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Vida sob lona

Luta diária para manter viva a tradição circense

publicado: 11/12/2023 10h51, última modificação: 11/12/2023 10h51
Artistas mantêm o sorriso no rosto, enquanto driblam dificuldade financeira
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A cada cidade, renova a expectativa de casa cheia, mas atrair a atenção do espectador não tem sido tarefa fácil - Foto: Roberto Guedes
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Quando cheguei a uma certa idade, conversei com meu pai e minha mãe, e segui um circo pequeno que tinha na minha cidade (Porto Seguro) - Felipe Soares / Foto: Roberto Guedes
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Crianças ainda se encantam com a magia do circo e incentivam os pais a irem aos espetáculos - Foto: Roberto Guedes
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Meios tecnológicos têm afastado público das bilheterias, mas profissionais inovam para atrair plateia - Foto: Roberto Guedes
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O maior pagamento da gente é ver o povo entrando, fazer as crianças sorrirem. A gente se sente realizado - Rodrigo Soares / Foto: Roberto Guedes
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por Julio Silva*

“Diz o poeta /O artista vai onde o povo está”. Esta música da dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó diz muito do que é a vida de quem vive do circo. Trata-se de uma jornada cheia de arte, alegria e encanto, mas também de desafios. Uma vida de luta pela sobrevivência indo de cidade em cidade, de ter que fazer o público sorrir ao mesmo tempo em que se vive grandes dificuldades.

Rodrigo Soares da Silva é da quinta geração de uma família que vive de circo. Nasceu em João Pessoa, mas saiu da terra natal com cinco anos de idade para ficar viajando com diversos circos pelo Brasil. Há quatro anos, é um dos donos do Circo Amazonas, que está está armado no bairro de Mangabeira.

Ele explica que os próximos destinos deles são determinados pelo interesse do público. “A gente vai para uma cidade no intuito de passar o máximo de tempo para descansar, por conta da montagem. Se não der muito legal, ficamos só uns quatro dias. Se for bom, passa duas semanas, se for muito bom passamos três, quatro”, disse Rodrigo.

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Meios tecnológicos têm afastado público das bilheterias, mas profissionais inovam para atrair plateia - Foto: Roberto Guedes

E atrair a atenção dos espectadores não está sendo uma tarefa fácil. Hoje em dia, com a infinidade de formas de entretenimento, o circo tem ficado cada vez mais “na corda bamba”. “A internet acabou um pouco com o circo e com as artes, como teatro, cinema. Para nossa área, atrapalhou, então a gente tem que inovar, porque o circo não pode morrer. Mas o que ainda traz as pessoas para ver essa arte são as crianças, elas vêm querendo ver o palhaço. Atualmente, não se pode mais ter animal em circo, é proibido, então a atração principal é o palhaço”, afirma Rodrigo.

A falta de apoio também é uma das maiores dificuldades dos artistas circenses. Ele confessa que a alegria de mostrar essa arte milenar dá lugar à preocupação e à incerteza do que está por vir. “O circo, quando está montado, é mágico: as pessoas se encantam, é muito legal. Mas, quando o circo desarma, a gente fica um pouco abandonado. Não é a mesma coisa, não tem o mesmo encanto. A gente tem muita dificuldade. Muitos artistas pensam em desistir, em parar, porque a gente quase não tem apoio”, disse.

Noite após noite, a vida sob a gigante lona é como a do trapezista que voa no ar em uma manobra arriscada. A missão é conseguir o que é preciso para cobrir os custos, que não são poucos, explica Rodrigo. “A gente vai na prefeitura, faz a solicitação (do terreno), tem que pagar. Para um circo pequeno, médio, é um absurdo. Fora isso tem água, luz, licenças com o Crea, Corpo de Bombeiros, autorização para fazer propaganda. Quando termina as contas, a gente quase não tem dinheiro nem para comer. Toda noite a gente arrisca (pra conseguir dinheiro)”, conta o dono do circo.

Pandemia foi quase o “fechar das cortinas”

A situação foi ainda mais difícil durante a pandemia de Covid-19. Os artistas e trabalhadores circenses sobreviveram, basicamente, de doações da população nos lugares onde iam. Para Rodrigo, parecia que era hora de baixar as lonas do circo para não levantá-las mais.

“Na pandemia, foi muito difícil porque nós vivemos da bilheteria. Já estava um pouco difícil antes, quando chegou a pandemia a gente achou que tudo tinha acabado. Ficamos com o circo armado por um ano em Santa Rita, não podia desarmar porque não podia ir pra outro canto, as prefeituras não aceitavam. A Lei Aldir Blanc ajudou muito, mas era emergencial e demorou. A sorte da gente foi a população. Em todos os lugares as pessoas traziam comida, água, o pessoal do circo saía para vender água, maçã do amor, jogar malabares. As igrejas ajudavam também. Muita gente parou com circo, desistiu, vendeu tudo o que tinha”, relatou Rodrigo Soares.

Porém, mesmo em meio a toda incerteza, toda a dificuldade, a recompensa para Rodrigo é ainda maior e é o “combustível” para continuar a levar sua arte para todos os cantos do país. “O maior pagamento da gente é ver o povo entrando, fazer as crianças sorrirem. A gente se sente realizado. São as crianças que acabam trazendo os adultos, às vezes eles nem querem vir e acabam gostando mais que as próprias crianças. É por isso que a gente não desiste”.

Sonho

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Quando cheguei a uma certa idade, conversei com meu pai e minha mãe, e segui um circo pequeno que tinha na minha cidade (Porto Seguro) - Felipe Soares / Foto: Roberto Guedes

O artista baiano Felipe Soares de Jesus, 26 anos, tem 12 anos de experiência no picadeiro e está há um ano no Circo Amazonas. Ele afirma que trabalhar no circo era o sonho de sua vida. “Queria desde pequeno. Quando cheguei a uma certa idade, conversei com meu pai e minha mãe, e segui um circo pequeno que tinha na minha cidade (Porto Seguro)”, disse.

Felipe apresenta todos os dias, no Circo Amazonas, uma performance com fogo, o que já rendeu alguns acidentes. O último deles foi há dois meses, quando se apresentava em Guarabira. “Meu rosto pegou fogo na hora do espetáculo. Fui assoprar (o fogo) e ele voltou todo para a minha boca e meu rosto”, relatou. Como consequência, teve queimaduras de segundo grau, que ainda estão cicatrizando.

A pandemia também foi um momento de bastante dificuldade para ele, que na época trabalhava em outro circo. “Ficamos ‘presos’ em Jabaquara, na Bahia, por três anos. Foram três anos de muita dificuldade: água, comida. A gente dormia dentro das carretas do circo. A sorte é que o pessoal de lá gostou muito do circo e deu muita doação”, contou Felipe.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 10 de dezembro de 2023.