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Pelas mãos do povo

Maior do Mundo desde o 1º dia

publicado: 05/06/2023 14h55, última modificação: 05/06/2023 14h57
Após 40 anos, pessoas que viveram a primeira edição relembram a história e memória que transformaram o evento
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Bandeiras são grampeadas manualmente desde a primeira edição do festejo, em 1983; parte dos primeiros colaboradores segue no serviço - Foto: Leydson Jackson
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Estrutura que recebeu a 1a edição foi montada com madeira e palha - Foto: Retalhos Históricos de CG
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Pirâmide foi construída em 1986 e segue como símbolo da festa - Foto: Retalhos Históricos de CG
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por Ana Flávia Nóbrega*

Atravessada por forró, a população de Campina Grande vive o São João desde os seus primórdios. Local de encontro e permanência, como no início da história da vila que se tornaria cidade com os Tropeiros da Borborema, a população se reunia e exprimia a animação em diversos pontos da cidade. O empenho da população era tamanho que grandes nomes da Cultura Popular do Nordeste passaram a reconhecer a relação indissociável entre Campina e o forró. Um deles foi Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, que, entre o final dos anos 70 e início dos anos 80 do século passado, declarou, em entrevista ao programa Confidencial, da TV Borborema, que a história do ritmo havia começado nas terras da Rainha da Borborema.

“Campina Grande sempre foi meu chamego! Aqui começou a história do forró, aqui começou a história dos oito baixos. Qual é o sanfoneiro de boa estirpe que não vai amar Campina Grande?”, declarou, segundo arquivos do Retalhos Históricos de Campina Grande.

Ainda em 1980, os festejos já eram tão consolidados na identidade dos campinenses (ou campina grandenses) que o cineasta Machado Bittencourt dedicou esforços para a produção de um curta-metragem que pudesse descrever a vivência junina na cidade. Entre as muitas festas espalhadas pela Rainha da Borborema em clubes festivos, casas ou qualquer espaço capaz de reunir os forrozeiros, Bittencourt retratou o São João no Clube dos Caçadores, um dos mais tradicionais clubes festivos da época.

Com a missão de unificar toda a cidade em um único espaço e festejo, o prefeito Ronaldo Cunha Lima, em 1983, criou uma palhoça montada na área onde hoje se localiza o Parque do Povo. De forma improvisada, o espaço teve, já de cara, o letreiro “O Maior São João do Mundo” exposto no dia 4 de junho, primeiro dia de festa. A iniciativa, que até pode ser vista como audaciosa, de Ronaldo Cunha Lima foi, na verdade, a previsão para o que o evento se tornou hoje. Em pouco tempo, o evento entrou no calendário turístico estadual, regional, nacional e, inclusive, internacional.

“Não sei se aquelas pessoas já imaginavam que o São João se tornaria o que é hoje, mas como o campinense é tão criativo e empreendedor, isso também não surpreende ao povo daqui. Surpreende o turista que vê uma palhoça com o nome “O Maior São João do Mundo” e acha que é uma audácia. Mas isso é ser campinense, o empreendedorismo, ser visionário. E o prefeito da época, Ronaldo Cunha Lima, soube capitanear isso muito bem, em um espaço que era de lama, nada preparado e tudo feito de última hora, sem ter a preparação que tem hoje em dia”, declarou Cléa Cordeiro, professora e diretora do Memorial d’O Maior São João do Mundo.

A primeira noite de festa, sobre o chão pisado, mais de 10 mil pessoas compareceram no local para brincar São João. Os dados, da edição de 8 de junho de 1983 do Jornal A União, ressalta ainda que a programação contou com apresentações de danças folclóricas, quadrilhas, fogueiras, fogos de artifício, comidas típicas, forró e palhoção. A festa pelos bairros continuou acontecendo, principalmente com a apresentação de quadrilhas juninas.

No ano seguinte, a festa já contava com 30 dias e entrou no calendário turístico da Paraíba. De acordo com a professora, a população comprou a ideia da festa improvisada e se engajou, ano após ano, para o consolidar como o maior do mundo.

O reconhecimento foi fruto do esforço de muitas mãos unidas em prol de tornar o São João de Campina, de fato, grande. Duas dessas mãos foram as de Sereco. De forma voluntária, o profissional de teatro se uniu a um grupo de mulheres voluntárias para decorar a primeira edição da festa, há 40 anos atrás.

“Primeiro ano do São João, eu fazia teatro e um amigo meu, que também fazia, disse: “A gente vai ajudar a grampear as bandeirinhas do São João. Tu topa?”. Fui voluntariamente e as voluntárias, que eram um grupo de mulheres que ainda hoje existe, cortaram as bandeiras e a gente grampeou. Acho que era uns 200 metros de bandeirinhas porque só tinha três postes no [que viria a ser] Parque do Povo. No Açude Novo a gente esticou as bandeiras em uma árvore e em outra… Sem saber a gente fez a decoração do primeiro São João”, afirmou Sereco, que segue como colaborador na decoração.

Todos os anos, as bandeirinhas que colorem o Parque do Povo e Campina Grande recebem o cuidado atencioso de Sereco e de vários amantes d’O Maior São João do Mundo. Neste ano, com edição comemorativa, iniciada na última quinta-feira, a decoração volta a encher os olhos. “A decoração dos 40 anos é bastante tradicional. Bandeirinha com força, balão, porque faz parte da cultura. É para resgatar a história, a cultura e, para mim, é um orgulho grande contribuir nesses 40 anos para que essa casa ficasse cada dia mais colorida e bonita, que é Campina Grande”, contou Sereco.

Tradição que se renova

O fim da cultura do tradicional São João de Campina Grande é previsto, ano após ano, pelos mais pessimistas. Apesar de uma maior inserção da musicalidade mercadológica, a perspectiva de quem vive o festejo é contrária. A professora Cléa Cordeiro, diretora do Memorial d’O Maior São João do Mundo, declarou que, cada dia mais, jovens estão buscando conhecer a história e a memória para manter a festa viva.

“Neste ano, a comemoração tem mexido com as pessoas. Hoje eu vejo jovens preocupados em manter a tradição, como que vai se manter essa tradição, buscando saber de como foram os 40 anos que construíram essa festa como ela é hoje. Eles questionam também o que fazer para a festa seguir evoluindo, como será o seu futuro… Hoje há um debate constante com os jovens no Memorial”, ressaltou.

O debate versa sobre a manutenção da identidade nordestina através da cultura popular, que é passada de geração para geração. “Isso tem me surpreendido por notar que o jovem tem despertado para a importância da festa para a tradição, cultura, cidade e para a nossa identidade. Os pais também estão levando os filhos e contando as histórias da época em que eles estavam ali. É impressionante e me deixa bastante esperançosa para que a festa continue grandiosa e mantendo a tradição”, finalizou Cléa Cordeiro.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 4 de junho de 2023.