No Brasil, há 18,6 milhões de pessoas com alguma deficiência. Esse universo representa 8,9% da população brasileira — e, desses, 10,3% estão na região Nordeste, que detém a maior parte dos registros. Na Paraíba, são cerca de 360 mil pessoas, ou 9,3% dos cidadãos. Os dados são do módulo Pessoas com Deficiência, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022. Em relação somente às pessoas com deficiência auditiva, os números também mostram que elas formam 1,2% da população do país, sejam aquelas com algum nível de perda auditiva, sejam as que são surdas. É nesse cenário que vem crescendo o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Reconhecida como uma língua oficial do país pela Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, o uso da Libras vem crescendo também entre as pessoas ouvintes, que buscam aprendê-la não só como uma ferramenta essencial para a inclusão social, mas também impulsionadas por legislações que tratam da acessibilidade em diversos espaços. Na Paraíba, por meio do Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS-PB), ligado à Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad), do Governo da Paraíba, é oferecido atendimento a crianças e adultos surdos, além de cursos de Libras para ouvintes.
"O surdo pode estar onde ele quiser, e tem o direito de ser bem atendido. Então, as pessoas precisam aprender a se comunicar"
- Elisângela Medeiros
O CAS-PB trabalha tanto com a parte de atendimentos pedagógicos especializados quanto com os cursos de Libras em contexto, direcionados para ouvintes. Os atendimentos são direcionados para crianças, adolescentes e adultos surdos, a partir dos três anos de idade, mas é necessário que essas crianças estejam estudando na escola regular de ensino, no contraturno. “Os atendimentos funcionam duas vezes na semana, durante a manhã e à tarde”, diz a chefe administrativa do órgão, Elisângela Medeiros.
No local, a criança surda aprende a se comunicar em Libras como primeira língua (torna-se a sua língua-mãe), enquanto o português, ensinado como segunda língua, é usado para a leitura e a escrita — por isso, a necessidade da alfabetização na escola regular de ensino. O centro é dividido em educação infantil, com laboratório de leitura e escrita do português como segunda língua, e em educação de jovens e adultos surdos, que atende quem nunca aprendeu Libras ou quem teve perda auditiva recente. “Também oferecemos o curso de tradutor e intérprete de Libras, que é um curso mais avançado, para quem quer se especializar na área”, explica Elisângela.
Os cursos de Libras para ouvintes têm duração de dois anos e são direcionados a profissionais de diversas áreas, com destaque para educação e saúde, além da comunidade em geral; basta querer aprender. E muitas pessoas têm querido. Segundo Elisângela, a procura de formação por parte de pessoas ouvintes vem aumentando — atualmente, o curso de Libras em contexto, voltado aos ouvintes, conta com mais de 200 alunos matriculados.
Ela conta que, no passado, o perfil de interessados era formado basicamente por professores. Hoje, além desse público, o centro atende muitos psicólogos e advogados, como também pais e mães de crianças surdas que querem aprender Libras para se comunicar com os filhos. “Tem mudado muito, porque há mais conscientização. O surdo pode estar onde ele quiser, e tem o direito de ser bem atendido. Então, as pessoas precisam aprender a se comunicar”, argumenta.
Quanto às crianças e aos jovens e adultos surdos, o CAS-PB possui 120 inscritos, nas suas várias atividades. O centro conta ainda com uma Central de Interpretação de Libras (CIL), que oferece suporte às pessoas surdas durante atendimento em espaços públicos, audiências judiciais e outros serviços, mediante agendamento prévio pelo número (83) 98802-3955. O espaço atende João Pessoa e Região Metropolitana, mas o estado conta também com outros polos de referência para serviços direcionados às pessoas surdas, localizados em Campina Grande, Pombal e Guarabira. Para buscar atendimento, basta procurar esses espaços, levando os documentos pessoais, o cartão do SUS e um laudo médico.
Escolas inclusivas para acolher e ajudar na socialização
De acordo com a legislação, todas as escolas regulares devem estar abertas à matrícula de alunos surdos — bem como daqueles que possuem qualquer outra deficiência. Para isso, a instituição precisa disponibilizar um tradutor e intérprete de Libras, que dará suporte a esses estudantes em sala de aula. Na rede estadual de ensino da Paraíba, segundo informações da Secretaria da Educação (SEE), existem 388 alunos matriculados com deficiência auditiva, surdez ou surdocegueira no estado.
Em João Pessoa, conforme a Divisão de Educação Integral da Secretaria de Educação e Cultura de João Pessoa (Sedec), há 62 estudantes surdos, e a maioria está nas escolas de referência (36). Há duas unidades educacionais de referência para alunos surdos, no município: a Escola Municipal Ativa Integral (Emai) Celso Monteiro Furtado, de Ensino Fundamental I, e a Emai Leonel Brizola, voltada ao Ensino Fundamental II.
Nessas escolas, os estudantes surdos participam de toda a dinâmica escolar — da matriz curricular da rede e do currículo diversificado da Emai — e têm, como complemento, aulas de Libras como primeira língua (L1) e aulas de português como segunda língua (L2). “Também são oferecidas aulas de libras como segunda língua (L2), para estudantes ouvintes”, explica a especialista em Libras da Sedec-JP, Rosângela Melo.
Já em Campina Grande, a Secretaria Municipal de Educação (Seduc-CG), informou que existem quatro estudantes surdos e 12 com deficiência auditiva na sua rede. Uma das principais estratégias empregadas para a inclusão desse público é a ampliação do número das Salas de Recursos Multifuncionais, onde professores atuam no Atendimento Educacional Especializado (AEE) e promovem o ensino bilíngue, ou seja, Libras e português.
“Esse atendimento, realizado no contraturno escolar, oferece suporte pedagógico focado no desenvolvimento integral dos estudantes. Para os surdos, a ênfase é na aquisição da língua de sinais”, explica Fabíola Gaudêncio, gerente de projetos da Seduc-CG. Ela também salienta que a inclusão de educadores sociais com habilitação em Libras ajuda a fortalecer o acompanhamento dos alunos surdos durante as aulas regulares.
Outro destaque é a presença do professor Darkson Saraiva, surdo e formado em Letras-Libras, na Coordenação da Educação Especial da Seduc. Ele ministra aulas de Libras aos servidores municipais, em parceria com a Escola do Serviço Público Municipal (Emusp), para ampliar a comunicação entre servidores e cidadãos surdos. Há, ainda, o Programa Escuta Campina, que faz diagnósticos de perda auditiva em estudantes da rede municipal, concede aparelhos auditivos e oferece acompanhamento contínuo, com profissionais especializados.
Desafios para a qualificação e o atendimento da demanda
A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) oferecem cursos de graduação em Letras-Libras. Instituições particulares também têm ensino na área, seja presencial ou a distância. Há, ainda, iniciativas como a da Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad), que oferecem cursos livres para a população que queira aprender a se comunicar em Libras.
Quanto ao mercado de trabalho para profissionais da área, a professora, tradutora e intérprete de Libras Kivia Marinho avalia que a procura, de fato, vem aumentando. “Existe demanda tanto de pessoas ouvintes, que querem aprender a língua de sinais, como de pessoas surdas, que não nascem sabendo a língua de sinais. O surdo nasce em uma família que geralmente é ouvinte, então, precisa do aprendizado de Libras”, afirma, baseando-se em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cuja sistematização identificou que cerca de 95% das pessoas surdas vêm de famílias ouvintes.
Embora a procura pela aquisição desse aprendizado tenha aumentado, a oferta de profissionais qualificados ainda está abaixo do necessário, na Paraíba, o que causa sobrecarga de trabalho. “Professores, principalmente, acabam tendo uma alta demanda e trabalham em muitos locais. Faltam também cursos de especialização, como mestrado e doutorado, nessa área. Para buscar uma qualificação profissional, o profissional precisa sair do estado, e isso faz com que a formação de muitos se limite aos cursos básicos, o que prejudica o processo de ensino-aprendizagem dos alunos”, destaca.
Kivia diz ainda que, entre as áreas mais procuradas para a atuação do tradutor e intérprete de Libras, estão o setor educacional (para a tradução em sala de aula) e o segmento político (que precisa, por lei, garantir acessibilidade em eventos e vídeos de divulgação). Em outros setores, como bancos e instituições de saúde, ela avalia que ainda há falta de interesse em oferecer essa opção de acessibilidade para as pessoas surdas. Para serem atendidas, elas precisam ir a esses serviços acompanhadas de algum familiar ou amigo que possa intermediar a comunicação.
Necessidade de mais profissionais sobrecarrega os que já estão no mercado
História
A Língua Brasileira de Sinais é a língua oficial da comunidade surda brasileira, composta por diferentes níveis linguísticos, com expressões e estruturas gramaticais próprias. Da mesma forma como acontece com os idiomas baseados em fonemas, a comunicação por sinais possui diferentes línguas, em vários países.
A Libras, por exemplo, com origens na linguagem de sinais francesa, possui expressões e regionalismos próprios do Brasil, que surgem no século XIX, a partir da fundação do Imperial Instituto de Surdos-Mudos, em 1857, no Rio de Janeiro. É uma língua de modalidade gestual-visual, que se exprime por meio da combinação de sinais e expressões faciais — as chamadas expressões não manuais —, na qual os sinais utilizados substituem as palavras.
Saiba Mais:
Centros de referência no estado:
- CAS/Paraíba
Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (Funad)
Rua Doutor Orestes Lisboa, s/n – Pedro Gondim, João Pessoa
- CAS/Campina Grande
Escola Estadual de Audiocomunicação Demóstenes Cunha Lima (Edac)
Rua Profª. Eutécia Vital Ribeiro, s/n – Catolé
- CAS/Pombal
Centro de Capacitação de Profissionais de Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS-Pombal)
Rua Prof. Ferreira Campos, 39 – Centro
- CAS/Guarabira
Serviço de Referência de Inclusão da Pessoa com Deficiência (SERI)
Rua Prefeito Manoel Lordão, 161 – Centro
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de outubro de 2024.