“Dom Casmurro”, de Machado de Assis. “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. Agora, Janaína de Alexandra está de olho em “Crime e Castigo”, do russo Fiódor Dostoiévsky, um dos livros guardados entre as estantes da sala de aula da biblioteca existente na Penitenciária de Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão, no bairro de Mangabeira, em João Pessoa. “Já li livros de remição de pena. É muito legal, muito bom, é uma coisa que entretém a mente da gente, é uma forma de procurarmos ganhar o tempo, que é um tempo perdido, e são livros edificantes, que tanto nos ensinam como nos edificam, em todos os sentidos. Pretendo ler todos que forem de remição de pena”, enfatiza Janaína.
Janaína está entre as cerca de 200 apenadas da penitenciária feminina que receberam, ontem, a doação de mais de 100 obras pela União Brasileira de Escritores (UBE), seccional Paraíba, dentro do projeto “A Leitura Transforma”, iniciado em outubro de 2023. Essa foi a segunda doação realizada pelo grupo em unidades prisionais do estado, sendo a primeira realizada em outubro do ano passado na Penitenciária Desembargador Silvio Porto, também em Mangabeira.
"A leitura tem um poder transformador absurdo e pode fazer uma pessoa sair daqui com outras perspectivas. A gente tem que pensar que as pessoas entendem que podem ser transformadas"
- Luis Augusto Paiva
A entrega dos livros foi realizada pelos escritores Luiz Augusto Paiva e Emmanuel Arruda, membros da UBE, seccional Paraíba. “Qual a nossa visão? É de que a sociedade tem que olhar quem está aqui também. E isso faz parte de um processo de educação de que os escritores têm que estar diante. A leitura tem um poder transformador absurdo e pode fazer uma pessoa sair daqui com outras perspectivas. A gente tem que pensar que as pessoas entendem que podem ser transformadas”, pontua Paiva.
Redução de pena
A importância da doação de livros é que, a cada leitura, apenados e apenadas podem ter remição de sua pena, ao lado da educação formal e dos trabalhos desenvolvidos nas unidades. No caso das publicações, cada obra lida por mês pode gerar diminuição da pena a ser paga. Ao término da leitura, a pessoa apenada precisa redigir um relatório, que segue para a Gerência Executiva de Ressocialização para ser avaliado e, então, submetido ao Poder Judiciário, que detém o poder final pela remição. Os livros podem ser acessados não apenas nas bibliotecas, mas podem também ser levados para dentro das celas.
“Nós já recebemos algumas vezes essas doações e a gente está sempre aberto. A proposta é ampliar cada vez mais o leque de títulos para que elas possam absorver mais conhecimento. A ideia é que, depois dessas doações, a gente organize a sala de leitura e possa fazer essa engrenagem rodar para que elas possam utilizar essa doação. Temos uma sala de aula com livros, elas vão para a aula, têm acesso a eles e pedem por empréstimo para levar para as celas”, explica Cinthya Almeida, diretora da penitenciária feminina.
Projeto “A Leitura Liberta” é realizado em 64 presídios da PB
No compromisso com a leitura e com a escrita, o projeto dialoga com o programa institucional, o “A Leitura Liberta”, desenvolvido pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Sead), por meio da Gerência Executiva de Ressocialização, desde 2021, nas 64 unidades prisionais do estado. Até agora, foi distribuído um acervo de mais de 30 mil obras pelas bibliotecas existentes em cada unidade prisional.
Uma das novidades do projeto foi a criação, no mês passado, de uma biblioteca na própria sede da Gerência Executiva de Ressocialização, no bairro de Cruz das Armas. Nesse caso, os títulos são voltados para apenados e apenadas em situação de regime aberto ou semiaberto, que podem também acessar o projeto dessa forma.
“Desde 2021, nós temos fomentado essa prática prisional, tanto com a estruturação dos espaços quanto no incentivo a novos leitores. O programa é para quem desejar participar, é totalmente inclusivo, esse é o diferencial dele. Não temos limitação por conta das estruturas físicas, como uma escola tradicional, que se limita à capacidade por sala. Eles podem levar os livros para dentro das celas. É um projeto realmente de maior número de participantes e com capacidade de abarcar 100% dos que desejarem participar”, explica João Rosas, gerente de ressocialização.
Foi esse projeto que abriu o mundo da leitura para a apenada Janaína. “Eu não gostava de ler. Aprendi por conta desse projeto aqui na unidade, que é muito importante. Eu comecei a ler em Patos [Presídio Regional Feminino de Patos] e continuei aqui. Eu quero ler o que mais me chama a atenção, que é ‘Crime e Castigo’. É um livro antigo, é uma história antiga e eu sou curiosa nessas coisas assim. Eu estou em busca dele”, finaliza a apenada.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 02 de abril de 2024.