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ponto de encontro

Feiras livres vão além do comércio

publicado: 08/07/2024 09h56, última modificação: 08/07/2024 10h05
Além de movimentar a economia, esses locais proporcionam sustento, amizades e troca de experiências
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Divulgação de ofertas é “no gogó”, algo típico desse ambiente
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Variedade de produtos e preços encanta os frequentadores
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Passar pela tenda de tapiocas e tomar um café é de praxe
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2024.06.2024 Especial Tradicional Feiras Livres © Carlos Rodrigo (25).JPG

por Paulo Correia*

“Fumo de rolo, arreio de cangalha / Eu tenho pra vender, quem quer comprar? / Bolo de milho, broa e cocada / Eu tenho pra vender, quem quer comprar?”. A “Feira de Mangaio”, de composição de Sivuca e Glória Gadelha, retrata um pouco do que se encontra nas tradicionais feiras livres do Nordeste. As feiras preservam sua importância para a economia e cotidiano local, mantendo um comércio movimentado, além de serem importante ponto de encontro entre os seus frequentadores.

A Feira de Jaguaribe é uma das mais tradicionais da cidade. Localizada na Rua Generino Maciel, ela funciona entre 5h e 21h, com 37 boxes e 380 bancas. Assim como outras feiras livres ou mercados públicos da cidade, chama a atenção pela diversidade de produtos que se pode encontrar. De frutas, verduras, carnes e iguarias regionais até móveis, roupas, brinquedos e comércio de motocicletas.

"Quando eu cheguei nessa feira, a maioria do pessoal trabalhava no chão, como antigamente"
- João Neto Callado

Para Marcos Ursulino da Silva, vendedor de bananas há mais de 25 anos nessa feira, o seu diferencial está na qualidade de seus produtos — e ele garante que a permanência desse espaço se deve à resistência dos feirantes e produtores, mesmo com o crescimento de grandes redes de supermercados pela cidade. “Nós nunca podemos baixar a cabeça, mesmo depois de abrir o supermercado grande. A gente tem que continuar, não pode parar. Se parar, a gente vai fazer o quê? Tem muito cliente fiel, que está comprando na feira porque tem muita mercadoria diretamente do sítio, sem produto de nada”, ressalta Ursulino.

Outro feirante antigo é João Neto Callado, que está há quase 30 anos em Jaguaribe. “Quando eu cheguei nessa feira, a maioria do pessoal trabalhava no chão, ainda como naquelas feiras de antigamente, em que as pessoas forravam com uma lona e botavam a mercadoria”, conta.

Contudo, a Feira de Jaguaribe é mais antiga do que o início da carreira de João Callado. De acordo com a historiadora Juliana Barros de Oliveira, na dissertação “O bairro de Jaguaribe na memória dos seus moradores idosos”, os registros de atividades comerciais no bairro vêm dos anos 1940. “Entre as décadas de 1940 e 1960, já havia registro de atividades comerciais no bairro, como as chamadas bodegas, onde se comercializavam secos e molhados, víveres e outros produtos indispensáveis às necessidades domésticas, além da feira livre, realizada às quartas-feiras”, destaca.

A localização da feira também sofreu mudanças, por conta da construção do Centro Administrativo do Estado no local onde ela funcionava originalmente. Segundo a historiadora, a antiga feira de Jaguaribe era montada em um grande terreno baldio, localizado em frente à parte lateral da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. “Tomava todo o espaço existente, da lateral da antiga Escola de Aprendizes Artífices em diante, para o lado direito, tomando-se como ponto de referência aquele grande templo católico”, acrescenta.

Amizades se formam e se mantêm entre tendas de frutas e verduras

Na dissertação, Juliana enfatiza a noção de pertencimento como resultado das relações entre as pessoas e suas memórias sobre o lugar. Quer dizer, para entender as mudanças de um determinado espaço, é importante perceber as memórias de seus moradores, para compreender os interesses envolvidos nas mudanças por que ele passa.

“O lugar, portanto, seria o espaço que nos desperta a emoção, em que nos aproximamos de uma noção de pertencimento, de enraizamento. O lugar seria, assim, o espaço que evoca a nossa memória, os nossos sentidos e sentimentos, sendo interpretado como um espaço diferenciado, o qual nós dotamos de valor”, diz ela.

"Nós nunca podemos baixar a cabeça, mesmo depois de abrir o supermercado grande"
- Marcos Ursolino da Silva

Esse sentimento de pertencimento é compartilhado por Aline Manfrin, servidora pública aposentada que preza pelos baixos preços e pelos encontros com amigas em suas idas à feira. “Para mim, é uma tradição. Eu tenho que vir à quarta-feira, é de praxe. Quando alguém olha para mim e diz ‘não vai para a feira hoje, não’, eu já fico brava. Vou porque ela faz parte da minha vida”, ressalta. Para ela, comprar na feira não é só uma questão de consumo, mas de afeto, porque sua frequência resulta em amizades com os feirantes. Além disso, a feira também é um espaço de convivência e encontros — inclusive, registrados durante a nossa reportagem.

Aline contou, durante a entrevista, que iria se encontrar com a amiga Aninha, que faz parte da vida dela há 20 anos. “Há quatro anos que a gente não se encontrava. A feira faz parte da minha vida e da vida de muitas amigas”, diz. No caso, o ponto de encontro entre Aline e sua amiga foi a tenda que vende tapioca, bolos e café, ponto tradicional para os frequentadores, ao terminarem as suas compras.

“Comendo uma tapioquinha, tomando um cafezinho, encontrando os amigos... Todo mundo se encontra nessa tapiocaria”, revela a jornalista Ana Neves, a Aninha, amiga de Aline. Para ela, a qualidade e o preço dos produtos chamam a sua atenção, assim como a possibilidade de encontros como aqueles. “Eu costumava vir mais tarde, para pegar a famosa ‘xepa’, quando tudo fica bem mais barato. Mas hoje não posso mais, porque minha mãe está doente, então preciso vir mais cedo. Toda quarta-feira, eu tenho que vir, porque meu neto é louco por amendoim, e aqui eu encontro um amendoim bom, de qualidade”, diz. 

Eliane expõe nas feiras de Jaguaribe e Busto de Tamandaré | Fotos: Carlos Rodrigo

Feira Móvel do Produtor realiza encontros em vários bairros de JP

A Secretaria de Desenvolvimento e Controle Urbano (Sedurb) desenvolve o projeto Feira Móvel do Produtor (FMP), inspirada nessa perspectiva das feiras livres, por reunir uma diversidade de produtos. Mensalmente, a Sedurb publica o cronograma dos pontos onde será realizada a FMP. Neste mês, ela será realizada nos bairros de Castelo Branco, Estados, Bessa, Jaguaribe e Centro.

Realizado desde 2021, o projeto começou como uma alternativa aos produtores e microempreendedores da cidade durante o período de pandemia da Covid-19, sendo realizada em diversos pontos da cidade. “A gente tem de artesanato a agricultura, passando por plantas ornamentais e gastronomia. Levamos tudo isso para diversos pontos de João Pessoa. Tem muita gente que tira o seu sustento dessa feira”, conta Jaciara Medeiros, coordenadora do projeto.

Segundo a artesã Eliane Ferreira, que trabalha na Feira de Jaguaribe e no Busto de Tamandaré, o projeto é uma oportunidade para ter uma renda extra. Ela ressalta a diversidade encontrada nas feiras. “É um lugar diferente, do qual o público gosta. Um local onde as pessoas têm variedade, pode escolher do jeito que quer”, observa.

Programação de Julho

Feira Móvel do Produtor
- Dias 2, 9, 16, 23 e 30 – das 10h às 19h – UFPB, Praça da Identidade (Castelo Branco)
- Dias 2, 9, 16, 23 e 30 – das 15h às 20h – Vila Olímpica Paraíba (Bairro dos Estados)
- Dias 2, 9, 16, 23 e 30 – das 15h às 20h – Parque Parahyba I (Bessa)
- Dias 4, 11, 18 e 25 – das 10h às 19h – Parque Parahyba II (Bessa)
- Dias 3, 10, 17, 24 e 31 – das 10h às 19h – Feira de Jaguaribe (Jaguaribe)
- Dias 3, 4 e 5 – das 9h às 16h – Ponto de Cem Réis (Centro)

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de julho de 2024.