por Alexsandra Tavares*
Assim como nossos bisavôs jamais imaginariam que poderíamos um dia conversar com uma pessoa do outro lado do mundo em tempo real e ao mesmo tempo vermos o rosto do interlocutor, é difícil prevermos como serão as interações humanas no futuro, quando o metaverso estará tão popularizado quanto o Facebook e o Instagram. Mas, já há indícios de como funcionará essa realidade ampliada, que formatará uma espécie de universo virtual paralelo, onde será possível fazer praticamente tudo o que existe hoje no nosso cotidiano, com a ajuda de tecnologia avançada, como os simuladores em 3D.
Já há experiências sendo postas em prática em várias áreas, como educação, saúde, economia, justiça, lazer e no segmento corporativo. Segundo o coordenador do Laboratório de Interação e Mídia (LIM) dos cursos de Ciência da Computação e Engenharia da Computação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professor Valdecir Becker, o metaverso é um mundo virtual que busca centralizar o máximo possível da nossa vida. “Imagina uma gigante rede social onde podemos fazer tudo virtualmente. Além de conversar, brigar por política, paquerar, trabalhar, se divertir, fazer compras, trocar bens, tudo usando um único programa de computador. E ainda, tudo tridimensionalmente, de uma forma que praticamente não conseguimos separar o que é real e o que é criado por computadores”, aponta.
Pois é dessa forma, ou pelo menos, tentando seguir esse avançado sistema tecnológico que algumas atividades são realizadas atualmente. Recentemente, ocorreu na 23ª Região do Tribunal Regional do Trabalho, em Mato Grosso, uma audiência virtual onde avatares de juízes, advogados, universitários e comunicadores interagiam no saguão de palestras da vara do trabalho, onde todos flutuavam nesse ambiente artificial, resolvendo suas questões sem, necessariamente, estarem presentes de carne e osso. Magistrados otimistas acreditam que essa será uma opção que abrirá as portas da unidade judicial para um público mais amplo.
Quando perguntado em quais áreas o metaverso pode ser aplicado, o professor Becker responder: “Em todas”. E exemplifica: “Hoje existe uma corrida para comprar espaços no metaverso, que representam uma localização em relação a um ponto, como um terreno no mundo real. Podemos ser vizinhos de qualquer pessoa do mundo, artista, esportista, entre outros. Já pensou, ‘morar’ do lado do Obama ou do Cristiano Ronaldo?”.
Ele afirmou que as reuniões de trabalho de muitos empreendimentos já estão sendo feitas dentro dessa realidade. “Na prática, cada pessoa pode estar deitada na cama em casa, usando um óculos ou um capacete de realidade virtual. Da mesma forma, empresas de saúde estão colocando os consultórios médicos dentro do metaverso. Sensores, chips e câmeras tiram a temperatura, fazem exames de sangue, ressonâncias, isso no mundo real, e médicos analisam os resultados e dão diagnósticos no metaverso”, afirmou Becker.
O professor do Curso de Comunicação em Mídias Digitais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Paulo Henrique Souto Maior Serrano afirmou que o metaverso designa mundos virtuais que utilizam tecnologias de imersão, experiências sensoriais e de realidade virtual, sendo difícil projetar como será o futuro dentro deste contexto. “Acredito que as empresas não vão querer ficar limitadas apenas ao momento em que as pessoas desejarem se conectar ao metaverso. Elas deverão ampliar esse interesse aos contextos de realidade não mediada, podendo haver um crescimento forte da realidade aumentada, de modo que as tecnologias da informação e comunicação venham atuar também quando o sujeito desligar o computador”, declarou.
Apesar de já existir ferramentas que proporcionem experiências de imersão, o professor afirmou que ainda estamos num estágio tecnológico inicial dessa proposta. “A ideia é de uma imersão muito maior, por meio de luvas sensoriais ou mesmo de óculos de realidade virtual. O problema é que as tecnologias condicionantes para essa proposta mais disruptiva ainda não estão em pleno estado de desenvolvimento e funcionamento”.
Paulo Henrique salientou que a internet se encaminha para um formato descentralizado, por meio das blockchains e também para uma versão ampliada com uso de tecnologia de conectividade com a chamada internet das coisas. Em paralelo a esses avanços ainda o grande melhoramento da performance da conectividade por meio da internet 5G.
Saber das vantagens e atentar às desvantagens
Como praticamente tudo na vida tem as vantagens e desvantagens, o metaverso também apresenta os dois lados da moeda. Se por um lado vai criar interações jamais vistas na sociedade, proporcionando experiências inovadoras entre as pessoas, agilizando e facilitando etapas de tarefas profissionais, acadêmicas, entre outras atividades, também poderá aumentar o abismo entre o contato olho no olho, ou seja, mais humanizado. O professor do Curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB, Paulo Henrique Souto Maior Serrano, declarou que as pessoas devem ficar atentas ao uso exagerado dessas novidades.
“A gente pode ter desvantagens em relação a esse uso constante. Se a pessoa já usa esse espaço, por exemplo, para trabalho, pode querer ficar mais tempo, gerando problema de vício, de visão e afetar a parte psicológica. Pode ainda ter impactos gerados pela dinâmica como que esse meio de comunicação vai monetizar o dinheiro do usuário”, comentou o professor Paulo. Ele acrescenta: “A gente observa hoje em dia a forma como as redes sociais estão colocando o seu algoritmo para funcionar, elencando as prioridades e pautando como as pessoas se informam. Há também a ameaça de golpes, associados a qualquer tipo de relação, não sendo uma prática exclusiva desse meio”.
O coordenador do Laboratório de Interação e Mídia (LIM) dos cursos de Ciência da Computação e Engenharia da Computação da UFPB, professor Valdecir Becker, frisou que o metaverso terá muito que contribuir com a sociedade. ‘A ideia do metaverso é fantástica, tanto em termos de tecnologia quanto em relação à computadorização das atividades humanas. Há uma vertente da computação que considera um desperdício de esforços um ser humano fazer algo que um computador possa fazer’.
Por outro lado, ele aproxima virtualmente e afasta fisicamente. Ele contou que nas redes sociais de hoje, estamos perto de pessoas que estão distantes fisicamente, e mais longes das que estão próximas fisicamente. “Isso num ambiente em que existem, nos relacionamos, apenas textos, imagens e vídeos dessas pessoas. No metaverso, podemos sentar num bar com essas pessoas, tomar uma cerveja, ir a um show, ou a um jogo de futebol, até mesmo para um motel. As possibilidades são infinitas”, disse Becker.
Presença já é percebida no mundo dos games
Nos games, o metaverso já surge com certa força, com a adoção de ferramentas como os tokens não-fungíveis (NFTs). A arquiteta Victória Pinheiro, é uma das empresárias responsável pela SpaceVR, um empreendimento de soluções em realidade virtual e arcade de games em um shopping de João Pessoa. Para ela, o termo mais apropriado é metaversos, porque abrange grandes espaços digitais coletivos que funcionam como o mundo real. Ela frisou que dentro deste contexto, “o futuro já está aqui”, e pode, de uma forma simples, ser conferido no filtro viral do Instagram, que coloca cachorro na sala do usuário. Outro exemplo são as cirurgias realizadas com a ajuda da realidade virtual.
Victória contou que a forma mais fácil de observar a diversidade do metaverso é no universo dos games. Eles já dão uma noção mais clara desse avanço. “Jogos como Roblox e Fortnite são gigantes do mercado que são seus próprios mundos, e ganham cada vez mais usuários. Com a forte presença do público jovem nos metaversos, já começaram a surgir universidades, empreendimentos imobiliários, lojas, atendimentos psicológicos, todos feitos digitalmente, de avatar para avatar”, frisou a empresária.
Dentro deste recorte dos games, ela afirma que já ocorrem coisas inesperadas. “O que sempre consegue me surpreender é a qualidade dos ambientes digitais, e como as coisas realmente parecem reais”.
Até os olhos mais atentos se deixam levar nessa viagem “fictícia”. “Mesmo como arquiteta, e com o olhar atento a pequenos detalhes, me pego impressionada com a velocidade com que esquecemos que o que estamos vendo é virtual. Entramos nos jogos e ficamos totalmente imersos, o lado de fora deixa de existir durante aquele tempo. Perdi as contas de quantas vezes vi clientes acharem que estavam parados jogando em um ponto da loja, e quando tiravam o headset, viam que tinham andado, virado de costas, e estavam em um lugar diferente de onde começaram”.
De acordo com Victória, como toda grande mudança tecnológica, a popularização dos metaversos vai mudar significativamente a forma como as pessoas interagem. Foi assim com o surgimento do rádio, do telefone, do computador, da internet. “Com o metaverso não seria diferente. Acredito que ele tenha o grande poder de encurtar – ainda mais – as distancias entre as pessoas. Cabe a nós, porém, fazer isso de forma positiva”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 21 de agosto e 2022.