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Vapes desafiam a saúde pública

publicado: 03/04/2024 08h17, última modificação: 03/04/2024 08h17
Altamente nocivos aos sistemas respiratório e cardiovascular, cigarros eletrônicos viram moda no Brasil
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A comercialização de vaporizadores é proibida no país, mas proposta em tramitação no Congresso pode mudar esse cenário | Foto: Freepik

por Priscila Perez*

Muito comum entre os jovens, os cigarros eletrônicos chegaram clandestinamente ao mercado com a promessa de ser menos nocivos à saúde de seus usuários. Por não produzir monóxido de carbono nem alcatrão, substâncias liberadas na queima do tabaco, os vapes conquistaram muitos adeptos com a ideia de que poderiam diminuir a dependência ao cigarro. Mas hoje já se sabe que não é bem assim.

Segundo o pneumologista Sebastião Costa, presidente do Comitê de Combate ao Tabagismo da Paraíba, o uso frequente desses vaporizadores causa sérios danos e complicações aos sistemas respiratório e cardiovascular. “A indústria tabagista quer repor o lucro que perdeu com o cigarro tradicional, jogando na cabeça das pessoas que o eletrônico não faz mal à saúde e ajuda a parar de fumar. Isso é mentira”, alerta. E mais: usuários de vapes têm três vezes mais chances de se tornar dependentes do cigarro tradicional.

Embora o Brasil e a Paraíba tenham programas de combate ao tabagismo altamente eficazes, elogiados inclusive pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), a existência desses aparelhos vem revertendo o progresso conquistado, de acordo com o médico. Sebastião revela que representantes do Inca e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) estiveram na região e escolheram a Paraíba para implementar um de seus programas devido a esse reconhecimento.

No entanto, o especialista  enfatiza que nada disso terá impacto se a disseminação do vape não for controlada, inclusive com a liberação da produção e comercialização dos DEFs (dispositivos eletrônicos para fumar) no país, proposta que tramita no Congresso Nacional. “Se isso acontecer, vai passar a ideia de que agora eles [usuários de vape] podem fumar, que não faz mal. O grande perigo desse projeto é baratear o produto, facilitando o acesso para mais pessoas”, adverte Sebastião.

Evali

Os casos de Evali (sigla em inglês para lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico) provam a gravidade do problema, cuja causa é ligada exclusivamente ao aparelho. De acordo com o Sebastião Costa, em 2019, os Estados Unidos registraram 2,8 mil casos da doença e 68 mortes. Já em relação ao perfil dos pacientes hospitalizados, a média de idade não passa dos 24 anos. Os sintomas são graves e incluem tosse aguda, dor no peito e dificuldade respiratória. “É uma síndrome agudíssima que leva a pessoa para o [suporte de] oxigênio, o tubo e, infelizmente, para o necrotério”, ressalta o médico.

Usuários de vape podem desenvolver lesão pulmonar grave em apenas 12 meses

Para se ter ideia, um usuário frequente de vape pode desenvolver a Evali em apenas 12 meses, processo significativamente mais agressivo em comparação às consequências do cigarro tradicional. E pior: segundo Sebastião, mesmo parando de fumar, há chances de a síndrome aparecer 90 dias depois. Por sua vez, o enfisema pulmonar e o câncer de pulmão, doenças associadas ao tabagismo, podem levar de 15 a 20 anos para se manifestar.

O problema do vape, explica Sebastião, está diretamente relacionado à sua composição: “Muitas vezes, a concentração de nicotina é ainda maior, o que provoca infarto, AVC, hipertensão, além de viciar muito mais”. Por isso, o pneumologista é enfático ao apontar que adolescentes e jovens adultos estão consumindo cigarros eletrônicos sem a consciência do perigo que esses dispositivos representam à sua saúde.

Solução deve incluir diálogo com pais e jovens

Por aqui, nos últimos 40 anos, o Brasil viu sua população fumante diminuir de 34% para 9,2% dos brasileiros adultos, avanço muito celebrado pela sociedade médica. Nesse compasso, a mortalidade de doenças associadas ao tabaco também caiu de 200 mil para 160 mil. Porém, com a chegada dos vaporizadores ao país, mesmo que ilegalmente, ficou claro que as campanhas antitabaco não haviam conseguido atingir os mais jovens até então.

Segundo Sebastião Costa, antes mesmo do “vape”, de cada 10 pessoas que fumavam cigarro, ao menos três pertenciam à faixa etária de 12 a 18 anos. “Faltou conscientizá-los”, crava o médico, lembrando que o aparelho eletrônico é muito mais “jovial”. Não à toa, os “vapes” que hoje viralizam nas redes sociais apresentam mais de 200 sabores e uma publicidade atraente.

Apesar da proibição da comercialização e importação de cigarros eletrônicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil, muitos jovens têm acesso ao produto sem que se fale muito sobre o tema. Assim, na avaliação do médico, a solução para conter o avanço dos “vapes” no país consiste em incluir os adolescentes no debate e conscientizar os pais sobre o problema. “Muitas vezes, eles não sabem que o adolescente está fumando, que fumam porque ‘está na moda’, mesmo entendendo que é algo danoso para a saúde”, reflete. É preciso, então, repensar a forma como o poder público dialoga com todos eles para que a mensagem fique cada vez mais clara.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 03 de abril de 2024.