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Insônia prejudica qualidade de vida e traz prejuízos à saúde de 40% dos brasileiros

publicado: 23/01/2017 00h05, última modificação: 23/01/2017 22h57
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Uma má noite de sono pode trazer consequências como o déficit de memória, dificuldade de atenção e dores musculares - Foto: Flickr/Evandro Lima

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Iluska Cavalcante - Especial para A União

“Uma sensação de angústia, de ver a noite passar, o dia clarear, e saber que ainda estou acordado. Não produzo nada durante a noite, e ainda vou passar o dia cansado por não ter dormido”. É assim que o funcionário público Johelcio Marinho, de 23 anos, descreve suas noites de insônia. Desde a adolescência, quando ainda estava no ensino médio, Johelcio conheceu a insônia e as suas noites bem dormidas passaram a ser menos constantes. Ele faz parte do percentual de 40% da população brasileira que sofre com algum transtorno do sono, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O corpo pede descanso, mas a mente parece não entender, e não importa os esforços para dormir, nada parece funcionar para quem sofre com esse distúrbio, que é o mais comum entre os brasileiros, de acordo com a OMS. Conviver com a insônia traz consequências que vão além de uma noite mal dormida. O cansaço, alteração de humor, estresse e fadiga diária são alguns dos prejuízos causados no dia a dia. Johelcio relata que já saiu de empregos, faltou compromissos, e até perdeu provas por conta do transtorno.

O psiquiatra especialista em medicina do sono pela Associação Brasileira de Medicina do Sono, Bruno Moura Lacerda, explica que dormir é uma necessidade fisiológica tão importante quanto comer, além de ser indispensável para o restabelecimento físico e mental. Ele define a insônia como a incapacidade em iniciar e manter o sono, ou despertar mais precoce do que o habitual, tendo dificuldade para retomar o sono.

Johelcio nunca obteve um diagnóstico preciso para o mal que sofre. “O primeiro médico achou que a insônia poderia ser causada por uso de drogas. No entanto, eu nunca tinha tido contato com nenhuma droga. E o psiquiatra não conseguiu diagnóstico algum sobre mim”, disse.

Ele conta que há crises maiores, com um intervalo em média de um ano, onde passa dias seguidos sem conseguir dormir. As procuras médicas na busca por um diagnóstico foram muitas, como oftalmologistas e otorrinolaringologistas, quando as insônias começaram a vir acompanhadas por dores de cabeça. Alguns medicamentos chegaram a ajudá-lo, mas por um curto período de tempo. “Um psiquiatra me receitou uma medicação que de inicio deu resultado, mas após menos de um mês perdeu o efeito”, relatou.

Obter um diagnóstico preciso não é tarefa fácil, nem mesmo para os profissionais da área. Para o psiquiatra Bruno Lacerda, o que dificulta o diagnóstico é o fato de a maioria das pessoas que sofrem com os distúrbios do sono desconhecerem que o problema pode ser tratado. “Talvez em virtude desse desconhecimento o paciente deixe de relatar suas queixas referentes a insatisfação com o sono nas consultas médicas, dificultando o acesso do profissional a informações que permitiriam o diagnóstico e tratamento adequado”, comentou.

Atualmente, Johelcio relata que o seu problema com o sono está mais controlado, que já faz anos que não tem crises. Com as poucas horas que consegue dormir, ele diz conseguir energia para um dia inteiro entre faculdade e trabalho.

Benefícios de dormir bem

Os benefícios que uma boa noite de sono trás ao organismo são, entre outras, maior energia, redução do estresse e melhora do bem-estar em geral. Segundo o médico Bruno Lacerda, a privação do sono afeta todas as funções do corpo e está fortemente relacionada à má qualidade de vida das pessoas.

Déficit de memória, dificuldade de atenção e concentração, alterações metabólicas, cardiovasculares e até dores musculares são alguns sintomas de um sono não reparador, ainda de acordo com o médico. Ele enfatiza que o transtorno de insônia é uma patologia de muita prevalência e importância para a saúde pública e que precisa de atenção.

Além disso, pacientes privados do sono têm um risco maior de sofrerem acidentes no ambiente de trabalho, aumentando também os riscos de um acidente de trânsito. A falta de uma noite bem dormida também pode desencadear ou agravar doenças mentais, metabólicas, obesidade e redução da libido.

Insônia em crianças

Crianças podem apresentar insônia, assim como os adultos. De acordo com o médico Bruno Lacerda, nesta faixa etária, uma das causas mais comuns é a insônia comportamental da infância, que acomete cerca de 20 a 30% das crianças entre 6 meses a 7 anos de idade. Esse transtorno pode ser gerado pela falta de limites, quando a criança dita as regras em sua casa, ou em virtude de erros de associação, onde a criança necessita da presença dos pais para iniciar o sono e manter-se dormindo.

O tratamento não é realizado através de medicamentos. Bruno Lacerda explica que um profissional especializado deve avaliar e identificar comportamentos inadequados e a ausência de disciplina ou limites relacionados ao sono para, assim, tratar os pequenos.

Orientar a família a compreender porque os limites são importantes, como estabelecê-los, e ajudar na criação de uma rotina agradável para a criança e a família, também são papéis do profissional.

Além disso, a insônia em crianças pode ser causada por doenças clínicas como, por exemplo, cólica, febre, rinite, asma, entre outras causas.

Insônia pode levar as pessoas à dependência de álcool ou drogas

A insônia está presente não só na vida de João Paulo Pessoa, de 32 anos, como na de sua família. Formado em fisioterapia e odontologia, a sua última lembrança de ter um bom descanso foi quando ele tinha 13 anos de idade. Ele conta que a sua mãe e irmã tomam psicotrópicos para ajudar a dormir.

João Paulo vê o transtorno como algo hereditário. Ele relata que o irmão usava álcool para conseguir dormir e acabou falecendo aos 36 anos devido a um derrame pleural.

Apesar de não existir uma única causa para os transtornos do sono, eles geralmente decorrem da interação de diversos fatores, como a genética, por exemplo, segundo explica o psicólogo e doutor em psicologia Michael Andrade.

Alguns medicamentos já foram utilizados por João para tentar amenizar o problema, mas com o passar do tempo acabaram deixando de ser uma opção. “Alguns psicotrópicos já nem funcionam comigo, então opto por não usar. Até pelo efeito pós uso, que afeta o meu aprendizado e o desenvolvimento de atividades diárias, tanto nos estudos como no trabalho”, disse.

A noite de sono de João Paulo dura em média de 2h30 a 3 horas, no máximo. Além do problema para conseguir dormir, manter-se no sono também não é tarefa fácil. Ele conta que tem um sono leve e muito limitado, qualquer barulho, como chuva ou uma voz ligeiramente alta, pode fazê-lo acordar.

“Tentei até usar em algum evento ou festa um tipo de maquiagem masculina para disfarçar as olheiras, mas é muito trabalhoso e basicamente não faço mais”, relatou. As olheiras são aparentes e o deixam com aspecto cansado, o fazendo utilizar óculos para disfarçar, mas elas não são o principal incômodo, pois o cansaço mental é o que mais afeta o dia a dia dele. “De certa forma já estou adaptado a me sentir cansado, mas mesmo assim ainda me prejudica muito”.

Uma boa alimentação e a prática de exercícios físicos fazem parte de sua rotina. Além disso, João Paulo já procurou terapias alternativas como acupuntura, por exemplo, em busca de melhorar o transtorno, mas ele relata que não houve melhora.

Segundo o psicólogo Michael Andrade, a estratégia terapêutica mais eficaz inicia-se com uma avaliação clínica, que parte de aspectos técnicos, através de questionários, escalas e exames polissonográficos das fases do sono. Conforme a hipótese diagnóstica é criada a estratégia de intervenção através de ajuda psicoterapêutica e de medicamentos.

João Paulo relata que já fez tratamentos e tomou medicamentos, mas afirmou que optou por parar. “O medicamento se mostra como opção louvável a princípio, mas posteriormente, além do vício, você se torna uma pessoa com picos de estresse, afetando as relações na família e trabalho”, comentou.

Definindo como um “ato desesperado”, João Paulo já usou drogas ilícitas como LSD, êxtase, entorpecentes e sedativos. Ele relata que as drogas causaram um bom relaxamento momentâneo e que por medo de causar dependência as utiliza de uma a duas vezes por mês.

O álcool e o uso da maconha também já foram opção na busca por uma melhora. "Já experimentei maconha, o que me deu um relaxamento natural, mas não suporto a fumaça e nem o gosto que deixa na boca. Já o álcool me induz a um sono profundo, no entanto, a ressaca do dia seguinte, com enjoo e mal-estar, me fez parar”, relatou.

De acordo com o médico psiquiatra Bruno Lacerda, a forma como a droga interfere na qualidade do sono irá depender da classe que ela está agrupada, se depressora, estimulante ou perturbadora do Sistema Nervoso Central. Ele explica que o uso do tabagismo, por exemplo, estimula o sistema nervoso, e portanto, é um causador de insônia.

A bebida alcoólica, apesar de ter uma ação depressora sobre o sistema nervoso central, o que induz o sono, gera prejuízos na sua qualidade. O uso do álcool faz o que os especialistas chamam de ação desarmônica sobre a arquitetura do sono. Segundo o psicólogo Michael Andrade, o acúmulo de atividades diárias e o impacto da vida cotidiana também podem contribuir para isso.

João Paulo tem consciência de que o uso dessas drogas pode lhe causar um dano futuro, no entanto, essa atitude extrema permanece sendo tomada por ele para tentar dormir. “Como todo medicamento, as drogas ilícitas provavelmente cobrarão um preço futuro. Não há muitos estudos”, comentou.

Saiba mais

Alguns sintomas, segundo indica o doutor em psicologia Michael Andrade:

- Alterações do sono relacionadas ao início e manutenção do sono;

- Manifestações físicas indesejáveis como o sonambulismo, terror noturno e enurese noturna;

- Sonolência excessiva diurna e estresse agudo;

- Quadro de ronco associado ao fato da criança despertar com frequência;

- Fadiga, irritabilidade e a falta de controle urinário durante a noite.

Tratamento

Ter dificuldade para dormir entre uma noite ou outra é comum, porém, quando a insônia se torna habitual e começa a interferir nas atividades cotidianas, um profissional deve ser procurado, enfatizou o médico Bruno Lacerda.

Segundo ele, estima-se que cerca de 40% dos insones possuem doenças psiquiátricas associadas, como a depressão e ansiedade. “Quando a insônia vem associada de outros transtornos médicos, o profissional deve sempre tratar o distúrbio de base”.

Quando não há associação com outra patologia, o tratamento é baseado no método cognitivo comportamental, avaliando a presença de hábitos que podem estar comprometendo a qualidade do sono.

A alimentação também é importante. O médico recomenda uma alimentação leve e rica em triptofano, como o leite e seus derivados, aveia, lentilha e folha verdes.

Algumas profissões podem causar insônia

Segundo o professor e doutor em psicologia Michael Andrade, o padrão de sono anormal, como a insônia, por exemplo, é comum em trabalhadores que alternam turnos ou trabalham em horários noturnos.

Atendentes de telemarketing, motoristas de transportes públicos, caminhoneiros e profissionais da área de saúde são alguns dos que estão mais propensos a adquirir transtornos do sono. “Essas inversões dos padrões de comportamento em turnos influenciam no processo de sincronização e equilíbrio do organismo”, explicou.

Medidas para minimizar a insônia

É possível minimizar os problemas causados pela insônia com a aplicação de algumas medidas comportamentais, conhecidas como higiene primária do sono, tais como:

- Manter um ambiente agradável, com temperatura confortável, totalmente escuro e sem ruídos;

- Usar a cama somente para dormir. Evitar ver TV, comer ou ler na cama;

- Evitar dormir com um relógio próximo, pois este hábito pode gerar aumento da ansiedade e maior queixa de insatisfação com o sono;

- Evitar o uso de estimulantes como cafeína, bebidas energéticas, refrigerantes de cola, chocolate, cigarro e bebidas alcoólicas 4 a 6 horas antes de deitar;

- Realizar atividades físicas regularmente, evitando a prática 3 horas antes do horário de dormir;

- Realizar refeições leves no horário noturno, de preferência no mínimo duas horas antes de dormir;              
                                                                                                                      

- Estabelecer um horário regular para dormir e acordar, mesmo nos dias de folga.