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Mães on-line

Do mundo virtual para amizade real

publicado: 13/05/2024 09h22, última modificação: 13/05/2024 09h22
Durante a maternidade, mulheres compartilham experiências pela internet e criam uma rede de apoio
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Universo digital é aliado das mães durante período da gestação e no dia a dia com os filhos | Fotos: João Pedrosa
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Gabriel, Raul e Joaquim também se tornaram amigos
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por Lílian Viana*

Todo dia nasce um bebê e uma mãe. E a culpa. Seja porque a mulher acha que não se encaixa na perfeição da maternidade “vendida” pela sociedade, seja pelas infinidades de dúvidas que permeiam o cuidado com os filhos, especialmente na “primeira viagem”. É neste momento que a ficha cai e o provérbio africano “é preciso uma aldeia para cuidar de um bebê” passa a fazer todo sentido na jornada materna, por vezes solitária, silenciosa e cansativa, com requintes de perrengues e, ao mesmo tempo, tão incrível, tão incondicional, tão feliz. Para abrandar esse abismo que muitas se veem rodeadas no dia-a-dia, cada vez mais as mães têm se unido em um universo bem conhecido por todos: a internet.

Esse acesso digital vem reconfigurando as relações e modificando a forma como as mulheres trocam suas dúvidas, medos, inseguranças, experiências e informações sobre a criação dos filhos. O que antes significava sentar na calçada e conversar com as vizinhas, enquanto as crianças brincavam nas ruas, vem dando lugar a redes sociais e blogs, focados em tornar a maternidade de uma forma mais leve, tranquila e menos solitária. Tudo por meio de conexão, conteúdo e informação.

Pelas redes sociais, por exemplo, muitas mães têm conseguido criar redes de apoio, para trocar experiências ou, simplesmente, para “acalmar o coração”, como enfatiza a psicóloga Elizabeth Costa. “A troca de experiências torna a maternidade muito mais leve e acolhe mães que estão vivenciando pela primeira vez este momento tão marcante. Nem todo mundo tem amigas ou pessoas próximas vivendo tudo isso ao mesmo tempo”, explica a profissional.

Segundo Elizabeth, além de se sentir mais acolhida nesses grupos de redes sociais, as mulheres acabam se sentindo mais à vontade para expor suas vulnerabilidades, sem medo de se sentirem incapazes ou “fora do padrão”. Isso abre caminho para debater, inclusive, temas incômodos e que são considerados tabus, como a romantização da maternidade, a posição idealizada das mães na cultura e o arrependimento materno. “Isso torna a mulher protagonista do seu maternar e mais confiante. A maternidade não é exercida de uma maneira única e, com o apoio dessas redes digitais, as mães acabam trilhando seu próprio caminho e filtrando o que funciona para ela”, destaca.

Grupo virtual ajuda nos dilemas e receios típicos da maternidade 

Mãe de primeira viagem em 2011, a doutora em Ciência da Informação e docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Alzira Karla Araújo teve total apoio na gravidez e no puerpério. Mas, isso não a livrou de se sentir frágil, sensível e cansada. “Alguns detalhes vão nos trazendo momentos de tristeza, como não ter um apoio 24h do dia, não poder vestir mais as mesmas roupas e nem dormir uma noite inteira e acordar a hora que esgotar o sono”, conta. E foi nessa fase que ela enxergou o poder da internet, como um meio de conversar com outras mulheres que passavam pelo mesmo momento e compartilhar seus medos e angústias de ser mãe.

Logo passou a seguir o grupo “Cantinho Pais e Filhos”, comunidade que havia sido criada há pouco tempo no Facebook, por outras mães. Sua participação foi tão ativa que logo se tornou uma das administradoras do grupo e ajudou a comunidade a se tornar referência na Paraíba, principalmente João Pessoa e Região Metropolitana. No Cantinho, mães, pais, grávidas e “tentantes” trocavam experiências sobre os cuidados, passeios, eventos, profissionais e tudo o que envolvia o universo materno. Periodicamente, havia, ainda, encontros presenciais com todas as famílias seguidoras.

O grupo funcionou ativamente até 2017, quando o Facebook foi perdendo sua força. Já em outros projetos, Alzira e as outras mães administradoras do Cantinho não conseguiram migrar o grupo para outras plataformas, a exemplo do perfil no Instagram (@cantinhopaisefilhos), que já existe, mas não é mais alimentado. “Foram anos de muito aprendizado e o maior deles foi me ver parte de uma comunidade com pessoas que tinham os mesmos medos, as mesmas inseguranças, buscavam informações do mesmo universo, e que se apoiavam na mesma causa – cuidar dos filhos em suas diversas fases, com o laço fortalecido do amor”, resume Alzira, que também é pesquisadora da temática das redes sociais.

Hoje, Alzira é mãe de três filhos (com 12 anos, oito anos e seis anos) e já não participa de nenhum grupo no Facebook e nem no WhatsApp, mas continua usando a internet como apoio para a busca de informações sobre educação, saúde e eventos, além de seguir profissionais ligados ao seu universo “como mãe que gosta de estar bem informada e conhecer experiências que agreguem ao arsenal de conhecimentos”, finaliza.

Redes sociais aproximam mães que vivem mesma fase da vida

Quando o “Cantinho Pais e Filhos”  parou de ser usado, a maternidade ainda não tinha chegado para a nutricionista Mayla de Almeida e para as fisioterapeutas Juliana Eleuthério e Ana Isabele Neves, mamães de Joaquim, Raul e Gabriel. Elas engravidaram, em 2020, no auge da pandemia, e seguiram isoladas durante os nove meses de gestação e puerpério.

Mayla e Isabele moravam no mesmo prédio, mas, com o isolamento social, não se conheciam; e Juliana e Isabele estudaram juntas na universidade, mas não mantinham contato. E talvez nunca fossem se encontrar, não fossem os perrengues da amamentação, a pouca diferença entre os nascimentos dos três pequenos e o poder dos grupos do WhatsApp. Raul nasceu no final de janeiro e Joaquim e Gabriel, em abril (com diferença de um dia entre os dois).

Com dificuldades na amamentação, Isabele e Juliana contraram a mesma consultora, que logo tratou de incluir as duas em um grupo sobre o assunto, no WhatsApp. Não demorou muito para as duas se identificarem e passarem a trocar “figurinhas” entre elas. Tempos depois, Isabele, enfim, conheceu Mayla e já a incluiu no grupo também. Daí para o grupo “Amigos dos peitos” foi um pulo. “Eu morava em outro prédio e queria me mudar para um bairro mais central e pedi a Belinha [Isabele] para procurar no prédio que ela morava. E tinha. Antes de vir pra cá, ela fez esse grupo e nos colocou”, explica Juliana.

Os assuntos no grupo são os mais diversos, desde as angústias maternas até a troca de receitas daquele “lambedor” capaz de curar a tosse persistente; das pesquisas de material escolar aos relatos engraçados do matrimônio. Um espaço livre de julgamentos e recheado de carinho, de afeto e de boas gargalhadas, que transformou a amizade da internet – e dos meninos – em uma rede presencial e real de apoio.

Tão presencial que elas combinam até a hora de descer para a área comum do prédio, as aulas de natação e, até, a programação do fim de semana. Juntas, elas têm conseguido acompanhar cada fase dos pequenos e cada dificuldade também, uma ajudando a outra a passar pelas dificuldades e comemorando cada conquista dos pequenos e de cada uma, como mulher, como profissional e como mãe. “Somos três perfis bem diferentes, que se complementam em diversos pontos. E os nossos filhos também”, relata Isabele, enquanto Mayla reforça: “Que a gente continue assim até eles crescerem. Somos todas proibidas de nos mudar daqui do prédio. Eu mesma já tive vontade, mas, por eles e por nós, não consigo”.

E já que o futuro reserva ainda muitos momentos inesquecíveis e caóticos (como a maternidade pode ser, em vários momentos do mesmo dia), elas seguem para o próximo plano juntas, que inclui uma viagem das três famílias para Gramado, no final deste ano. O roteiro, claro, ainda está em construção, com muita pesquisa e trocas de informações pela internet e redes sociais. “Se o piloto do avião não nos expulsar do voo, depois dos meninos brincarem e brigarem, naquele caos tão conhecido de todos, nós chegaremos lá e iremos nos divertir numa programação, exclusivamente, pensada em Raul, Joaquim e Gabriel”, brincam as três.

Saiba Mais

O uso da internet pelas mães cumpre um papel informativo e integrador, entretanto Alzira Karla – que tem diversos artigos científicos publicados sobre o uso das redes sociais – alerta que é preciso ser cautelosa na escolha das redes sociais e do conteúdo que pretende consumir. “Vejo como ponto negativo a possibilidade de acreditar em informações fantasiosas ou mesmo em pessoas que usam a internet para obter benefícios pessoais. Precisamos estar atentas para distinguir informações sérias e relevantes, fidedignas e de credibilidade, de informações falsas ou sem nenhum respaldo científico”, ressalta.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de maio de 2024.