicoterapia ajuda, sobretudo, a entender as situações que desencadeiam os sintomas ansiosos - Psiquiatra Vanessa Gomes / Foto: Arquivo Pessoal

A psiquiatra Vanessa Gomes acrescenta que, quando a ansiedade se torna um transtorno, é preciso que comece a ser tratado com medicamentos, sejam os de uso controlado ou naturais, os chamados fitoterápicos, aliados à psicoterapia.

“Os remédios ajudam o corpo a ‘desacelerar’ e a psicoterapia ajuda, sobretudo, a entender as situações que desencadeiam os sintomas ansiosos”, ressaltou.
Outro levantamento, feito pela Vittude, que é uma plataforma on-line voltada para a saúde mental e trabalho, aponta que 37% das pessoas estão com estresse extremamente severo, enquanto 59% se encontram em estado máximo de depressão e a ansiedade atinge níveis mais altos, chegando a 63%.

A ansiedade também gera um desgaste na rotina de trabalho, uma vez que o ansioso passa a ter problemas para desempenhar um trabalho com mais resultados.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 18 de fevereiro de 2024.