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Exposição excessiva a telas preocupa

publicado: 23/12/2025 08h53, última modificação: 23/12/2025 08h53
Especialistas alertam para prejuízos cognitivos, emocionais e sociais causados pelo uso de dispositivos digitais
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56% das crianças nordestinas ficam, diariamente, de duas a 10 horas em frente a telas | Foto: Reprodução/Freepik

por Íris Machado*

O uso de dispositivos digitais na infância cresceu de forma acelerada. No Nordeste, as telas ocupam de duas a 10 horas de 56% das crianças, segundo o Panorama da Primeira Infância, desenvolvido em 2025 pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e o Instituto Datafolha.

Essa tendência também é vista na Paraíba, como alerta a presidente da Sociedade Paraibana de Pediatria (SPP), Socorro Martins. “Na prática clínica e em observações nos serviços de saúde e educação do nosso estado, é cada vez mais frequente a exposição precoce de crianças menores de cinco anos a smartphones e tablets, muitas vezes como principal forma de comunicação, entretenimento ou estratégia de manejo comportamental para distrair e controlar as crianças”, revela.

Antes dos dois anos de idade, a instituição médica desaconselha qualquer exposição a telas e mídias digitais. Até os cinco anos, o recomendado é até uma hora por dia, sob a supervisão de um adulto. Dos seis aos 10 anos, o limite deve ser de até duas horas. No entanto, os cuidadores que obedecem às normas são minoria.

De acordo com o Panorama da Primeira Infância, no Nordeste, 42% das crianças ficam até uma hora em frente à TV ou aparelhos móveis. Nos demais casos, o conteúdo digital consome de duas a três horas de 34% delas; quatro a sete horas, de 20%; e 10 horas ou o dia inteiro de 2% dos pequenos. “Essa exposição excessiva na primeira infância pode ter repercussões imediatas e duradouras. Esses fatores podem estender-se para a vida adulta e influenciar no desempenho acadêmico, profissional e qualidade das relações sociais”, reforça Socorro.

Isso acontece porque a primeira infância é um período crítico para o desenvolvimento cerebral. Nessa época da vida, o acesso precoce à internet pode provocar mudanças na anatomia do cérebro, além de atrasar o processo de aquisição da linguagem e de funções cognitivas, como a capacidade de atenção voluntária, de lidar com frustrações e de tolerar o tédio. Dificuldades na escola, sedentarismo, obesidade, distúrbios do sono e maior risco de ansiedade e depressão na adolescência também estão relacionados ao uso descontrolado de mídias digitais nessa fase.

“Diferentemente da interação humana, as telas oferecem estímulos passivos e pouco responsivos. Elas limitam a troca afetiva, o contato visual, a leitura de expressões faciais e o desenvolvimento da empatia. Do ponto de vista da socialização, as telas reduzem o tempo de interação com adultos e outras crianças e prejudicam o desenvolvimento de habilidades sociais fundamentais, como empatia, comunicação não verbal e resolução de conflitos. A criança aprende principalmente pela interação humana, pelo brincar e pela troca afetiva, experiências que não são substituídas pelo conteúdo digital”, explica a pediatra.

Quadro nacional

No Brasil, o acesso à internet na infância mais que dobrou em menos de uma década, passando de 11% em 2015 para 23% em 2024, segundo o Núcleo Ciência pela Infância (NCPI) e a pesquisa TIC Kids Online Brasil. Além disso, 28% das crianças e adolescentes tiveram o primeiro contato com o meio digital até os seis anos de idade.

A desigualdade social influencia esses dados: em 69% das famílias de baixa renda, o tempo de tela das crianças ultrapassa o recomendado. Quanto menores as condições financeiras, menores também são as redes de apoio e maior a substituição da interação humana por conteúdos on-line.

Segundo a especialista, o cenário reflete mudanças culturais aceleradas, sem orientação adequada, como a maior oferta de dispositivos móveis, o barateamento dos planos de dados e a ausência de políticas públicas voltadas ao uso saudável das tecnologias na infância. Ela destaca, ainda, que as famílias precisam reconhecer os prejuízos do uso inadequado da internet e que o exemplo dos adultos é fundamental. “Estimular o brincar livre, a leitura, as conversas, as atividades ao ar livre e o convívio familiar, além de reduzir o uso do celular por pais e cuidadores, são estratégias eficazes”, afirma.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de dezembro de 2025.