Quantas vezes já ouvimos que misturar o produto A com o B é a melhor forma de limpar uma superfície? Ou que aquele composto caseiro caracterizado pela fusão de mais de um produto de limpeza é mais eficiente? A internet está repleta de receitas que prometem uma faxina mais potente, no entanto é preciso ter cuidado: combinar diferentes compostos químicos pode ser perigoso e representar sérios riscos à saúde.
Algumas combinações de produtos de limpeza podem gerar gases tóxicos capazes de causar sintomas como tontura, asfixia, dores de cabeça, vômitos, queimaduras, urticária e desmaios. De acordo com Marcelo Rodrigues, químico do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), os produtos de limpeza são divididos em dois grupos: os de desinfecção e os de higienização. Ambos são considerados sanitizantes e, quando utilizados de forma isolada e correta, não oferecem riscos ao usuário.
O especialista explica que os produtos de higienização são aqueles que entram em contato direto com o corpo, como sabonete, xampu, sabão em pedra e detergente. Os produtos de desinfecção, por sua vez, são destinados à limpeza de superfícies e exigem mais cuidado no uso.
“Entre eles estão os produtos clorados, como a água sanitária, e os à base de amônia, como os desinfetantes — que jamais devem ser misturados. Isso porque, cada um é resultado de uma combinação de reagentes químicos específicos. Um desinfetante, por exemplo, pode conter até cinco substâncias diferentes em sua composição, portanto não há motivo para acrescentar outros produtos”, esclareceu Rodrigues, relatando que ao misturá-los, os compostos reagem entre si e formam novas substâncias nocivas, que podem causar irritação nas vias respiratórias, manchas na pele e até desmaios.
“Por exemplo, ao misturar um produto à base de cloro, como as águas sanitárias, — derivado do ácido muriático — com outro à base de amônia, como certos desinfetantes, formam-se cloraminas, substâncias altamente tóxicas. Elas podem provocar perda de consciência e sérios problemas respiratórios, pois, ao desmaiar, a pessoa continua inalando o gás por mais tempo”, explicitou o químico.
Rodrigues também relata que misturar produtos de limpeza não torna a faxina mais eficiente. Na realidade, essas “misturinhas” acabam anulando o efeito dos produtos envolvidos. “Não existe esse ganho de potência, pois cada produto atua de maneira diferente e deve ser utilizado separadamente. O ideal é aplicar primeiro a água sanitária, responsável por uma limpeza mais profunda e pela eliminação de bactérias mais resistentes. Somente depois deve-se usar o desinfetante, que geralmente é perfumado e tem uma função de limpeza mais leve”, explica o químico, reforçando que misturar produtos não apenas coloca a saúde em risco, pela liberação de gases tóxicos, como também compromete a eficácia da limpeza. “Você pode até ter a impressão de que o ambiente ficou limpo, mas isso é apenas aparência. Limpar é uma coisa, desinfetar é outra”, conclui Rodrigues.
Como recomendação, o químico indica, sempre, o uso de luvas e máscaras ao manusear os produtos de desinfecção, já que eles não são feitos para ter contato com a pele.
Algumas fusões não danosas contribuem no trabalho
Daniela Araújo trabalha como faxineira há mais de 10 anos e conta que algumas combinações ajudam a facilitar no seu dia a dia, como diluir a água sanitária em água. Segundo o químico Marcelo Rodrigues, essa prática não é prejudicial e pode até reduzir o potencial hidrogeniônico (pH) do produto, tornando-o menos ácido e menos agressivo.
“Já senti um pouco de falta de ar enquanto limpava, principalmente os banheiros, que são espaços muito fechados. O cheiro da água sanitária me deixava sufocada, então aprendi a misturar com um pouco de água para deixar mais fraca”, relatou Daniela.
Rodrigues ressalta que nem todas as misturas são perigosas e que algumas podem ser usadas sem riscos à saúde, como a popular combinação de bicarbonato de sódio, vinagre e limão. “Essa mistura não oferece perigo, pois o bicarbonato é uma substância isolada e o vinagre é uma solução simples. Assim, não há risco de inalação tóxica ou corrosão. Ela funciona porque são compostos simples — do ponto de vista químico, chamados de fracos — e não têm potencial para causar intoxicação”, explicou o especialista.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de Outubro de 2025.