Com o aumento do acesso à tecnologia ao longo da última década, não é incomum observar crianças crescendo, praticamente, “coladas” às telas, como telefones, tablets e computadores. Por mais que essas ferramentas sejam capazes de auxiliar na aprendizagem e no entretenimento dos pequenos, quando usados sem supervisão, algo tão inofensivo à primeira vista pode ocupar o papel de porta de entrada para diferentes perigos. Crimes como assédio sexual e divulgação de imagens de abuso e exploração sexual infantil - comumente chamado de pornografia infantil - são ameaças reais que podem atingir esse público através da internet.
As redes sociais, embora possuam limite de idade mínima para criação de novas contas, estão repletas de perfis associados a crianças, e, pela facilidade de interação entre pessoas, é um ambiente utilizado com frequência por criminosos. De acordo com a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa da Criança e do Adolescente, Fábia Cristina Pereira, os casos mais comuns envolvem adultos que criam perfis falsos se passando por adolescentes e começam a conversar com esse mesmo público. “Após isso, eles passam a ter a confiança do infante, e a partir da confiança passam a pedir que o infante encaminhe alguma foto íntima, ou até mesmo grave alguns atos”, explicou.
Com a confiança estabelecida, eles se comunicam com o mesmo modo de falar, aprendem os mesmos interesses e manipulam o inocente por trás da outra tela para que atenda a seus pedidos. “Considerando que são seres em desenvolvimento, as crianças são facilmente ludibriadas e começam a fazer tudo que é pedido. Há situações onde o agressor já tem algumas fotos ou vídeos e passa a ameaçar a divulgação do material, obrigando que o adolescente e a criança passe a mandar ainda mais mídias”, disse, descrevendo o modus operandi dos pervertidos.
Já o responsável pela Delegacia de Crimes Cibernéticos (DECC), o delegado João Ricardo, salientou que jogos on-line também são ambientes propícios para tais crimes: “Eles conseguem chegar também através de jogos. Qualquer jogo on-line que tenha interação, com algum tipo de bate-papo”, contou, falando que o crime segue os mesmos padrões de quando praticado pelas redes.
Termos diferentes
Para que não haja mal-entendidos, é importante esclarecer alguns termos que facilmente podem ser confundidos, como as palavras “abuso”, “assédio” e exploração.
De acordo com Fábia Cristina, o abuso sexual ocorre dentro ou fora do ambiente familiar, onde há práticas de crimes sexuais. Já a exploração sexual acontece quando existe algum tipo de pagamento, seja em dinheiro ou outro tipo de benefício. O assédio, por sua vez, ato de importunar alguém de forma abusiva sexualmente, como um pedido indesejado, toques e gestos de natureza sexual ou qualquer tipo de comportamento sexual que possa causar humilhação.
Pais podem monitorar acesso à web
Quando a criança ou adolescente enfrenta um tipo de situação como essa, sinais no comportamento começam a aparecer. Geralmente, há mudanças no humor e cabe aos pais, além de primordialmente manter um tipo de controle em relação ao acesso à web, observar se os filhos dão indícios, por menores que sejam.
A psicóloga Laryssa Galvão reforçou que toda e qualquer mudança comportamental é um sinal de que algo diferente aconteceu. “Primeiramente, o ideal é que o responsável esteja acompanhando o que o filho está acessando e com quem está conversando. Se eu tenho um filho que era mais tranquilo, mais respeitoso na fala, que era mais paciente, estudioso, enfim... E, “do nada”, essa criança começa a ficar mais agressiva, com baixo rendimento escolar, não consegue mais fazer atividades que antes sentia prazer em fazer, é importante que a gente fique atento a isso. Como o contrário também, se era uma criança extremamente agitada, comunicativa, e que passa a ficar extremamente retraída, é um sinal de alerta”, advertiu.
Caso a criança tenha sido vítima de predadores sexuais on-line, a principal necessidade dos pais naquele momento é a de acolher o jovem, para que, em nenhuma hipótese, ele se sinta culpado pelo que aconteceu. Ainda, para Laryssa, a idade não permite uma estrutura psíquica capaz de lidar com essa demanda emocional e fazê-los entender que não são responsáveis pelas ações que sofreram. A presença dos pais para ajudá-los a enfrentar o processo é fundamental.
“É importante que a família valide os sentimentos e emoções da vítima, que compreenda, que acolha e que entenda que naquele momento, por alguma razão, ela sofreu aquele abuso e muitas vezes nem percebeu. Ele nem sabia, a depender da idade, que aquilo era uma relação de abuso, seja porque estava conversando com alguém, seja porque teve acesso a alguma imagem”, acrescentou a psicóloga.
A psicóloga Danielle Sousa, que já atendeu casos de crianças expostas à conteúdo sexual, informou que os impactos na vítima podem envolver isolamento social, quadros fobicos-ansiosos, estresse pós-traumático, depressão, quadros somáticos e psicóticos e, no pior dos casos, até o suicídio.
Ainda sobre controle parental, o delegado de Crimes Cibernéticos deu algumas sugestões para impedir o acesso total, de forma irresponsável, à internet: “Existem aplicativos e programas já para esse tipo de controle, as próprias grandes empresas como o Google. Através do Gmail, a pessoa pode instalar um e-mail alternativo para o menor de 18 anos, em que o responsável tem a opção de bloquear e gerenciar determinado tipo de conteúdo”
PB registrou 10 mil denúncias de abuso sexual infantil em 2022
As denúncias da presença de imagens de abuso e exploração sexual infantil na internet - termo utilizado atualmente para o que era conhecido como “pornografia infantil” foi o maior desde 2006, quando o levantamento começou a ser feito. A pesquisa com números de 2023 foi divulgada no início deste mês e mostrou que foram 71.867 queixas no ano passado.
Os dados são da Organização Não-Governamental (ONG) Safernet, que contabiliza as denúncias feitas à Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, rede criada há 18 anos pela mesma organização.
De acordo com Thiago Tavares, fundador e diretor-presidente da Safernet, três fatores são responsáveis pelo aumento: A introdução da Inteligência Artificial (IA) para a criação desse tipo de conteúdo; a proliferação da venda on-line de pacotes com imagens de nudez e sexo auto-geradas por adolescentes; demissões em massa anunciadas por grandes empresas de tecnologia, que atingiram as equipes de segurança, integridade e moderação de conteúdo de algumas plataformas.
Já na Paraíba, os dados, segundo o delegado João Ricardo, são quantificados através de softwares de monitoramento e de convênios que a polícia tem com outras instituições, inclusive, de fora do país. “Eu posso dizer que, em relação a um desses convênios que nós temos o que vem de fora do país, no ano de 2022, tiveram cerca de 10 mil denúncias de abuso sexual infantil na Paraíba on-line”, revelou.
O baixo número de denúncias preocupa o delegado porque são a partir delas as investigações mais bem-sucedidas. “Recentemente, nós tivemos um caso muito bom em sentido de combate, onde nós fizemos uma operação com prisões em cinco estados, e nós que fizemos essa operação, mas tudo começou de uma denúncia de uma pessoa da comunidade que falou que a mãe estaria abusando da filha e vendendo imagens dela. Apenas uma denúncia resultou em uma operação em cinco estados para ver como é importante. O principal problema tem sido o número baixo de denúncias, então isso nos faz refém dos nossos softwares para novas investigações”, explicou o delegado. Ele explicou que, após a denúncia, seja ela por algum software ou de forma presencial, as investigações começam para localizar o abusador e aplicar as medidas cabíveis.
Como Denunciar?
A denúncia pode ser feita pelo número 197, de forma anônima, mas também via Boletim de Ocorrência (BO), direcionado à Delegacia de Crimes Cibernéticos. A denúncia pode ser feita, também, tanto de maneira presencial e anônima na DECC quanto através de um e-mail, cujo endereço é o decc@pc.pb.gov.br
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 18 de fevereiro de 2024.