Recentemente sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nova legislação que amplia a pena de feminicídio para até 40 anos de reclusão marca um passo significativo na luta contra a violência de gênero no Brasil, que alcançou recordes alarmantes, nos últimos anos. Com a nova lei, o feminicídio deixa de ser considerado homicídio qualificado e passa a ser um tipo penal independente, garantindo a punição mais rígida para o criminoso. Assim, a punição passa de 12 (mínima) a 30 anos (máxima) para 20 a 40 anos de reclusão.
O foco da Lei no 14.994/24, que ficou conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, é facilitar a classificação do feminicídio e permitir que esse crime também tenha circunstâncias qualificadoras e agravantes, a exemplo do assassinato da mulher durante a gestação ou na presença de pais ou filhos da vítima. A nova lei também altera diversas legislações existentes, como a Lei Maria da Penha, endurecendo as penas para descumprimento de medidas protetivas e para crimes de lesão corporal, que podem ser duplicados se cometidos em contexto de violência de gênero. Prevê, ainda, que os processos relacionados a feminicídio ou violência contra a mulher tenham tramitação prioritária e isenção de custas processuais para as vítimas.
De acordo com a nova lei, o condenado por crime contra a mulher deve usar tornozeleira eletrônica nas saídas temporárias da prisão. Ele também perde o direito a visitas conjugais e o poder familiar da tutela ou da curatela. São vedadas ainda a nomeação, a designação ou a diplomação em qualquer cargo, função pública ou mandato eletivo entre o trânsito julgado da condenação e o efetivo cumprimento da pena.
Idealizadora do movimento Rompa o Ciclo da Violência, lançado em março deste ano, na Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), a deputada estadual Camila Toscano (PSDB) argumentou que a criação de um tipo penal específico para o feminicídio é uma evolução importante e um reconhecimento de que o assunto deve ser tratado com uma resposta mais rigorosa, por parte do Estado. “Quanto mais duras e severas forem as leis, mais chances temos de diminuir os casos de feminicídio”, disse a parlamentar, que também é presidente da Comissão de Direitos da Mulher da ALPB, presidente nacional da Comissão da Mulher na União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale) e presidente da Rede de Mulheres das Américas.
Além de punições mais severas, é preciso investir em projetos pedagógicos sobre respeito ao próximo -- Artemise Leal
Já Cida Ramos (PT), também deputada estadual, ressaltou a importância de ações conjuntas, com punições mais rigorosas e ações permanentes de medidas preventivas ao feminicídio — que ela considera uma “barbárie social”. Segundo ela, que foi presidente da CPI do Feminicídio na Paraíba, o Governo Federal acerta em aumentar a pena para coibir novos crimes, entretanto, é preciso que isso venha acompanhado de outras medidas de prevenção. “A nossa CPI foi a única, no Brasil, a dar voz às vítimas, por meio dos seus familiares. Também ouvimos os seus algozes, em relatos fortíssimos, que nos fizeram entender mais sobre o crime e apresentar um relatório com indicativos aos três poderes, no intuito de contribuir para essa luta”, destacou.
Conscientização deve se aliar à punição
Segundo os Dados Nacionais de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, de janeiro a agosto deste ano, 26 paraibanas foram mortas pelo simples fato de serem mulheres. Os números são 23,81% maiores que o mesmo período de 2023 — e bem acima da variação nacional, que foi de 0,12%.
Por isso, para a promotora de Justiça, Artemise Leal, a iniciativa deve servir não só como um alerta, mas como uma forma de conscientizar toda a população para a temática. “Não se trata apenas de combater o feminicídio no sentido punitivista, mas multissetorial. Além das punições mais severas da nova lei, precisamos investir em projetos pedagógicos sobre a prática do respeito ao próximo, seja ele quem for. Olhar o ser humano com respeito, sabendo que a discriminação tem uma punição rigorosa e que, se cometer um crime do tipo, será punido”, argumentou.
Esse ponto também é defendido pela jornalista e idealizadora do site Paraíba Feminina, Tatyana Valéria. Segundo ela, a violência contra a mulher e o feminicídio são reflexos de uma cultura machista e de um sistema violento contra esse segmento da população. “Enquanto não houver conscientização sobre a submissão imposta às mulheres e não houver uma mudança cultural, que comece ainda na infância, com meninos e meninas sendo orientados sobre os seus deveres e direitos e respeitando os espaços de cada um, não vai mudar muita coisa”, afirmou.
Tatyana defendeu, ainda, a importância da prevenção das primeiras violências, que, muitas vezes, passam despercebidas pelas pessoas que convivem com a futura vítima de feminicídio. “Esse aumento da pena é a resposta do governo a um apelo da população. Pode até ser que um ou outro agressor pense duas vezes e haja queda no número de mortes, mas precisamos que as primeiras violências não aconteçam, porque o feminicídio é o fim de um ciclo de violência que se iniciou com o primeiro empurrão ou o primeiro grito”, alertou.
Histórico
A Lei do Feminicídio (no 13.104) foi criada em 2015, após alterar o Código Penal (Decreto-Lei no 2.848/40) e estabelecer o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Na época, a iniciativa também modificou a Lei de Crimes Hediondos (Lei no 8.072/90), para incluir o feminicídio. Com isso, em vez de penas entre seis meses a 20 anos de prisão, o feminicídio passou a ser considerado um homicídio qualificado, com 12 a 30 anos de prisão.
Para criar o Pacote Antifeminicídio, o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos foram alterados novamente, junto com a Lei de Execução Penal e com a Lei Maria da Penha, objetivando estabelecer medidas específicas para o assunto e aumentar ainda mais a pena do criminoso.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de outubro de 2024.