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SÍMBOLO CULTURAL

Festas reforçam nordestinidade

publicado: 23/06/2024 09h17, última modificação: 25/06/2024 09h35
Música, decoração, comida e brincadeiras são parte das tradições do período junino e identificam a região
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Trazida pelos colonizadores e mesclada com elementos indígenas e africanos, a comemoração não se restringe ao dia do santo, mas se estende por todo o mês | Foto: Evandro Pereira

por Lílian Viana*

“A fogueira tá queimando/em homenagem a São João/o forró já começou/vamos, gente, rapapé neste salão”. Se, em vez de ler, você cantarolou os versos da música “São João na roça”, de Luiz Gonzaga, você já está com os pés no arraial mais esperado do Nordeste, região onde a festa em homenagem aos santos Antônio (13 de junho), João Batista (24) e Pedro (29) tem um colorido e uma energia diferentes dos de outras regiões do país. Aqui, o clima, o ambiente e a alegria se alteram, assim que o mês de junho começa.

A festa pode até ter sido trazida pelos colonizadores da Europa, mas foi no Nordeste que ela ganhou contornos próprios, graças à mistura cultural, às temperaturas agradáveis e às tradições agrárias e religiosas da região. “O São João funciona como um potente símbolo de coesão social e cultural, fortalecendo laços comunitários e reafirmando a identidade única dessa população”, explica a socióloga Anna Kristyna Araújo.

Cada lugar tem sua forma própria de celebrar o santo, mas os itens característicos da festa são comuns a todos: bandeirolas, comidas, músicas e danças típicas. É só no Nordeste, por exemplo, que acontecem os casamentos matutos e as quadrilhas juninas, numa mistura de dança e teatro. A mais antiga delas é paraibana: Lageiro Seco, de João Pessoa, 77 anos de história e uma coleção de títulos nos festivais de João Pessoa e do estado. “O público se espreme todinho para ver a quadrilha. Isso é muito rico, faz com que a tradição não fique só na lembrança das gerações passadas”, pontua Edson Santos, presidente da Liga das Quadrilhas Juninas de João Pessoa.

Nesse “furdunço”, o protagonista é um ritmo genuinamente nordestino: o forró, seja o tradicional (pé de serra, xaxado, xote e baião), seja o estilizado. Estilo musical inserido nas festas juninas, ele forjou uma identidade regional tão forte, que fez com que artistas como Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro fossem reconhecidos nacionalmente — foi Gonzaga, inclusive, quem deu origem ao trio de forró, formado por sanfona, zabumba e triângulo.

As comidas também são uma atração à parte. Herdadas dos indígenas, e temperadas com alguns ingredientes trazidos por portugueses, delícias como pamonha, canjica, pé de moleque e paçoca não podem faltar nos festejos de rua — e nem nas mesas das famílias.

E, claro, tem ainda a bebida típica da festividade, ideal para esquentar o clima: o quentão, feito à base de cachaça. “As festas juninas são uma vitrine da culinária nordestina”, destaca Anna Kristyna.

Celebração mantém viva a herança religiosa

Chegar o Dia de São João e não acender uma fogueira é quase um insulto aos nordestinos, que aguardam o ano inteiro por essa festa. Em alguns locais, elas chegam a ter vários metros de altura, como a tradicional fogueira do Parque do Povo, em Campina Grande — que, mesmo sendo apenas uma alegoria, representa o apego popular a essa tradição.

Ao redor da fogueira, as crianças (e os adultos) se divertem soltando fogos de artifício. Surgida na China, essa cultura pirotécnica foi incorporada às festividades juninas e deu ainda mais cor e intensidade ao ritual.

Para Anna Kristyna, essa hibridização cultural e a ênfase nas celebrações sociais podem ser vistas, por alguns, como uma diluição do aspecto religioso original, levando à percepção de que as festividades são mais profanas do que sagradas. Mas, segundo publicação da Arquidiocese da Paraíba, representada pelo arcebispo Dom Delson, a mistura de devoção religiosa e cultura popular fortalece a tradição da festa, especialmente na Paraíba.

“São um momento de encontro e celebração, no qual as comunidades se reúnem para festejar e reforçar seus laços, renovam a sua fé e celebram as suas tradições, mantendo viva a herança cultural e religiosa que define a região”, detalha o texto. Há cinco paróquias dedicadas a São João Batista, cada uma com sua programação especial para os festejos dedicados ao santo.

Na rua, em casa ou na igreja, o São João, no fim das contas, é um símbolo potente e enraizado no nordestino. Só ele aguarda o mês de junho como se fosse um certificado oficial do seu orgulho regional. “Esses elementos juntos (cultura e religião) fortalecem os laços comunitários e perpetuam as tradições culturais, reafirmando a identidade única do povo nordestino”, conclui.

Forró: indicado como Patrimônio da Unesco

Desde 2010, o forró é patrimônio imaterial da Paraíba, pela Lei no 9.156. Em 2021, o ritmo foi declarado patrimônio imaterial nacional. Agora, o estado lidera a comitiva para internacionalizar o forró e torná-lo patrimônio imaterial da humanidade. O projeto já conta com o apoio de 14 estados brasileiros (todos os estados do Nordeste e do Sudeste, mais o Distrito Federal) e de pelo menos 30 países, além do Brasil.

Os governos da Paraíba e de Pernambuco, a Associação Cultural Balaio Nordeste e o Fórum Nacional de Forró de Raiz, além de uma série de outras instâncias políticas e culturais brasileiras e internacionais, uniram-se com o objetivo de promover esse reconhecimento, como uma cultura genuinamente brasileira, que precisa ser salvaguardada.

História do santo mais festejado do calendário brasileiro

Imagem do santo menino é comum na decoração junina | Foto: Divulgação

São João Batista é uma figura central no cristianismo, por seu papel como precursor de Jesus Cristo. Reconhecido por batizar Jesus no Rio Jordão e por pregar a necessidade de arrependimento e conversão, a sua vida e ministério estão descritos nos Evangelhos, nos quais é retratado como um homem de grande fé e coragem, que não hesitava em denunciar a injustiça e a imoralidade, mesmo quando isso colocava a sua vida em risco.

Segundo o padre Ivônio Cassiano Oliveira, da Igreja Santo Antônio de Lisboa, localizada em Tambaú, São João é fruto de uma intervenção divina. “O pai e a mãe já eram idosos. Isabel era estéril, mas, mesmo na velhice, concebeu João Batista. Além disso, os estudiosos revelam que ele foi o último profeta do Velho Testamento. Ele disse ‘Eu batizo com água, mas o Messias, que vem depois de mim, vai batizar com o fogo do Espírito Santo’”, ressaltou o padre.

Na tradição popular, quando São João nasceu, Isabel e Zacarias fizeram uma fogueira para anunciar o seu nascimento a toda a Judeia. “Daí a tradição das fogueiras juninas”, acrescentou o religioso.

No Hemisfério Norte, na época do paganismo, as celebrações relacionadas às fogueiras e demais ritos do fogo marcavam o solstício do verão e a evocação de divindades propiciadoras da boa colheita. Essa herança pagã fundiu-se ao cristianismo popular e, hoje, apresenta-se com força especial nas festas de Santo Antônio, São Pedro e São João.

Outra curiosidade em relação a São João Batista é o porquê de ele ser geralmente apresentado como um menino com um carneiro no colo. A explicação é o fato de, segundo a Bíblia, ele ter anunciado a chegada do Cordeiro de Deus.

Paróquias Dedicadas a São João

 

 • Em João Pessoa: Paróquia São João Batista, na Rua Jornalista José Ramalho s/n, no bairro Costa e Silva.

• Em Conde: Paróquia São João Batista, na Rua Ilza Ribeiro, em Jacumã.

• Em Bayeux: Paróquia São João Batista, na Rua Júlio César, 150.

• Em Itapororoca: Paróquia São João Batista, na Rua São João, Centro.

• Em Riachão do Poço: Paróquia Nossa Senhora de Fátima e São João Batista, na Rua João Ferreira Alves, Centro.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de junho de 2024.