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Desaparecidos

Dor da ausência, diligência na busca

publicado: 13/05/2024 09h31, última modificação: 13/05/2024 09h33
Em meio ao sofrimento das famílias, órgãos do Poder Público se mobilizam para solucionar desaparecimentos
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Os delegados Pablo Everton e Aldroville Grisi estiveram à frente das investigações sobre o caso Ana Sophia, concluído neste mês | Foto: Edson Matos/Arquivo A União

por Lílian Viana*

Para os familiares de um desaparecido, o tempo segue em um ritmo diferente. Enquanto esperam notícias do ente querido, veem os ponteiros de seu relógio parecerem não sair do lugar, ao mesmo tempo em que a angústia aumenta, a cada minuto de ausência. Aqui, na Paraíba, 225 famílias estão sentindo na pele a dor de não saber o paradeiro de um parente, com uma média de mais de dois desaparecimentos por dia e 75 por mês, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Esse número é 47,06% maior que o do mesmo período de 2023, com o registro de 153 pessoas desaparecidas.

Entre os atuais desaparecidos, 72% são homens e 28%, mulheres. No recorte por faixa etária, as pessoas acima de 18 anos somam a maior parte dos casos, com 76,8%. Os dados, consolidados na plataforma do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), mostram que a situação na Paraíba ainda é melhor que a de 15 estados brasileiros. No recorte por região, o estado paraibano figura na quarta posição em número de pessoas desaparecidas, atrás de Bahia, Ceará e Pernambuco, sendo que, no ano passado, ocupava o quinto lugar.

De acordo com a Lei no 13.812/2019, a busca e a localização de pessoas desaparecidas são consideradas prioridade com caráter de urgência pelo Poder Público. Por isso, é imprescindível que os familiares comuniquem a situação às autoridades policiais o mais rápido possível. “Quando não se sabe o que aconteceu, onde a pessoa está ou ela não é localizada nos lugares que costuma frequentar, essa comunicação às autoridades policiais deve ser imediata. Não precisa esperar 24 horas. Todo minuto é importante. Quanto antes isso for comunicado, mais evidências existem desse suposto desaparecimento e mais fácil se torna a localização”, explica o delegado Pablo Everton.

A Paraíba conta com Delegacias de Crimes Contra a Pessoa em Campina Grande, João Pessoa e Patos, além das seccionais em diversos outros municípios, com polos de plantão 24 horas. Entretanto, Pablo Everton destaca que todas as delegacias estão aptas a receber denúncias e iniciar investigações sobre casos do tipo. “O principal é que a denúncia seja feita o quanto antes, independentemente da delegacia. Todos os profissionais estão aptos a realizar a investigação de maneira minuciosa, ao mesmo tempo em que oferecem apoio aos familiares”, ressalta.

Nesse processo, o compartilhamento de informações com o Ministério Público da Paraíba (MPPB) tem feito a diferença. Desde 2017, a instituição passou a integrar o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (Sinalid), com a criação do Programa de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas do Estado da Paraíba (Plid-PB). “Essa integração ajuda na localização de pessoas desaparecidas que possam ser encontradas ou terem seus corpos identificados em outros estados, por exemplo. Alguns órgãos cooperam com o Plid quando há diligências, como a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Civil e o Instituto de Polícia Científica, por meio da viabilização de exames e de resultados de exames de DNA”, revela Liana Carvalho, promotora de Justiça do MPPB e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Cidadania, vinculado ao Plid-PB.

Em 2016, o estado também passou a contar com o Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba (NetDP/PB) e o Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba (CetDP/PB). Ligados à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (Sedh), eles atuam na promoção de ações de prevenção e repressão a esses casos na esfera estadual.

Crianças e adolescentes são casos mais delicados

Desaparecida em julho de 2023, Ana Sophia, de oito anos, foi vista pela última vez enquanto entrava na casa de Tiago Fontes | Foto: Maria das Graças Gomes/Arquivo pessoal

Embora sejam apenas 19,5% do total de notificações de pessoas desaparecidas na Paraíba, os casos de crianças e adolescentes costumam ser mais delicados. Por isso, a Lei no 11.259/2005 determina investigação policial imediata em ocorrências de desaparecimento entre esse público. A medida é, inclusive, conhecida como “Lei da Busca Imediata”, justamente pela ênfase dada às primeiras 24 horas após o fato.

À frente do núcleo de homicídios da delegacia seccional de Solânea, próximo a Bananeiras, o delegado Pablo Everton presidiu o inquérito do desaparecimento de Ana Sophia, um dos casos recentes mais repercutidos no estado. A criança de oito anos desapareceu por volta das 12h do dia 4 de julho de 2023, no distrito de Roma, em Bananeiras. Imagens de câmeras de segurança mostraram Ana Sophia entrando na casa de Tiago Fontes. Depois disso, a menina não foi mais vista.

Passados meses de investigação intensa, o caso foi concluído no início deste mês. Para chegar ao seu desfecho, foram realizadas ações coordenadas, de modo a englobar diversas linhas de apuração. “Trabalhamos em conjunto com o Corpo de Bombeiros e outros órgãos, para atuar em várias frentes ao mesmo tempo. Era uma situação muito complexa, que precisava de olhares atentos em cada especialidade”, relata Pablo Everton.

O delegado afirma, porém, que a parte mais difícil sobre o caso ainda é a incerteza. Para ele, a falta de notícias é pior do que o luto por enterrar alguém. “A verdade é libertadora, por pior que seja. Você encara aquele momento difícil, às vezes com ajuda de um profissional, mas, com o tempo, passa a conseguir lidar com a perda. Mas a incerteza cria uma esperança eterna de que um dia tudo vai voltar ao normal. A pessoa vai ser sempre pela metade”, lamenta.

Ele afirma que, além do caso de Ana Sophia, a delegacia já recebeu diversas outras denúncias de desaparecimento, quase todas solucionadas em cerca de 48 horas. “Na maioria das vezes, conseguimos achar a pessoa rapidamente, sem que ela seja incluída na base de dados dos desaparecidos. É algo muito comum, especialmente com idosos e neurodivergentes. Por isso, reforço, novamente, a importância de nos procurarem o mais rápido possível”, finaliza o delegado.

O que ocorre com os bens do desaparecido?

Além da tristeza e angústia dos que ficam, o desaparecimento de pessoas produz reflexos jurídicos que afetam várias esferas, como a possibilidade de um novo casamento, a partilha de bens, os inventários e até o pagamento de impostos. Segundo a advogada Fernanda Carvalho, a legislação brasileira considera a situação como circunstância excepcional e garante os direitos da família por meio da morte presumida, um procedimento legal para atestar o falecimento de pessoas cujos corpos não foram encontrados.
“Graças a esse instrumento, os familiares de vítimas de catástrofes, ou de pessoas que simplesmente desapareceram sem deixar vestígios, podem garantir judicialmente seus direitos a herança, pensões, seguros de vida, indenizações e outros procedimentos legais, como encerramento de conta bancária e cancelamento do CPF do desaparecido”, detalha a advogada.
Legalmente, o procedimento exige a intervenção do Ministério Público para solicitar ao juiz a declaração de morte presumida, após a comprovação de que a pessoa está desaparecida. “Para isso, é importante que os familiares reúnam toda documentação que comprove a ausência do sujeito, como testemunhas do desaparecimento e boletim de ocorrência”, complementa.

Passo a passo da denúncia
Cada minuto é precioso para as pessoas que procuram um familiar desaparecido. Por isso, o Ministério Público, por meio do Programa de Localização e Identificação de Pessoas Desaparecidas do Estado da Paraíba (Plid-PB), elaborou uma cartilha sobre orientações preventivas e direitos na busca de uma pessoa desaparecida.

Saiba Mais

Diante da situação do desaparecimento, familiares e amigos apresentam múltiplos sentimentos. Entre eles, angústia, medo, tristeza, desespero, culpa, ansiedade e cansaços físico e mental. Contudo, é fundamental buscar força junto às instituições e aos órgãos públicos de forma regular, repassar informações novas e apresentar as necessidades que se desdobram no decorrer das buscas. Na prática, entretanto, o que se percebe é que as famílias não querem relembrar a situação e sequer desejam tocar no assunto. Foi o caso desta reportagem. Ao todo, seis famílias foram procuradas para falar sobre o tema, mas não aceitaram, por sofrerem a cada lembrança do dia em que se deram conta do desaparecimento.