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Liberdade acompanha quem viaja só

publicado: 10/06/2024 08h49, última modificação: 10/06/2024 08h49
Sentimentos de autoconhecimento e independência andam juntos daqueles que pegam a estrada desacompanhados
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Alessandra Nogueira visitou 36 países; na foto, um registro na Torre de Hércules, Espanha | Foto: Arquivo pessoal
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Sandra já viajou sozinha para cidades como Londres e Paris; ela detesta roteiros corridos | Foto: Arquivo pessoal
Alessandra Nogueira - Torre de Hércules - Arquivo Pessoal.jpeg
Sandra Vieira - Londres - Arquivo Pessoal.jpeg

por João Pedro Ramalho*

Viajar sozinho pode ser um hábito libertador. Na Música Popular Brasileira, várias obras abordam essa experiência, como o clássico tropicalista “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso. A canção nasceu como uma crítica à Ditadura Militar, mas, também pode ser interpretada à luz de um eu lírico que faz uma ode à liberdade de quem caminha contra o vento e desbrava o mundo. Em determinado momento, ele questiona: “Por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores vãos, eu vou... Por que não?” E, afinal, por que não ir?

"Não se deve deixar para fazer tudo de última hora. Tenho de fazer uma breve pesquisa daquele destino que eu vou e conhecer o mínimo do local"
- Romilson Feitosa

Assim como o protagonista da obra de Caetano, muitas pessoas da vida real encaram a estrada como o palco de uma jornada emancipadora. Então, com o desejo de sentirem-se livres, elas vão.

É o caso de Alessandra Nogueira, formada em Administração e natural de Campina Grande. Hoje, ela não tem mais um endereço fixo e caminha pelo mundo sempre com um visto de turista.

Em seu perfil no Instagram, dedicado a registrar suas viagens, a campinense define a si mesma com a palavra em sânscrito antevasin, que significa “pessoa que vive entre dois mundos”. Ela descreve suas experiências como uma busca constante por liberdade. “Eu não viajo para conhecer lugares, eu viajo para me sentir livre. E cada lugar que conheço é um bônus”, afirma. Até agora, Alessandra visitou 36 países, tendo começado com um “mochilão” por Argentina, Chile e Uruguai, em 2011.

Primeira vez

Já a primeira viagem desacompanhada feita pela jornalista Sandra Vieira, de João Pessoa, deu-se enquanto visitava amigos na cidade espanhola de Salamanca, em 1999.

Durante a estada, ela decidiu ir a Portugal, mas os anfitriões não puderam compartilhar o trajeto. Dois anos atrás, uma nova oportunidade surgiu: um intercâmbio de quatro meses em Dublin, na Irlanda, onde a jornalista emendou com passeios por Paris e Londres.

Crescimento

“Tive muito medo, mas enfrentei e foi a melhor experiência que tive até hoje. E viajar sozinha tem seu charme, é libertador, te força a conhecer pessoas, te faz crescer, conhecer a si mesma e entender que você pode muito mais do que pensa”, relata Sandra, que também conheceu Pirenópolis, em Goiás, no ano passado.

Motivos práticos

Há, ainda, quem recorra a motivos práticos para justificar o hábito de desbravar, sozinho, outros lugares.

O agente de viagens Romilson Feitosa, por exemplo, costuma prospectar destinos turísticos para ofertar em sua agência. Um desses locais é Ushuaia, no extremo Sul da Argentina.

“Hoje, eu vendo Ushuaia aqui na minha agência como uma experiência pessoal, particular minha. Eu sei indicar para eles [os clientes] restaurantes, o tempo necessário para se passar lá, qual é a melhor época do ano, se neva, se faz sol, quanto é que custam os passeios. Tudo porque eu estive lá”, explica.

O costume de viajar só, contudo, não extingue a possibilidade de compartilhar novas experiências com outras pessoas. Embora descarte sentir a sensação de solidão durante os passeios a sós, Sandra Vieira gosta de dividir outras jornadas com amigos e familiares.

Autonomia

Para Alessandra Nogueira, que considera sua mãe a melhor companheira de viagem, o maior desafio é conciliar as disponibilidades de todos, algo que não acontece quando ela está sozinha.

“Se quero tomar um vinho de manhã, comer pipoca com leite condensado na hora do almoço ou simplesmente passar o dia inteiro vendo séries, em vez de estar tirando foto de ponto turístico, eu faço”, esclarece.

Desafios e situações inusitadas surgem ao longo do caminho

Além da sensação de liberdade, a experiência de quem viaja sozinho traz desafios. Para Sandra Vieira, o principal deles é superar o medo. “Estar em um país com culturas diferentes, língua diferente, é muito desafiador. Ter que tomar decisões rápidas e assertivas, quando surge qualquer problema, requer muita calma, equilíbrio e tranquilidade, pois você não vai contar com apoio de ninguém. Outra questão é a segurança. Sempre busco ser muito cuidadosa, evito sair à noite e ficar em locais com muito movimento, mesmo de dia”, declara a jornalista.

Já Alessandra Nogueira preocupa-se com o machismo nos lugares que visita. Ela relata que, por ser mulher e estar sozinha, já sofreu assédio em alguns países. Um deles foi Honduras. “Eu sofri uma tentativa de estupro quando estava na praia, onde um rapaz me atirou na areia e começou a tirar meu biquíni. Eu comecei a gritar e ele foi embora. Mas, quando eu fui à polícia registrar o fato, os policiais me perguntaram por que eu estava de biquíni na praia”, conta a campinense. Hoje, ela evita estar desacompanhada em países que não possuem leis que protegem as mulheres.

As vivências negativas de Alessandra, porém, são minoria em meio ao seu arsenal de histórias. Um caso inusitado surgiu após uma situação inconveniente, quando ela perdeu seu celular em Zipolite, no México. Quem a socorreu, emprestando o telefone, foi seu colega de quarto em um hostel. Meses depois, ao visitar a Cidade do México, Alessandra encontrou-se com o rapaz e resolveu acompanhá-lo em seu trabalho. Para sua surpresa, ele atuava como stripper. A campinense viu-se, então, imersa na noite da capital, indo a um bar para o público gay, um bar de striptease e uma casa de swing. Ela confessa ter aprendido uma lição com seu novo amigo. “Eu pude ver com meus próprios olhos que todo trabalho é digno quando é executado com competência, não importa a função nem o lugar. O que dignifica é a satisfação do que [a pessoa] faz”, defende.

Como se programar

Quem pretende conhecer um novo lugar precisa se programar minimamente. Essa é a principal dica de Romilson Teixeira, que lista os cuidados necessários, independentemente de o turista estar sozinho ou não. “Não [se deve] deixar para fazer tudo de última hora. Eu tenho que ter a cautela de fazer uma breve pesquisa daquele destino aonde vou e conhecer o mínimo do local. Principalmente em questão de clima, locomoção e acessibilidade ao que eu estou interessado em vivenciar”, aconselha.

Em suas incursões pela Europa e pelo Brasil, Sandra Vieira seguiu essa recomendação. “Para viajar sozinha e sem agência, pois detesto roteiros corridos, eu fiz um planejamento grande. Vi todas as possibilidades, elaborei roteiro de cada lugar que eu queria conhecer, desde a chegada, transporte para deslocamento, restaurantes, o que vestir. Tive muito cuidado em saber se a cidade era segura, quais os perigos locais. Em Paris, por exemplo, eu já sabia todos os golpes que estrangeiros podem cair. Por isso, fiquei mais tranquila”.

Uma precaução que também pode ser tomada é a contratação de um seguro viagem. Opcional dentro do território nacional, ele torna-se obrigatório quando o destino é o exterior. Para Romilson, o ideal é contratar sempre, já que os pacotes preveem não apenas a cobertura a atendimentos hospitalares, mas outros serviços, como a assistência em casos de extravio de bagagem. Outra alternativa, específica às necessidades de saúde, pode ser acionada por brasileiros que viajam para Portugal, Cabo Verde ou Itália. É o Certificado de Direito à Assistência Médica (CDAM), que é gratuito e permite ao brasileiro usufruir do sistema público de saúde nos países de destino. A solicitação pode ser feita pelo sistema gov.br.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 09 de junho de 2024.