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Esforços repetitivos afetam a saúde física de profissionais

publicado: 18/11/2017 12h05, última modificação: 18/11/2017 12h38
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Ana Fernandes, cabeleireira, sofre com hérnias, artrose e escoliose; Dra. Maristé Rocha defende responsabilidade compartilhada - Foto: Ortilo Antônio

tags: esforços repetitivos , lesões , saúde física


Lucas
Campos
Especial para A União

Muitas profissões exigem esforços físicos intensos ou mesmo repetitivos de vários profissionais. Naturalmente, o corpo sente os efeitos desses movimentos e, aos poucos, vai se desgastando; de forma que, às vezes, mexer o pulso ou levantar o braço tornam-se tarefas hercúleas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 3,5 milhões de brasileiros sofrem de Lesões por Esforço Repetitivo (LER).

Segundo o fisioterapeuta Diogo Coutinho, existem diversos fatores que contribuem para o surgimento das LER ou dos Distúrbios Osteo-musculares Relacionados ao Trabalho (Dort). “A má postura, excesso de horas de trabalho sem intervalos e falta de atividades físicas”, explica.Ele acrescenta que existem muitos relatos de dores na coluna pela falta de uma ergonomia correta e pela própria postura do paciente.

Diogo ainda sugere algumas formas de prevenção, como a ergonomia no ambiente de trabalho e também a ginástica laboral, que deveria sempre ser feita antes do início das atividades. Ele recomenda também que sejam feitas pausas entre a carga horária, a fim de evitar dores e fadigas musculares. “Passamos orientações no que diz respeito à postura, para o paciente estar sempre em harmonia com a postura e lembrar de pelo menos a cada duas horas parar suas atividades e fazer uns alongamentos das regiões mais sobrecarregadas”, pontua.

O fisioterapeuta explica que alguém da área deve ser procurado após um diagnóstico prévio de um médico, como um reumatologista, e explica os tratamentos que costumam ser adotados. “Nós vamos fazer um trabalho voltado inicialmente para o alívio da dor, através de técnicas analgésicas: tens, ultrassom, compressas, liberação miofascial”, enumera. Diogo conclui dizendo que é comum adotar um programa de fortalecimento muscular para manter a postura adequada e a musculatura não fadigar tão fácil, além das orientações mais comuns.

Maristé Rocha, reumatologista, explica que para haver um trabalho com segurança e estabilidade é importante que haja uma responsabilidade compartilhada. “Tanto do empregador, que tem que dar condições positivas para o empregado, quanto do empregado, que tem que fazer uso dessas condições positivas para ele também”, afirma. Ela acrescenta que os profissionais que mais se desgastam são aqueles que trabalham na construção civil e garis, que realizam trabalhos que exigem muito esforço físico; e pessoas que trabalham em lojas e passam boa parte de seus dias em pé.

Por outro lado, Maristé explica que qualquer pessoa está sujeita a adquirir uma lesão por conta de trabalho, não havendo um grupo de risco bem delimitado. “Pessoas mais velhas, aquelas que já estão na faixa dos 40 ou 50, são mais vulneráveis que jovens entre 20 e 30”, esclarece. Ela pontua que outro fator – e este mais importante – a ser considerado para além da idade é o próprio ambiente de trabalho. Além disso, reforça que é preciso sempre haver horários para descanso a fim de evitar o desgaste muscular.

Reforçando o que foi posto por Diogo, Maristé pontua: “Na realidade, em toda profissão, o ideal é que a pessoa se exercite antes de trabalhar, pelo menos, 20 minutos. E quais são esses exercícios? Alongamentos e exercícios respiratórios”. Ela sugere que as pessoas façam mais caminhadas, porque é um exercício bastante completo e que aumenta a capacidade pulmonar. Não esquecendo, é claro, de questões básicas, como ingestão constante de água e alimentação adequada – evitando, assim, a obesidade.

A reumatologista ainda reitera que é preciso insistir nas boas relações entre patrão e empregado, porque ainda há muitos problemas nesse sentido no país. Por outro lado, ela comemora que as leis no país estão se tornando mais severas no que diz respeito ao oferecimento de boas condições de trabalho. “Consciência é algo muito individual. Na medida em que a gente olha o outro como um irmão e pensar: ele é igual a mim e eu não sou melhor do que ele por pagar o salário dele. Isso é uma tomada de consciência importante”, conclui, explicando sobre a mudança de pensamento que o país precisa ter.

Trabalho em pé

Exercendo há 21 anos a função de cabeleireira, Ana Fernandes sente os efeitos de sua longa jornada de trabalho. Ela revela que tem muitas dores nas pernas por conta das varizes desenvolvidas por passar horas em pé, mas não apenas: Ana também sofre por conta de hérnias, da artrose e da escoliose. "Hoje em dia é difícil saber o que é que eu não tenho", fala ao ser questionada sobre as dores que sente sempre que chega em casa no final da tarde.

Ela esclarece que já procurou um médico, que lhe deu os diagnósticos, e desde então tem procurado se policiar. "Eu tenho feito academia, faço musculação para ajudar. Também tenho tido muito cuidado com a postura, porque eu tenho muito problema de coluna", explica. Ana acrescenta também que, mesmo com exercícios físicos, quando vai dormir sente muita dificuldade para pegar no sono, já que a cervical lhe incomoda bastante.

A comerciante Maria dos Santos é outra trabalhadora vítima de sua própria função. Há mais de 20 anos no setor de comércio de roupas, Maria passa boa parte da manhã e da tarde em pé atendendo suas clientes. "As minhas pernas doem muito. Na verdade, é um tipo de cansaço que me incomoda bastante, principalmente quando estou no trabalho", revela sobre o dia a dia. Ela conta ainda que, ao chegar em casa e se deitar, a dor passa logo, mas é algo que lhe deixa bastante desconfortável e prejudica seu bem-estar.

Anos escrevendo

Trabalhando há vários anos na Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), Maria do Carmo Franca atua na implantação, alteração e mudança no plano de saúde da empresa. Dessa forma, ela passou parte da sua vida dando pareceres em diversos processos. Como ela era a chefe de divisão de pessoal, tornou-se a principal responsável pela função. As dores nas mãos não demoraram a aparecer e, ao consultar um médico, ela foi diagnosticada com alguns problemas fruto da atividade que exercia.

“Fui diagnosticada com tendinite, síndrome do túnel do carpo e síndrome do escrivão”, esclarece Maria do Carmo. Ela acrescenta que o diagnóstico aconteceu há bastante tempo, mas que só recentemente ela foi levada à procedimentos cirúrgicos para aliviar as dores. Assim, ela operou a mão esquerda uma vez e a mão direita duas vezes. Além disso, passou a tomar alguns medicamentos que deram algum resultado no início do tratamento, mas que não adiantaram de muita coisa. A fisioterapia também não lhe ajudou muito, somente as cirurgias foram efetivas.

A funcionária pública admite que muita coisa mudou desde que foi diagnosticada, tanto no que diz respeito à função que exerce, como na tecnologia.“Na época não tínhamos computadores, eram feitos os despachos nos processos manuscritos, por ser uma empresa grande de João Pessoa a Cajazeiras”, explica. Hoje, ela continua no cargo de administradora, mas não é mais chefe. Além disso, com os processos sendo feitos nos computadores, a necessidade de escrever diminui consideravelmente.

Digitação provoca lesões

Ainda que a tecnologia tenha servido como um facilitador de diversas funções para a humanidade, seu uso demasiado também pode causar desgastes físicos. É o caso de Ana Valquíria, atendente em uma empresa de telemarketing. Ela trabalha mais de sete horas por dia e a maior parte do seu tempo é dedicado à digitação no atendimento externo. Logo começou a sentir dores e dificuldade para digitar, preocupou-se e procurou um médico.

Ana foi diagnosticada com tendinite no cotovelo esquerdo, lesão conhecida como epicondenite. As dores eram intensas, portanto, foi necessário realizar algumas infiltrações e fisioterapias intensivas. Hoje, ela evita digitar e explica que os tratamentos aliviam a dor, mas é algo momentâneo, paleativo, e que não demora muito para que o incômodo retorne. Ela lamenta ter que tomar muitos remédios para lidar com a lesão e evita fazer esforços.

O problema de Ana era tão sério que ela chegou até a ser afastada do trabalho pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 2014. “Da primeira vez que eu fui afastada em 2014, eu fui reabilitada de função. O INSS mandou me colocar numa função onde eu não tivesse muita digitação para fazer nem esforço repetitivo. Então a empresa me deixou passar alguns meses e depois me botou novamente para o atendimento, então eu piorei”, relata a atendente.

Por conta disso, o rendimento dela caiu consideravelmente e ela teve que se afastar novamente. Atualmente, a tendinite, a bursite e a artrose desenvolvidas já alcançam o ombro direito dela de forma agressiva.“Eu não consigo levantar o braço pra pentear o cabelo e como a lesão ficou localizada na clavícula, a tendência é ela descolar, então o braço fica estalando muito, tem dias que eu não consigo nem escrever”, esclarece.

Recentemente, ela até mesmo passou a fazer hidroginástica para que a dor se torne suportável e, de certa forma, tem dado resultados. Contudo, Ana também é estudante de direito e, por conta da lesão, muitas vezes não pode fazer anotações em sala de aula por causa da dor. “Muitas vezes eu fico só de ouvinte”, revela. Ela ainda ressalta que, na sua condição, teme que nenhuma outra empresa vá contratá-la, tudo porque uma empresa foi anteriormente negligente com a saúde física dela. Resta à Ana uma sensação de invalidez.