Criada em 2007, por decreto presidencial, a Reserva Extrativista Federal (Resex) Acaú-Goiana, localizada entre Paraíba e Pernambuco, segue sem a devida zona de amortecimento (ZA). Por essa razão, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública contra o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a União, no sentido de delimitar essa zona — que, segundo o MPF, é essencial para a proteção do meio ambiente e a sustentabilidade das comunidades pesqueiras da região.
O MPF questiona o entendimento da Advocacia-Geral da União (AGU), que inviabilizou a inclusão dessa área no plano de manejo da unidade, e defende que a ZA pode ser estabelecida por ato administrativo — como uma portaria —, reforçando que tal medida já foi validada em casos semelhantes, por meio de ações/decisões judiciais. Assim, o MPF requereu que a Justiça Federal conceda decisão liminar obrigando o ICMBio a retomar, em até 15 dias, os estudos para delimitar a zona de amortecimento da reserva, estabelecendo-a formalmente no prazo máximo de seis meses, para que seja incluída no plano de manejo da Resex Acaú-Goiana.
Em caso do não reconhecimento da autonomia do ICMBio para delimitar a ZA, o MPF solicita que a União publique, em até seis meses, um decreto para que seja feita a delimitação, estabelecendo as normas e as restrições específicas que cabem a essa área. Até o fechamento desta matéria, ainda não havia decisão judicial sobre os pedidos do MPF.
Na ação, o ICMBio alega que, para a criação da ZA, seria necessário um decreto presidencial específico, segundo explica Luciana Lazzari Ribas, chefe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) ICMBio Cabedelo, responsável pela Resex Acaú-Goiana. “Desde 2006, o ICMBio está impossibilitado de instituir e normatizar as zonas de amortecimento das unidades de conservação federais, conforme orientações da Nota AGU/MC n° 07/2006, segundo as quais a definição das Zonas de Amortecimento das Unidades de Conservação devem ser implementadas por meio de ato de hierarquia igual à que criou a unidade e, portanto, não poderão ser estabelecidas por meio de portaria”, explicou.
Preservação
Espaço destinado à preservação de recursos naturais renováveis utilizados pelas comunidades tradicionais, sobretudo os pescadores artesanais, a Resex Acaú-Goiana fica localizada entre os municípios de Goiana, em Pernambuco, e Pitimbu e Caaporã, na Paraíba, em uma área de mais de seis mil hectares. Como Resex, que é uma modalidade de Unidade de Conservação (UC) de uso sustentável, ela deveria contar com a delimitação de uma ZA — faixa de proteção no entorno da UC, com o objetivo de filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela, como ruídos, poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana, especialmente nas unidades próximas a áreas intensamente ocupadas.
A delimitação da ZA submete a região demarcada a normas e restrições específicas, visando à proteção da UC. De acordo com a procuradora da República Mona Lisa Duarte Aziz, que assina a ação, a ausência dessa zona coloca em risco a integridade da reserva. “Além disso, impede a aplicação de medidas protetivas adequadas e permite a realização de empreendimentos potencialmente danosos nas proximidades da Resex, sem a devida consulta ou controle ambiental”, acrescentou.
"A área do entorno da unidade vem passando por várias modificações antrópicas de grande porte"
- Severino Antônio dos Santos
Em relação ao ICMBio, Luciana disse que o instituto está buscando uma solução para esse impasse, no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e enfatizou que a falta dessa zona de amortecimento dificulta a atuação no local. “Por não ter normas específicas para essa área de transição, além de desobrigar que os órgãos estaduais consultem o instituto em processos de licenciamento, com impactos potenciais nos atributos da Resex, que garantem o modo de vida das mais de 1,5 mil famílias beneficiárias da UC, também impossibilita o recolhimento de valores de compensação ambiental desses empreendimentos”, explicou.
Além desses fatores, a falta de uma ZA na Resex Acaú-Goiana, que abrange áreas estuarinas e marinhas fundamentais para a sobrevivência de comunidades tradicionais que dependem da pesca artesanal, também prejudica a sobrevivência dessa população. “O mapas das atividades produtivas realizadas pelas famílias beneficiárias da Resex apontou que a produção pesqueira se estende para além dos limites da UC, sobretudo, em se tratando da pesca de camarão, peixes e goiamum — inclusive, este último encontra-se na lista de espécies ameaçadas de extinção”, destacou.
De forma institucional, há um grupo de trabalho voltado a estabelecer critérios para a delimitação de zona de amortecimento e a sua normatização. No caso específico da Resex Acaú-Goiana, isso também foi debatido com representações da comunidade pesqueira da região, durante uma oficina para elaborar o plano de manejo. Porém, como ainda não é possível, ao ICMBio, delimitar essa área, pela falta de um decreto específico, não há um cronograma estipulado para a sua implementação.
Comunidades tradicionais
Severino Antônio dos Santos, secretário do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP-NE2) e membro titular do Conselho Deliberativo da Resex Acaú-Goiana, acompanha as atividades da região desde 1998. Segundo ele, o processo de mobilização em prol da criação da Resex Acaú-Goiana começou ainda nos anos 1990, pela própria comunidade.
A criação da área, efetivada em 2007, não contemplou a delimitação da ZA, o que vem ameaçando a reserva. “O território da Resex está limitado às áreas de preamar. No entanto, a área do entorno da unidade vem passando por várias modificações antrópicas, principalmente com instalação de empreendimentos de grande porte”, afirmou.
Conforme ele contou, no entorno, há fazendas de criação de camarão, fábrica de cimento e canaviais, além de polos automotivo e farmacoquímico e a possível instalação de um terminal de combustível e de um porto flutuante na área, sem falar na especulação imobiliária. “A delimitação da ZA não impedirá a instalação ou a ampliação desses e de outros empreendimentos econômicos na região, mas, com ela, será possível gerir melhor esse processo e reduzir impactos e conflitos socioambientais”, disse.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de setembro de 2024.